AgRg no AgRg no REsp 1443088 / SPAGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL2014/0061368-0
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ALVARÁ DE EDIFICAÇÃO. DIREITO DE PROTOCOLO. REQUERIMENTO SOB A ÉGIDE DE LEI MENOS RESTRITIVA.
CONCESSÃO A SOCIEDADE DIVERSA APÓS A REVOGAÇÃO DA LEI. ALTERAÇÃO DO PROJETO. DIREITO ADQUIRIDO. MANDATO. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO.
OFENSA AO ART. 535 DO CPC CONFIGURADA.
1. Cuida-se, na origem, de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, contra FRC Incorporações e Participações Ltda, Peixoto II Empreendimentos Imobiliários Ltda.
e o Município de São Paulo, visando à cassação do alvará expedido para edificação de prédio residencial de 24 andares com 8.431,31 m² a ser construído na Rua Peixoto Gomide - Jardins - São Paulo/SP (processo administrativo 2005.0.019.236-3).
2. Conforme se extrai dos autos, foi editada no Município de São Paulo a Lei 13.885/2004, de 25 de agosto de 2004, que estabelece normas complementares ao Plano Diretor Estratégico, institui os Planos Regionais Estratégicos das Subprefeituras, dispõe sobre o parcelamento, disciplina e ordena o Uso e Ocupação do Solo. A referida lei, como estabeleceu regras mais restritivas ao direito de construir, a fim de privilegiar a segurança jurídica, previu em seu art. 242 uma espécie de regra de transição (direito de protocolo): "Art. 242. No caso de expedientes administrativos ainda sem despacho decisório em última instância, protocolados anteriormente à data de entrada em vigor desta lei, os interessados poderão optar pela aplicação da legislação vigente à data do seu protocolamento.
Parágrafo único. Nos expedientes administrativos a que se refere o 'caput', um eventual acréscimo na área do terreno que constou do projeto originalmente apresentado, com a incorporação de novos lotes, só será admitida desde que para a área correspondente ao acréscimo seja aplicado o coeficiente de aproveitamento básico, que só poderá ser ultrapassado através de outorga onerosa do direito de construir, nos termos do PDE e desta lei".
3. Com base no dispositivo legal transcrito, alguns dias antes da entrada em vigor da nova Lei de Uso e Ocupação do Solo, que viria a ocorrer em fevereiro de 2005, a empresa FRC Incorporações e Participações Ltda. protocolou na Secretaria Municipal de Habitação o pedido de alvará de edificação. Em 25 de maio de 2005, por não respeitar disposições do Código de Obras e Edificações, o pedido foi indeferido (fl. 143). Passados mais de 30 dias do indeferimento, em 28.6.2005, a empresa pediu reconsideração da decisão, e o pleito, em 24.8.2006, foi mais uma vez indeferido por questões técnicas e pelo fato de a requerente não ser possuidora ou proprietária dos imóveis.
Novamente, agora por meio da empresa Peixoto II Empreendimentos Imobiliários Ltda., foi requerida a reconsideração, com as necessárias alterações no projeto.
4. Assim, após manifestação dos órgãos técnicos e jurídicos do Município, em 4.12.2007, já na gestão seguinte, o Diretor do Departamento de Aprovação das Edificações, Hussain Aref Saab, finalmente deferiu a expedição de Alvará de Aprovação e Execução de Edificação Nova (fl. 753).
5. O Parquet estadual apontou, em suma, que as empresas, a fim de escapar da nova Lei de Uso e Ocupação do Solo paulistana, mais restritiva que a anterior, na iminência de sua entrada em vigor, requereram alvará de aprovação de edificação, de forma açodada e abusiva, mesmo não tendo projeto concluído e não sendo titular dos imóveis. O alvará, após indeferimentos e alterações nas plantas, foi finalmente concedido já na vigência da lei nova, mas com base na legislação antecedente.
