AgRg no AREsp 470565 / PAAGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL2014/0021734-7
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE.
CESSÃO DE IMÓVEL PÚBLICO SEM OBEDIÊNCIA A FORMALIDADES LEGAIS.
VIOLAÇÃO FRONTAL AO SISTEMA NORMATIVO. FAVORECIMENTO PESSOAL CARACTERIZADO. AFRONTA AO ART. 11 DA LEI 8.429/1992. ELEMENTO SUBJETIVO. DOLO EVIDENTE.
HISTÓRICO NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS 1. Trata-se de Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa proposta contra o ex-Procurador Seccional da União em Marabá. Segundo se tem na inicial, após assumir aquele cargo, o recorrido "solicitou" ao Superintendente do Incra a cessão de lote para instalação da sede da AGU naquela localidade. Sucede que, ao contrário de fazer edificação do bem público na área, o requerido construiu imóvel residencial para uso próprio.
2. O juiz de primeiro grau, acolhendo a versão do recorrido, entendeu que, na verdade, existiram duas solicitações de imóveis: uma formal (fls. 71 e ss.), de doação de lote direcionado à sede da AGU naquela Municipalidade; outra informal (verbal), específica para cessão de imóvel destinado à residência do recorrido. Com base nisso, concluiu que, embora houvesse conduta em dissonância com a lei, especialmente por parte do então Superintendente do Incra ao autorizar ocupação de bem público para fins particulares, o recorrido agira com boa-fé, porque era comum a prática de "doar" lotes a servidores públicos no local.
3. Em linhas gerais, pode-se dizer que o TRF da 1ª Região acolheu integralmente as conclusões do juízo monocrático. O e. Relator, Des.
Federal Olindo Menezes, proferiu brilhante voto, explicitando, de forma detalhada, os contornos fáticos da demanda.
PRECLUSÃO: ART. 9º DA LIA E DANOS MORAIS COLETIVOS 4. Antes de avançar em outros tópicos, importante registrar que a alegada violação do art. 9º, caput e inc. XII, da Lei de Improbidade está preclusa. Desde a inicial, o MPF sustentava que a conduta do recorrido importou obtenção de vantagem patrimonial indevida em detrimento da Administração Pública. Contudo, na petição de Agravo Regimental, o Subprocurador-Geral da República somente alegou violação a princípios, nos termos do art. 11 da LIA.
5. Ademais, deve-se notar, com base na petição de Recurso Especial, que o MPF não mais explorou o assunto relativo aos danos morais coletivos (matéria decidida em tópico próprio no acórdão recorrido).
6. Assim sendo, esses dois assuntos estão fora do alcance deste julgamento.
SÚMULA 83 DO STJ: NÃO INCIDÊNCIA NO CASO 7. O Exmo. Sr. Min. Relator, em brilhante voto, entendeu que o TRF da 1ª Região se posicionou de acordo com a orientação jurisprudencial do STJ. Por isso, invocou a Súmula 83 do STJ.
8. De fato, o Tribunal Regional Federal citou alguns julgados desta Corte Superior no acórdão hostilizado. Às fls. 762-764, houve, por exemplo, transcrição de ementas do STJ no sentido de que, para a caracterização do ato ímprobo, as condutas dos arts. 9º e 11 da LIA devem ser dolosas em sentido genérico; e, para a configuração das hipóteses do art. 10, há necessidade de, ao menos, culpa. Em abstrato, esse entendimento se afina com a linha jurisprudencial do STJ, a saber: a) AgRg no AREsp 533.862/MS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 20.11.2014, DJe 4.12.2014; b) AgRg no AREsp 532.421/PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 21.8.2014, DJe 28.8.2014; e c) AgRg no AREsp 560.613/ES, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 20.11.2014, DJe 9.12.2014.
9. Entretanto, o caso, para além de mera aplicação abstrata de julgados, demanda valoração sobre as premissas fáticas discutidas no acórdão recorrido para dali verificar a existência, ou não, do eventual dolo genérico. Ou seja, deve-se avaliar se concretamente a jurisprudência deste Tribunal Superior está sendo seguida.
REVALORAÇÃO DE PROVAS 10. Mesmo acompanhando a conclusão das instâncias ordinárias de que realmente o autor não construiu seu imóvel no lote destinado à sede da AGU, já que dois foram os "requerimentos", o que nem sequer pode ser revisto neste âmbito especial, sob pena de ofensa à Súmula 7 do STJ, nota-se haver ato ímprobo, uma vez que inequívoco o dolo genérico (vontade livre e consciente) de violar princípios da Administração Pública.
11. Houve ajuste informal (acordo verbal) de cessão/alienação de imóvel público para abrigar a construção da residência particular do recorrido. Não há sequer notícia de prévio Procedimento Administrativo. Existiu "autorização" de uso de bem público para construção de imóvel particular, mas sem obediência a qualquer formalidade legal. A parte, valendo-se do seu cargo e acesso à autoridade federal competente, obteve, em desrespeito às leis, ocupação gratuita de imóvel público por anos.
12. Deve-se ponderar, em acréscimo, que se tratava de agente público com formação na área jurídica (Procurador Seccional da AGU), a demonstrar que não ocorreu mero descuido, mas sim ato volitivo direcionado a burlar a lei e os princípios da impessoalidade/moralidade administrativa.
13. Hipótese de mera qualificação jurídica de fatos listados no acórdão recorrido. Possibilidade em Recurso Especial. Precedentes: a) EDcl no REsp 1.202.521/RS, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, julgado em 25.11.2014, DJe 12.12.2014; b) AgRg no REsp 1.434.027/PR, Rel. Ministra Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJ/SE), Sexta Turma, julgado em 20.5.2014, DJe 5.6.2014; c) REsp 1.362.456/MS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 20.6.2013, DJe 28.6.2013; e d) AgRg no AREsp 19.719/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe de 30.9.2011.
DOLO GENÉRICO DETECTÁVEL PRIMA FACIE 14. Como bem exposto pelos Membros do MPF que atuaram no feito, não há como constatar boa-fé no caso. É de sabença geral no meio jurídico que cessões/alienações de imóveis públicos são precedidas de formalidades legais e devem ocorrer com a mais absoluta objetividade, sem favorecimentos pessoais, como no caso. Por exemplo, a Lei 8.666/1993 estabelece uma série de requisitos para que exista alienação de bens públicos. No mesmo sentido, o Decreto-Lei 9.760/1946 dispõe sobre as providências a serem tomadas para que seja possível a ocupação de imóveis federais.
15. Também é de senso comum a máxima segundo a qual "um erro não justifica outro". O TRF da 1ª Região, mesmo reconhecendo o vício formal, entendeu, entre outros fundamentos, que o recorrido agiu de boa-fé, porque o Superintendente do Incra se portou da mesma forma em relação a outros servidores. Essa especificidade não pode afastar a qualificação do ato como ímprobo, sob pena de se estabelecer perigoso precedente no sentido de que ilícitos reiterados podem justificar atos sucessivamente equivocados.
16. Sob outro enfoque, a Lei 9.784/1999 (art. 22) é imperativa ao dispor que a regra é a forma escrita para a prática de atos administrativos processuais. O meio jurídico tem ciência de que qualquer ato final deve ser precedido do respectivo processo administrativo, o que se materializa na formalização dos respectivos autos.
17. A gritante desobediência ao sistema normativo, além do flagrante favorecimento a uma autoridade graduada naquela localidade, como é o advogado público, confere aos fatos listados no acórdão recorrido a qualificação jurídica de ímprobos. O dolo é inato à conduta no caso, uma vez que detectável prima facie. Os fatos, por si sós, evidenciam a presença do elemento subjetivo.
18. Ao contrário das conclusões a que chegou a Corte a quo, a informalidade, ao invés de ajudar o recorrido, reforça a vontade livre e consciente de agir em desacordo com a lei e com a impessoalidade.