6. Em primeiro grau, o Juiz sentenciante consignou que o pleito de alvará foi realizado com o deliberado intuito de tentar contornar regras legais e julgou a ação procedente para cassá-lo. Segue trecho da sentença: "As questões até aqui analisadas colocam em evidência os seguintes aspectos: - a empresa co-ré FRC Incorporações e Participações Ltda. requereu alvará de aprovação para edificação nova às vésperas (três dias antes) do início de vigência da Lei Municipal n. 13.845/04 que reduziu significativamente o coeficiente de aproveitamento máximo observável no local (Z3-139) em que pretendia ela erigir a edificação até então observável (Lei Municipal n. 13.430/02, art. 165, coeficiente de aproveitamento máximo de fator 4 que reduzido foi a 2,5); - agiu sem ter posse ou domínio sobre os imóveis abarcados pela edificação pretendida, quanto menos mandato de ao menos quatro dos seis proprietários respectivos, o que se obteve muito depois de já estar a viger a Lei Municipal n. 13.845/04 e, ainda assim, por meio de outra empresa co-ré (Peixoto II Empreendimentos Imobiliários Ltda.) que, por sua vez, somente foi constituída em 24 de fevereiro de 2006; - mesmos as ratificações invocadas para fins de aplicabilidade do art. 662, parágrafo único, do C.C., emitidas foram a um tempo (ano de 2006) em que já vigia há muito a Lei Municipal n. 13.845/04 (fevereiro de 2005), ou seja, a um tempo em que já não era mais possível elidir a não configuração do direito de protocolo como visto foi; - agiu sem ter projeto então exibido apto a ser sequer regularizado por meio de atendimento de exigências veiculadas por 'comunique-se' ou 'comunicado', tido como foi mesmo como insanável, tamanhas as suas falhas e gravidades; e - mister foi renovar todo o projeto (mas já a um tempo plantas novas juntadas em fevereiro de 2006 com retificação delas em setembro de 2006 - em que também já vigia há muito a Lei Municipal n. 13.845/04), exibindo-o por forma diversa no mesmo processo administrativo e, ainda aqui, através de requerimento de reconsideração de um segundo indeferimento do pleito administrativo, tudo para obstar o encerramento da instância administrativa quanto ao processo de autos n. 2005-0.019.236-3, o que inviabilizaria por definitivo o invocar o direito de protocolo. A conjugação destes aspectos torna manifesto o intento das empresas rés, com o beneplácito da Municipalidade local, de contornar a então novel legislação, presumidamente instituída para atender o interesse coletivo, mais restritiva quanto ao direito de construir in casu, mediante uso manifestamente desvirtuado, até mesmo desfigurado do chamado direito de protocolo. Note-se: fosse o requerimento feito por quem de direito, ainda que necessitado de correções e não de modificações profundas a gerar, em realidade, requerimento diverso (que teria de ser veiculado por processo distinto para exatamente não haver pretensão de abusivo emprego do art. 242 da Lei Municipal n. 13.845/04), não haveria dúvida sobre a configuração do direito de protocolo. Não foi este o caso em que, diversamente, o que se constata foi o agir açodado, precário, de resultado ainda incerto (sobre a aquisição do domínio e posse dos imóveis necessários à construção pretendida) no intuito de tentar, deliberadamente, contornar regras edilícias mais restritivas às vésperas de sua vigência, mas com atropelo de normas legais outras tais como o C.O.E. (Código de Obras e Edificações) do Município de São Paulo, instituído pela Lei Municipal n. 11.228/92, itens 3.6, letra 'c' e 3.7, letra 'c', e os arts. 2º, caput, e 6º, caput, ambos da Lei de Introdução ao Código Civil, Decreto-Lei Federal n. 4.657/42, além das pertinentes às próprias regras legais referentes aos motivos pelos quais ocorreram os indeferimentos (dois) do requerimento de expedição de alvará de aprovação para edificação nova, mormente o primeiro indeferimento, dada a motivação pela qual se tomou o projeto originalmente exibido até mesmo como insanável".
7. Irresignadas, as sociedades empresárias recorreram, e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu provimento aos apelos para reconhecer a higidez do alvará.
8. O Ibed, na qualidade de assistente litisconsorcial, opôs Embargos de Declaração com intuito de provocar a manifestação sobre a inexistência de direito adquirido, os efeitos da ratificação dos atos praticados pela empresa em relação ao Poder Público, a concessão de alvará a sociedade que foi constituída após o protocolo do pedido. Por fim, objetivou descaracterizar o mandato, tendo em vista que as empresas afirmam que agiram em seus próprios nomes e interesses.
9. Os Embargos de Declaração foram rejeitados sem menção aos argumentos citados. O Ibed interpôs, então, Recurso Especial, com fundamento no art. 105, III, "a" e "c", da CF.
10. Num primeiro momento, o eminente Relator, Ministro Mauro Campbell Marques, proferiu decisão monocrática para ratificar a legitimidade recursal do Ibed e acolher integralmente a suscitada violação do art. 535 do CPC (fl. 3.732).
11. As empresas interpuseram Agravos Regimentais, e o Min. Relator reconsiderou o decisum para negar seguimento ao Recurso Especial, afastando a ofensa ao art. 535 do CPC e aplicando as Súmula 7 e 211/STJ.
12. É cediço o entendimento de que a solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza contrariedade ao art. 535 do CPC e que o juiz não é obrigado a rebater todos os argumentos aduzidos pelas partes. Por outro lado, o juiz não pode deixar de conhecer de matéria relevante ao deslinde da questão, mormente quando sua decisão não é suficiente para refutar a tese aduzida, que, portanto, não abrange toda a controvérsia.
13. A matéria atinente ao direito adquirido é de extremo relevo para o caso concreto, principalmente diante da compreensão de que a incidência da lei revogada pressupõe o preenchimento dos requisitos nela previstos na época do protocolo, não sendo lícita a apresentação de requerimento falho, apenas com o fim de evitar a aplicação da legislação posterior, mais restritiva.
14. Nesse sentido, a fim de demonstrar a relevância da matéria, cito precedente mencionado pelo Ibed, de relatoria do e. Ministro Humberto Martins, referente ao direito de protocolo à luz do direito adquirido: "ADMINISTRATIVO - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - REGULARIZAÇÃO DE IMÓVEL URBANO - DIREITO DE PROTOCOLO - ALTERAÇÃO SUPERVENIENTE DA LEGISLAÇÃO - EFEITOS DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA - INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO - RECURSO ORDINÁRIO IMPROVIDO. 1. CONTROVÉRSIA. Sobre a existência de direito adquirido a regime jurídico fundado em lei revogada, quando o suposto titular apresentara mero requerimento administrativo. 2. DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO. O conceito de direito adquirido, instituto sediado na Constituição Federal (art. 5°, inciso XXXVI, CF/1988), encontra densidade discursiva no direito infraconstitucional, especificamente o art. 6º, § 2º, LICC, que assim considera o direito exercitável sem limite por termo pré-fixo ou condição pré-estabelecida inalterável ao arbítrio de outrem. 3. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO DIREITO ADQUIRIDO. Observado o critério proposto na obra de Francesco Gabba, o recorrente não tem direito adquirido a regime jurídico, porquanto: a) não possuía, à época do requerimento, todas as condições necessárias para o implemento do direito à regularização imobiliária, porque seu requesto demandava, além de outros aspectos, o placet do órgão administrativo, verdadeiro requisito de eficácia do direito a que almejava; b) a superveniente alteração legislativa esvaziou sua pretensão, antes do preenchimento dos requisitos plenos, necessários à aquisição do direito; c) a nova lei suprimiu a possibilidade de concessão de eficácia ao que pretendia o requerente, na medida em que impediu seu reconhecimento jurídico, o que tornou impossível a constituição do próprio direito.