19. É de se trazer a lume julgado deste Colegiado a propósito do tema ora discutido (violação deliberada a princípios da Administração Pública). A Segunda Turma teve a oportunidade, no julgamento do REsp 1.156.209/SP, em 19.8.2010, Rel. Min. Herman Benjamin, de estabelecer importante precedente no seguinte sentido: a) "É incontroverso o fato de que, em 1995, os recorridos procederam a irregular loteamento de imóvel particular - e por isso o município teve que pagar posteriormente o valor da indenização -, sem autorização dos órgãos públicos competentes, nem realização de infra-estrutura básica e outros requisitos exigidos pela Lei 6.766/1979, e permitiram a construção de casas populares para pessoas por eles selecionadas"; b) "Tal conduta não constitui mera irregularidade, mas traduz grave ofensa aos princípios que devem pautar a atuação de quem se dispõe a exercer o múnus público, sobretudo o da legalidade e o da impessoalidade"; e c) "É inegável que as questões sociais devem ser tratadas com primazia e que a função social da propriedade deve ser observada. Isso não autoriza, contudo, que o administrador aja a seu talante, à margem das normas legais e de políticas públicas previamente definidas e autorizadas".
20. Naquela situação, mesmo reconhecendo o benefício a cidadãos contemplados com casas populares, esta Segunda Turma concluiu que graves violações ao sistema normativo por parte de agentes públicos devem atrair a aplicação da Lei de Improbidade, uma vez que os fins nem sempre justificam os meios. Mesmo tratando de situação fática um pouco diversa, esse precedente serve de luz ao presente caso, porque a aplicação da Lei de Improbidade não pode ser mitigada diante de sérias e deliberadas violações a caros princípios, como os da legalidade e da impessoalidade.
PECULIARIDADES QUE AFASTAM A SÚMULA 7/STJ 21. Hipótese de incidência do art. 11 da Lei de Improbidade, porque o flagrante desrespeito à Lei 8.666/1993 e ao Decreto-Lei 9.760/1946, aliado à completa ausência de formalidades básicas, a demonstrar favorecimento pessoal, é capaz de, por si só, caracterizar o ato como ímprobo, por evidenciar o dolo genérico de violar princípios da Administração Pública. Apresenta-se grave a alteração da finalidade de uso do bem público sem observância dos requisitos legais, especialmente para atender interesses privados.
22. O caso concreto justifica o afastamento da Súmula 7/STJ.
Destacam-se os seguintes pontos: a) descrição ampla e minuciosa, no próprio acórdão recorrido dos fatos e provas colhidas, inclusive documental e testemunhal; b) condição específica do requerido (ex-Procurador Seccional da AGU), a transparecer, de forma cristalina, que é descabida a alegação de desconhecimento da ilicitude do ato (matéria rotineira nas suas atividades profissionais); e c) incompatibilidade frontal entre os elementos veiculados no acórdão recorrido e o afastamento do dolo genérico, uma vez que nem mesmo formalidades procedimentais básicas foram obedecidas.
CONCLUSÃO 23. Agravo Regimental provido.
(AgRg no AREsp 470.565/PA, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/03/2015, DJe 16/11/2015)
Ementa
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE.
CESSÃO DE IMÓVEL PÚBLICO SEM OBEDIÊNCIA A FORMALIDADES LEGAIS.
VIOLAÇÃO FRONTAL AO SISTEMA NORMATIVO. FAVORECIMENTO PESSOAL CARACTERIZADO. AFRONTA AO ART. 11 DA LEI 8.429/1992. ELEMENTO SUBJETIVO. DOLO EVIDENTE.
HISTÓRICO NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS 1. Trata-se de Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa proposta contra o ex-Procurador Seccional da União em Marabá. Segundo se tem na inicial, após assumir aquele cargo, o recorrido "solicitou" ao Superintendente do Incra a cessão de lote para instalação da sede da AGU naquela localidade. Sucede que, ao contrário de fazer edificação do bem público na área, o requerido construiu imóvel residencial para uso próprio.
2. O juiz de primeiro grau, acolhendo a versão do recorrido, entendeu que, na verdade, existiram duas solicitações de imóveis: uma formal (fls. 71 e ss.), de doação de lote direcionado à sede da AGU naquela Municipalidade; outra informal (verbal), específica para cessão de imóvel destinado à residência do recorrido. Com base nisso, concluiu que, embora houvesse conduta em dissonância com a lei, especialmente por parte do então Superintendente do Incra ao autorizar ocupação de bem público para fins particulares, o recorrido agira com boa-fé, porque era comum a prática de "doar" lotes a servidores públicos no local.