4. EFEITOS DO "DIREITO DE PROTOCOLO" NO CASO CONCRETO. Nesta espécie, não há como se resguardar o "direito de protocolo", ou seja, o direito à aplicação, durante todo o processo administrativo, do regime jurídico existente no momento do protocolo da petição inicial, na forma como deseja o recorrente. Precedente do STF. 5.
ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. A legislação originária, sob a qual se fundava o protocolo do recorrente, foi escoimada de ilegal e inconstitucional. Esses foram os fundamentos da ação civil pública movida pelo Ministério Público de São Paulo. A severidade dessa increpação foi tamanha que o Município, ora recorrido, não mais deu seqüência ao procedimento do recorrente e, momentos depois, revogou os atos normativos impugnados. Recurso ordinário improvido" (RMS 27.641/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 14.10.2008).
15. Também representa vício a simples menção de que "as requeridas agiram na condição de mandatárias dos proprietários, que posteriormente ratificaram os atos praticados por aqueles, o que convalida o pedido de alvará de aprovação de obra nova" (fl. 3.038, e-STJ), sem enfrentamento da afirmação de que não se configura mandato, pois o pedido foi feito em nomes e interesses próprios, não obstante a ausência de propriedade ou posse sobre a área.
16. Apesar de o acórdão afirmar que não há irregularidade na existência de dois pedidos formulados por empresas diferentes, sendo uma delas uma SPE, deixa de se manifestar, outrossim, sobre a importante argumentação de que o alvará foi concedido a sociedade que nem sequer existia na data em que requerido.
17. Em se tratando de discussão acerca do direito de protocolo, a qual envolve a ultra-atividade da lei urbanística revogada, é de extrema importância a manifestação do Tribunal local sobre os argumentos citados, especialmente sobre a concessão de alvará com base em lei anterior a empresa que nem mesmo havia sido constituída na ocasião do protocolo, com frontal desrespeito a regras basilares que regem o processo administrativo.
18. Ressalte-se que essa foi a primeira conclusão alcançada pelo e.
Relator ao decidir monocraticamente o nobre apelo, ocasião em que observou, a meu ver corretamente, a existência de omissão no aresto impugnado.
19. Em que pese a afirmação no atual voto do Relator de que não há violação do art. 535 do CPC, propõe-se a aplicação da Súmula 211/STJ, por falta de prequestionamento, e a incidência da Súmula 7/STJ quanto às mencionadas alegações do recorrente, o que configura evidente cilada processual.
20. É cediço que, em certos casos, é possível afastar a alegada violação do art. 535 do CPC e, ao mesmo tempo, não conhecer do mérito da demanda por ausência de prequestionamento ou por necessidade de revolvimento do acervo fático-probatório. Todavia, é indispensável que o acórdão recorrido esteja adequadamente fundamentado e que os pontos omissos não se revelem significativos para o exame da controvérsia.
21. In casu, conforme consignado, há pontos de extremo interesse que não foram abordados na origem, o que afasta a possibilidade de rejeitar a contrariedade ao art. 535 do CPC e, concomitantemente, de aplicar as Súmulas 7 e 211/STJ.
22. Reconheço, portanto, a existência de omissão no acórdão impugnado e, por conseguinte, a ofensa ao art. 535 do CPC.
23. Agravo Regimental parcialmente provido.
(AgRg no AgRg no REsp 1443088/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/03/2016, DJe 23/05/2016)
Ementa
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ALVARÁ DE EDIFICAÇÃO. DIREITO DE PROTOCOLO. REQUERIMENTO SOB A ÉGIDE DE LEI MENOS RESTRITIVA.
CONCESSÃO A SOCIEDADE DIVERSA APÓS A REVOGAÇÃO DA LEI. ALTERAÇÃO DO PROJETO. DIREITO ADQUIRIDO. MANDATO. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO.
OFENSA AO ART. 535 DO CPC CONFIGURADA.
1. Cuida-se, na origem, de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, contra FRC Incorporações e Participações Ltda, Peixoto II Empreendimentos Imobiliários Ltda.
e o Município de São Paulo, visando à cassação do alvará expedido para edificação de prédio residencial de 24 andares com 8.431,31 m² a ser construído na Rua Peixoto Gomide - Jardins - São Paulo/SP (processo administrativo 2005.0.019.236-3).
2. Conforme se extrai dos autos, foi editada no Município de São Paulo a Lei 13.885/2004, de 25 de agosto de 2004, que estabelece normas complementares ao Plano Diretor Estratégico, institui os Planos Regionais Estratégicos das Subprefeituras, dispõe sobre o parcelamento, disciplina e ordena o Uso e Ocupação do Solo. A referida lei, como estabeleceu regras mais restritivas ao direito de construir, a fim de privilegiar a segurança jurídica, previu em seu art. 242 uma espécie de regra de transição (direito de protocolo): "Art. 242. No caso de expedientes administrativos ainda sem despacho decisório em última instância, protocolados anteriormente à data de entrada em vigor desta lei, os interessados poderão optar pela aplicação da legislação vigente à data do seu protocolamento.
Parágrafo único. Nos expedientes administrativos a que se refere o 'caput', um eventual acréscimo na área do terreno que constou do projeto originalmente apresentado, com a incorporação de novos lotes, só será admitida desde que para a área correspondente ao acréscimo seja aplicado o coeficiente de aproveitamento básico, que só poderá ser ultrapassado através de outorga onerosa do direito de construir, nos termos do PDE e desta lei".
3. Com base no dispositivo legal transcrito, alguns dias antes da entrada em vigor da nova Lei de Uso e Ocupação do Solo, que viria a ocorrer em fevereiro de 2005, a empresa FRC Incorporações e Participações Ltda. protocolou na Secretaria Municipal de Habitação o pedido de alvará de edificação. Em 25 de maio de 2005, por não respeitar disposições do Código de Obras e Edificações, o pedido foi indeferido (fl. 143). Passados mais de 30 dias do indeferimento, em 28.6.2005, a empresa pediu reconsideração da decisão, e o pleito, em 24.8.2006, foi mais uma vez indeferido por questões técnicas e pelo fato de a requerente não ser possuidora ou proprietária dos imóveis.
Novamente, agora por meio da empresa Peixoto II Empreendimentos Imobiliários Ltda., foi requerida a reconsideração, com as necessárias alterações no projeto.
4. Assim, após manifestação dos órgãos técnicos e jurídicos do Município, em 4.12.2007, já na gestão seguinte, o Diretor do Departamento de Aprovação das Edificações, Hussain Aref Saab, finalmente deferiu a expedição de Alvará de Aprovação e Execução de Edificação Nova (fl. 753).
5. O Parquet estadual apontou, em suma, que as empresas, a fim de escapar da nova Lei de Uso e Ocupação do Solo paulistana, mais restritiva que a anterior, na iminência de sua entrada em vigor, requereram alvará de aprovação de edificação, de forma açodada e abusiva, mesmo não tendo projeto concluído e não sendo titular dos imóveis. O alvará, após indeferimentos e alterações nas plantas, foi finalmente concedido já na vigência da lei nova, mas com base na legislação antecedente.