3. Em linhas gerais, pode-se dizer que o TRF da 1ª Região acolheu integralmente as conclusões do juízo monocrático. O e. Relator, Des.
Federal Olindo Menezes, proferiu brilhante voto, explicitando, de forma detalhada, os contornos fáticos da demanda.
PRECLUSÃO: ART. 9º DA LIA E DANOS MORAIS COLETIVOS 4. Antes de avançar em outros tópicos, importante registrar que a alegada violação do art. 9º, caput e inc. XII, da Lei de Improbidade está preclusa. Desde a inicial, o MPF sustentava que a conduta do recorrido importou obtenção de vantagem patrimonial indevida em detrimento da Administração Pública. Contudo, na petição de Agravo Regimental, o Subprocurador-Geral da República somente alegou violação a princípios, nos termos do art. 11 da LIA.
5. Ademais, deve-se notar, com base na petição de Recurso Especial, que o MPF não mais explorou o assunto relativo aos danos morais coletivos (matéria decidida em tópico próprio no acórdão recorrido).
6. Assim sendo, esses dois assuntos estão fora do alcance deste julgamento.
SÚMULA 83 DO STJ: NÃO INCIDÊNCIA NO CASO 7. O Exmo. Sr. Min. Relator, em brilhante voto, entendeu que o TRF da 1ª Região se posicionou de acordo com a orientação jurisprudencial do STJ. Por isso, invocou a Súmula 83 do STJ.
8. De fato, o Tribunal Regional Federal citou alguns julgados desta Corte Superior no acórdão hostilizado. Às fls. 762-764, houve, por exemplo, transcrição de ementas do STJ no sentido de que, para a caracterização do ato ímprobo, as condutas dos arts. 9º e 11 da LIA devem ser dolosas em sentido genérico; e, para a configuração das hipóteses do art. 10, há necessidade de, ao menos, culpa. Em abstrato, esse entendimento se afina com a linha jurisprudencial do STJ, a saber: a) AgRg no AREsp 533.862/MS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 20.11.2014, DJe 4.12.2014; b) AgRg no AREsp 532.421/PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 21.8.2014, DJe 28.8.2014; e c) AgRg no AREsp 560.613/ES, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 20.11.2014, DJe 9.12.2014.
9. Entretanto, o caso, para além de mera aplicação abstrata de julgados, demanda valoração sobre as premissas fáticas discutidas no acórdão recorrido para dali verificar a existência, ou não, do eventual dolo genérico. Ou seja, deve-se avaliar se concretamente a jurisprudência deste Tribunal Superior está sendo seguida.
REVALORAÇÃO DE PROVAS 10. Mesmo acompanhando a conclusão das instâncias ordinárias de que realmente o autor não construiu seu imóvel no lote destinado à sede da AGU, já que dois foram os "requerimentos", o que nem sequer pode ser revisto neste âmbito especial, sob pena de ofensa à Súmula 7 do STJ, nota-se haver ato ímprobo, uma vez que inequívoco o dolo genérico (vontade livre e consciente) de violar princípios da Administração Pública.
11. Houve ajuste informal (acordo verbal) de cessão/alienação de imóvel público para abrigar a construção da residência particular do recorrido. Não há sequer notícia de prévio Procedimento Administrativo. Existiu "autorização" de uso de bem público para construção de imóvel particular, mas sem obediência a qualquer formalidade legal. A parte, valendo-se do seu cargo e acesso à autoridade federal competente, obteve, em desrespeito às leis, ocupação gratuita de imóvel público por anos.
12. Deve-se ponderar, em acréscimo, que se tratava de agente público com formação na área jurídica (Procurador Seccional da AGU), a demonstrar que não ocorreu mero descuido, mas sim ato volitivo direcionado a burlar a lei e os princípios da impessoalidade/moralidade administrativa.
13. Hipótese de mera qualificação jurídica de fatos listados no acórdão recorrido. Possibilidade em Recurso Especial. Precedentes: a) EDcl no REsp 1.202.521/RS, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, julgado em 25.11.2014, DJe 12.12.2014; b) AgRg no REsp 1.434.027/PR, Rel. Ministra Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJ/SE), Sexta Turma, julgado em 20.5.2014, DJe 5.6.2014; c) REsp 1.362.456/MS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 20.6.2013, DJe 28.6.2013; e d) AgRg no AREsp 19.719/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe de 30.9.2011.