6. Em primeiro grau, o Juiz sentenciante consignou que o pleito de alvará foi realizado com o deliberado intuito de tentar contornar regras legais e julgou a ação procedente para cassá-lo. Segue trecho da sentença: "As questões até aqui analisadas colocam em evidência os seguintes aspectos: - a empresa co-ré FRC Incorporações e Participações Ltda. requereu alvará de aprovação para edificação nova às vésperas (três dias antes) do início de vigência da Lei Municipal n. 13.845/04 que reduziu significativamente o coeficiente de aproveitamento máximo observável no local (Z3-139) em que pretendia ela erigir a edificação até então observável (Lei Municipal n. 13.430/02, art. 165, coeficiente de aproveitamento máximo de fator 4 que reduzido foi a 2,5); - agiu sem ter posse ou domínio sobre os imóveis abarcados pela edificação pretendida, quanto menos mandato de ao menos quatro dos seis proprietários respectivos, o que se obteve muito depois de já estar a viger a Lei Municipal n. 13.845/04 e, ainda assim, por meio de outra empresa co-ré (Peixoto II Empreendimentos Imobiliários Ltda.) que, por sua vez, somente foi constituída em 24 de fevereiro de 2006; - mesmos as ratificações invocadas para fins de aplicabilidade do art. 662, parágrafo único, do C.C., emitidas foram a um tempo (ano de 2006) em que já vigia há muito a Lei Municipal n. 13.845/04 (fevereiro de 2005), ou seja, a um tempo em que já não era mais possível elidir a não configuração do direito de protocolo como visto foi; - agiu sem ter projeto então exibido apto a ser sequer regularizado por meio de atendimento de exigências veiculadas por 'comunique-se' ou 'comunicado', tido como foi mesmo como insanável, tamanhas as suas falhas e gravidades; e - mister foi renovar todo o projeto (mas já a um tempo plantas novas juntadas em fevereiro de 2006 com retificação delas em setembro de 2006 - em que também já vigia há muito a Lei Municipal n. 13.845/04), exibindo-o por forma diversa no mesmo processo administrativo e, ainda aqui, através de requerimento de reconsideração de um segundo indeferimento do pleito administrativo, tudo para obstar o encerramento da instância administrativa quanto ao processo de autos n. 2005-0.019.236-3, o que inviabilizaria por definitivo o invocar o direito de protocolo. A conjugação destes aspectos torna manifesto o intento das empresas rés, com o beneplácito da Municipalidade local, de contornar a então novel legislação, presumidamente instituída para atender o interesse coletivo, mais restritiva quanto ao direito de construir in casu, mediante uso manifestamente desvirtuado, até mesmo desfigurado do chamado direito de protocolo. Note-se: fosse o requerimento feito por quem de direito, ainda que necessitado de correções e não de modificações profundas a gerar, em realidade, requerimento diverso (que teria de ser veiculado por processo distinto para exatamente não haver pretensão de abusivo emprego do art. 242 da Lei Municipal n. 13.845/04), não haveria dúvida sobre a configuração do direito de protocolo. Não foi este o caso em que, diversamente, o que se constata foi o agir açodado, precário, de resultado ainda incerto (sobre a aquisição do domínio e posse dos imóveis necessários à construção pretendida) no intuito de tentar, deliberadamente, contornar regras edilícias mais restritivas às vésperas de sua vigência, mas com atropelo de normas legais outras tais como o C.O.E. (Código de Obras e Edificações) do Município de São Paulo, instituído pela Lei Municipal n. 11.228/92, itens 3.6, letra 'c' e 3.7, letra 'c', e os arts. 2º, caput, e 6º, caput, ambos da Lei de Introdução ao Código Civil, Decreto-Lei Federal n. 4.657/42, além das pertinentes às próprias regras legais referentes aos motivos pelos quais ocorreram os indeferimentos (dois) do requerimento de expedição de alvará de aprovação para edificação nova, mormente o primeiro indeferimento, dada a motivação pela qual se tomou o projeto originalmente exibido até mesmo como insanável".
7. Irresignadas, as sociedades empresárias recorreram, e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu provimento aos apelos para reconhecer a higidez do alvará.
8. O Ibed, na qualidade de assistente litisconsorcial, opôs Embargos de Declaração com intuito de provocar a manifestação sobre a inexistência de direito adquirido, os efeitos da ratificação dos atos praticados pela empresa em relação ao Poder Público, a concessão de alvará a sociedade que foi constituída após o protocolo do pedido. Por fim, objetivou descaracterizar o mandato, tendo em vista que as empresas afirmam que agiram em seus próprios nomes e interesses.
9. Os Embargos de Declaração foram rejeitados sem menção aos argumentos citados. O Ibed interpôs, então, Recurso Especial, com fundamento no art. 105, III, "a" e "c", da CF.
10. Num primeiro momento, o eminente Relator, Ministro Mauro Campbell Marques, proferiu decisão monocrática para ratificar a legitimidade recursal do Ibed e acolher integralmente a suscitada violação do art. 535 do CPC (fl. 3.732).
11. As empresas interpuseram Agravos Regimentais, e o Min. Relator reconsiderou o decisum para negar seguimento ao Recurso Especial, afastando a ofensa ao art. 535 do CPC e aplicando as Súmula 7 e 211/STJ.
12. É cediço o entendimento de que a solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza contrariedade ao art. 535 do CPC e que o juiz não é obrigado a rebater todos os argumentos aduzidos pelas partes. Por outro lado, o juiz não pode deixar de conhecer de matéria relevante ao deslinde da questão, mormente quando sua decisão não é suficiente para refutar a tese aduzida, que, portanto, não abrange toda a controvérsia.
13. A matéria atinente ao direito adquirido é de extremo relevo para o caso concreto, principalmente diante da compreensão de que a incidência da lei revogada pressupõe o preenchimento dos requisitos nela previstos na época do protocolo, não sendo lícita a apresentação de requerimento falho, apenas com o fim de evitar a aplicação da legislação posterior, mais restritiva.
14. Nesse sentido, a fim de demonstrar a relevância da matéria, cito precedente mencionado pelo Ibed, de relatoria do e. Ministro Humberto Martins, referente ao direito de protocolo à luz do direito adquirido: "ADMINISTRATIVO - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - REGULARIZAÇÃO DE IMÓVEL URBANO - DIREITO DE PROTOCOLO - ALTERAÇÃO SUPERVENIENTE DA LEGISLAÇÃO - EFEITOS DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA - INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO - RECURSO ORDINÁRIO IMPROVIDO. 1. CONTROVÉRSIA. Sobre a existência de direito adquirido a regime jurídico fundado em lei revogada, quando o suposto titular apresentara mero requerimento administrativo. 2. DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO. O conceito de direito adquirido, instituto sediado na Constituição Federal (art. 5°, inciso XXXVI, CF/1988), encontra densidade discursiva no direito infraconstitucional, especificamente o art. 6º, § 2º, LICC, que assim considera o direito exercitável sem limite por termo pré-fixo ou condição pré-estabelecida inalterável ao arbítrio de outrem. 3. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO DIREITO ADQUIRIDO. Observado o critério proposto na obra de Francesco Gabba, o recorrente não tem direito adquirido a regime jurídico, porquanto: a) não possuía, à época do requerimento, todas as condições necessárias para o implemento do direito à regularização imobiliária, porque seu requesto demandava, além de outros aspectos, o placet do órgão administrativo, verdadeiro requisito de eficácia do direito a que almejava; b) a superveniente alteração legislativa esvaziou sua pretensão, antes do preenchimento dos requisitos plenos, necessários à aquisição do direito; c) a nova lei suprimiu a possibilidade de concessão de eficácia ao que pretendia o requerente, na medida em que impediu seu reconhecimento jurídico, o que tornou impossível a constituição do próprio direito.
4. EFEITOS DO "DIREITO DE PROTOCOLO" NO CASO CONCRETO. Nesta espécie, não há como se resguardar o "direito de protocolo", ou seja, o direito à aplicação, durante todo o processo administrativo, do regime jurídico existente no momento do protocolo da petição inicial, na forma como deseja o recorrente. Precedente do STF. 5.
ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. A legislação originária, sob a qual se fundava o protocolo do recorrente, foi escoimada de ilegal e inconstitucional. Esses foram os fundamentos da ação civil pública movida pelo Ministério Público de São Paulo. A severidade dessa increpação foi tamanha que o Município, ora recorrido, não mais deu seqüência ao procedimento do recorrente e, momentos depois, revogou os atos normativos impugnados. Recurso ordinário improvido" (RMS 27.641/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 14.10.2008).