DOLO GENÉRICO DETECTÁVEL PRIMA FACIE 14. Como bem exposto pelos Membros do MPF que atuaram no feito, não há como constatar boa-fé no caso. É de sabença geral no meio jurídico que cessões/alienações de imóveis públicos são precedidas de formalidades legais e devem ocorrer com a mais absoluta objetividade, sem favorecimentos pessoais, como no caso. Por exemplo, a Lei 8.666/1993 estabelece uma série de requisitos para que exista alienação de bens públicos. No mesmo sentido, o Decreto-Lei 9.760/1946 dispõe sobre as providências a serem tomadas para que seja possível a ocupação de imóveis federais.
15. Também é de senso comum a máxima segundo a qual "um erro não justifica outro". O TRF da 1ª Região, mesmo reconhecendo o vício formal, entendeu, entre outros fundamentos, que o recorrido agiu de boa-fé, porque o Superintendente do Incra se portou da mesma forma em relação a outros servidores. Essa especificidade não pode afastar a qualificação do ato como ímprobo, sob pena de se estabelecer perigoso precedente no sentido de que ilícitos reiterados podem justificar atos sucessivamente equivocados.
16. Sob outro enfoque, a Lei 9.784/1999 (art. 22) é imperativa ao dispor que a regra é a forma escrita para a prática de atos administrativos processuais. O meio jurídico tem ciência de que qualquer ato final deve ser precedido do respectivo processo administrativo, o que se materializa na formalização dos respectivos autos.
17. A gritante desobediência ao sistema normativo, além do flagrante favorecimento a uma autoridade graduada naquela localidade, como é o advogado público, confere aos fatos listados no acórdão recorrido a qualificação jurídica de ímprobos. O dolo é inato à conduta no caso, uma vez que detectável prima facie. Os fatos, por si sós, evidenciam a presença do elemento subjetivo.
18. Ao contrário das conclusões a que chegou a Corte a quo, a informalidade, ao invés de ajudar o recorrido, reforça a vontade livre e consciente de agir em desacordo com a lei e com a impessoalidade.
19. É de se trazer a lume julgado deste Colegiado a propósito do tema ora discutido (violação deliberada a princípios da Administração Pública). A Segunda Turma teve a oportunidade, no julgamento do REsp 1.156.209/SP, em 19.8.2010, Rel. Min. Herman Benjamin, de estabelecer importante precedente no seguinte sentido: a) "É incontroverso o fato de que, em 1995, os recorridos procederam a irregular loteamento de imóvel particular - e por isso o município teve que pagar posteriormente o valor da indenização -, sem autorização dos órgãos públicos competentes, nem realização de infra-estrutura básica e outros requisitos exigidos pela Lei 6.766/1979, e permitiram a construção de casas populares para pessoas por eles selecionadas"; b) "Tal conduta não constitui mera irregularidade, mas traduz grave ofensa aos princípios que devem pautar a atuação de quem se dispõe a exercer o múnus público, sobretudo o da legalidade e o da impessoalidade"; e c) "É inegável que as questões sociais devem ser tratadas com primazia e que a função social da propriedade deve ser observada. Isso não autoriza, contudo, que o administrador aja a seu talante, à margem das normas legais e de políticas públicas previamente definidas e autorizadas".
20. Naquela situação, mesmo reconhecendo o benefício a cidadãos contemplados com casas populares, esta Segunda Turma concluiu que graves violações ao sistema normativo por parte de agentes públicos devem atrair a aplicação da Lei de Improbidade, uma vez que os fins nem sempre justificam os meios. Mesmo tratando de situação fática um pouco diversa, esse precedente serve de luz ao presente caso, porque a aplicação da Lei de Improbidade não pode ser mitigada diante de sérias e deliberadas violações a caros princípios, como os da legalidade e da impessoalidade.
PECULIARIDADES QUE AFASTAM A SÚMULA 7/STJ 21. Hipótese de incidência do art. 11 da Lei de Improbidade, porque o flagrante desrespeito à Lei 8.666/1993 e ao Decreto-Lei 9.760/1946, aliado à completa ausência de formalidades básicas, a demonstrar favorecimento pessoal, é capaz de, por si só, caracterizar o ato como ímprobo, por evidenciar o dolo genérico de violar princípios da Administração Pública. Apresenta-se grave a alteração da finalidade de uso do bem público sem observância dos requisitos legais, especialmente para atender interesses privados.
22. O caso concreto justifica o afastamento da Súmula 7/STJ.
Destacam-se os seguintes pontos: a) descrição ampla e minuciosa, no próprio acórdão recorrido dos fatos e provas colhidas, inclusive documental e testemunhal; b) condição específica do requerido (ex-Procurador Seccional da AGU), a transparecer, de forma cristalina, que é descabida a alegação de desconhecimento da ilicitude do ato (matéria rotineira nas suas atividades profissionais); e c) incompatibilidade frontal entre os elementos veiculados no acórdão recorrido e o afastamento do dolo genérico, uma vez que nem mesmo formalidades procedimentais básicas foram obedecidas.
CONCLUSÃO 23. Agravo Regimental provido.
(AgRg no AREsp 470.565/PA, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/03/2015, DJe 16/11/2015)Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA Turma do Superior
Tribunal de Justiça: "Prosseguindo-se no julgamento, após o
voto-vista do Sr. Ministro Herman Benjamin, divergindo do Sr.
Ministro-Relator, dando provimento ao agravo regimental, no que foi
acompanhado pelo Sr. Ministro Mauro Campbell Marques e pela Sra.
Ministra Assusete Magalhães e o voto do Sr. Ministro Og Fernandes,
acompanhando o Sr. Ministro Humberto Martins, negando-lhe
provimento, a Turma, por maioria, deu provimento ao agravo
regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Herman Benjamin, que
lavrará o acórdão. Vencidos os Srs. Ministros Humberto Martins e Og
Fernandes." Votaram com o Sr. Ministro Herman Benjamin o Sr.
Ministro Mauro Campbell Marques (Presidente) e a Sra. Ministra
Assusete Magalhães.
Data do Julgamento
:
10/03/2015
Data da Publicação
:
DJe 16/11/2015
Órgão Julgador
:
T2 - SEGUNDA TURMA
Relator(a)
:
Ministro HUMBERTO MARTINS (1130)
Relator a p acórdão
:
Ministro HERMAN BENJAMIN (1132)
Informações adicionais
:
(VOTO VENCIDO) (MIN. HUMBERTO MARTINS)
Não é possível o conhecimento do recurso especial na hipótese
em que o Tribunal a quo decidiu em conformidade com o entendimento
do STJ, no sentido de que, para a configuração do ato de improbidade
administrativa, nos termos do art. 11 da Lei 8.429/1992, é
imprescindível a presença do dolo na conduta do agente, ainda que
genérico. Isso porque não se pode confundir improbidade com simples
ilegalidade, uma vez que a improbidade é a ilegalidade tipificada e
qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente, o que
atrai, na espécie, o óbice previsto na Súmula 83 do STJ.
Referência legislativa
:
LEG:FED LEI:008429 ANO:1992***** LIA-92 LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ART:00011LEG:FED SUM:*********** SUM(STJ) SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SUM:000007 SUM:000083
Veja
:
(IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - CARACTERIZAÇÃO - ELEMENTO SUBJETIVO DOTIPO) STJ - AgRg no AREsp 533862-MS, AgRg no AREsp 532421-PE, AgRg no AREsp 560613-ES(LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - APLICAÇÃO - OFENSAAOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA IMPESSOALIDADE) STJ - REsp 1156209-SP(RECURSO ESPECIAL - REVALORAÇÃO PROBATÓRIA - POSSIBILIDADE) STJ - EDcl no REsp 1202521-RS, AgRg no REsp 1434027-PR, REsp 1362456-MS, AgRg no AREsp 19719-SP, REsp 1211952-RS(VOTO VENCIDO - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - OFENSA AOS PRINCÍPIOSDA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - FALTA DE CONFIGURAÇÃO DO DOLO) STJ - AgRg no REsp 1352541-MG
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