15. Também representa vício a simples menção de que "as requeridas agiram na condição de mandatárias dos proprietários, que posteriormente ratificaram os atos praticados por aqueles, o que convalida o pedido de alvará de aprovação de obra nova" (fl. 3.038, e-STJ), sem enfrentamento da afirmação de que não se configura mandato, pois o pedido foi feito em nomes e interesses próprios, não obstante a ausência de propriedade ou posse sobre a área.
16. Apesar de o acórdão afirmar que não há irregularidade na existência de dois pedidos formulados por empresas diferentes, sendo uma delas uma SPE, deixa de se manifestar, outrossim, sobre a importante argumentação de que o alvará foi concedido a sociedade que nem sequer existia na data em que requerido.
17. Em se tratando de discussão acerca do direito de protocolo, a qual envolve a ultra-atividade da lei urbanística revogada, é de extrema importância a manifestação do Tribunal local sobre os argumentos citados, especialmente sobre a concessão de alvará com base em lei anterior a empresa que nem mesmo havia sido constituída na ocasião do protocolo, com frontal desrespeito a regras basilares que regem o processo administrativo.
18. Ressalte-se que essa foi a primeira conclusão alcançada pelo e.
Relator ao decidir monocraticamente o nobre apelo, ocasião em que observou, a meu ver corretamente, a existência de omissão no aresto impugnado.
19. Em que pese a afirmação no atual voto do Relator de que não há violação do art. 535 do CPC, propõe-se a aplicação da Súmula 211/STJ, por falta de prequestionamento, e a incidência da Súmula 7/STJ quanto às mencionadas alegações do recorrente, o que configura evidente cilada processual.
20. É cediço que, em certos casos, é possível afastar a alegada violação do art. 535 do CPC e, ao mesmo tempo, não conhecer do mérito da demanda por ausência de prequestionamento ou por necessidade de revolvimento do acervo fático-probatório. Todavia, é indispensável que o acórdão recorrido esteja adequadamente fundamentado e que os pontos omissos não se revelem significativos para o exame da controvérsia.
21. In casu, conforme consignado, há pontos de extremo interesse que não foram abordados na origem, o que afasta a possibilidade de rejeitar a contrariedade ao art. 535 do CPC e, concomitantemente, de aplicar as Súmulas 7 e 211/STJ.
22. Reconheço, portanto, a existência de omissão no acórdão impugnado e, por conseguinte, a ofensa ao art. 535 do CPC.
23. Agravo Regimental parcialmente provido.
(AgRg no AgRg no REsp 1443088/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/03/2016, DJe 23/05/2016)Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA Turma do Superior
Tribunal de Justiça: "Prosseguindo-se no julgamento, após o
voto-vista da Sra. Ministra Diva Malerbi, acompanhando a divergência
inaugurada pelo Sr. Ministro Herman Benjamin, dando parcial
provimento ao agravo regimental, a Turma, por maioria, deu parcial
provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro
Herman Benjamin, que lavrará o acórdão. Vencido o Sr. Ministro Mauro
Campbell Marques."
Votaram com o Sr. Ministro Herman Benjamin as Sras. Ministras
Assusete Magalhães (Presidente) e Diva Malerbi (Desembargadora
convocada do TRF da 3a. Região).
Impedido o Sr. Ministro Humberto Martins.
Data do Julgamento
:
10/03/2016
Data da Publicação
:
DJe 23/05/2016
Órgão Julgador
:
T2 - SEGUNDA TURMA
Relator(a)
:
Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES (1141)
Relator a p acórdão
:
Ministro HERMAN BENJAMIN (1132)
Referência legislativa
:
LEG:FED LEI:005869 ANO:1973***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 ART:00535
Veja
:
(DIREITO DE PROTOCOLO À LUZ DO DIREITO ADQUIRIDO) STJ - RMS 27641-SP
Sucessivos
:
AgRg no AgRg no REsp 1443088 SP 2014/0061368-0 Decisão:10/03/2016
DJe DATA:23/05/2016
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