AgRg no HC 339782 / ESAGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS2015/0271907-2
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL.
ASSISTÊNCIA EM HABEAS CORPUS. INVIABILIDADE. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA.
MATERIALIDADE E ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. DEMONSTRAÇÃO SUFICIENTE NOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME PROFUNDO DA MATÉRIA EM HABEAS CORPUS. EXCLUDENTE DE ILICITUDE. ADVOGADO. PRERROGATIVAS. EXERCÍCIO LEGAL DE UM DIREITO. INVIABILIDADE. LIMITES. PENA. DOSIMETRIA.
ADEQUAÇÃO. COAÇÃO EM PARTE RECONHECIDA. ORDEM CONCEDIDA.
1. O habeas corpus representa instrumento processual de tutela de direito subjetivo público constitucional, consubstanciado no direito de ir e vir conferido a qualquer brasileiro ou estrangeiro que esteja em solo brasileiro, desfrutando, assim, de eminência ímpar e de premência em seu julgamento, incompatíveis com a intervenção de terceiros, em qualquer de suas modalidades, seja a favor ou contra o paciente, tanto que sequer previsto nas normas do Livro III, Título II, Capítulo X do Código de Processo Penal, que regulam o procedimento do mandamus.
2. Dispõe o art. 339 do Código Penal que incorre em denunciação caluniosa, crime previsto com pena de reclusão, de 2 a 8 anos, e multa, aquele que der "causa a instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente". Na lição de Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, vol. IX, Rio de Janeiro: Revista Forense, 1958. pp. 458-466), agora extensível às investigações de cunho administrativo, correicionais, e de caráter civil: [...] não é condição do crime a apresentação formal de denúncia ou queixa, bastando que se dê causa, mediante qualquer comunicação, por escrito ou oralmente, ainda que a simples investigação policial (mesmo que não revista o formalismo de inquérito policial propriamente dito).
3. Pratica, portanto, o crime de denunciação caluniosa pessoa, inclusive o advogado, que, tendo ciência da inocência da vítima, imputa a ela a prática de diversos crimes supostamente cometidos no decorrer de instrução criminal na qual não teve seus interesses e/ou de seus clientes atendidos, levando o caso a conhecimento dos órgãos de correição local e nacional, desprovido de mínimo lastro probatório.
4. As prerrogativas conferidas para o bom desempenho da nobre atividade da advocacia, embora tenham previsão constitucional e legal, encontram limites implícitos e explícitos no ordenamento jurídico, como a vedação ao abuso de direito, o respeito à honra objetiva e subjetiva, à dignidade, à liberdade de pensamento, à íntima convicção do Magistrado, à boa-fé subjetiva da parte ex adversa e à independência funcional do membro do Ministério Público que atua no caso.
5. É direito do advogado atuar em defesa de seu cliente e fazer uso de suas prerrogativas legais para tanto. Também é direito e dever do advogado lutar pela correta aplicação da lei e por um Poder Judiciário hígido, sem máculas, que confira aos jurisdicionados a confiança de serem submetidos ao devido processo legal se dele precisarem. Porém, assim como qualquer relação existente na sociedade, deve a atuação do advogado se cercar de decoro, ética, lealdade e boa-fé, para com todos os sujeitos processuais.
6. Não há impedimento a que, sem agravamento da situação penal do réu, o tribunal ao qual se devolveu o conhecimento da causa, por força de recurso (apelação ou recurso em sentido estrito) manejado tão somente pela defesa, possa emitir sua própria e mais apurada fundamentação sobre as questões jurídicas ampla e dialeticamente debatidas no juízo a quo, objeto da sentença impugnada no recurso.
7. Embora não se obste que o tribunal, para dizer o direito, exercendo, portanto, sua soberana função de juris dictio -, encontre motivação própria - respeitados os limites da pena imposta no juízo de origem, a extensão cognitiva da sentença impugnada e a imputação deduzida pelo órgão de acusação - deve, ao rechaçar duas das circunstâncias judiciais consideradas desfavoráveis à paciente, excluir a exasperação a elas correspondentes.
8. A culpabilidade, como medida de pena, nada mais é do que o maior ou menor grau de reprovabilidade da conduta, o que, in casu, ficou suficientemente demonstrado pela Corte capixaba, por meio de elementos concretos que, de fato, demonstram merecer a conduta da paciente uma maior reprovação pela valoração negativa dessa circunstância judicial. O mesmo se diga quanto às circunstâncias e consequências do crime, pois, embora expostas de forma sucinta pela juíza sentenciante, foram adequadamente ponderadas pelo Tribunal de origem para tornar a conduta da paciente ainda mais censurável e merecedora de reprovabilidade em maior extensão, não podendo, de fato, ser afastadas.
9. No tocante à motivação do crime, entretanto, deve ser tal circunstância extirpada da pena, pois não basta dizer, como o fez a magistrada de piso, que "os motivos foram desfavoráveis", sendo mister a demonstração da maior ou menor reprovação do móvel, do sentimento ou interesse que levou a sentenciada à ação delitiva. E, nesse aspecto, olvidaram-se as instâncias ordinárias de fazê-lo.
10. Agravo regimental conhecido e provido. Ordem concedida para, reconhecida a violação do art. 59 do Código Penal, reduzir a pena-base imposta à paciente pelo crime de denunciação caluniosa, tornando sua reprimenda definitiva, por esse crime, em 3 anos de reclusão, em regime semiaberto, mais o pagamento de 30 dias-multa, à razão mínima legal, devolvendo-se ao Juízo da Execução Penal a análise de eventual substituição da pena privativa de liberdade por restritiva (s) de direito.
(AgRg no HC 339.782/ES, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 03/05/2016, DJe 12/05/2016)
Ementa
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL.
ASSISTÊNCIA EM HABEAS CORPUS. INVIABILIDADE. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA.
MATERIALIDADE E ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. DEMONSTRAÇÃO SUFICIENTE NOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME PROFUNDO DA MATÉRIA EM HABEAS CORPUS. EXCLUDENTE DE ILICITUDE. ADVOGADO. PRERROGATIVAS. EXERCÍCIO LEGAL DE UM DIREITO. INVIABILIDADE. LIMITES. PENA. DOSIMETRIA.
ADEQUAÇÃO. COAÇÃO EM PARTE RECONHECIDA. ORDEM CONCEDIDA.
1. O habeas corpus representa instrumento processual de tutela de direito subjetivo público constitucional, consubstanciado no direito de ir e vir conferido a qualquer brasileiro ou estrangeiro que esteja em solo brasileiro, desfrutando, assim, de eminência ímpar e de premência em seu julgamento, incompatíveis com a intervenção de terceiros, em qualquer de suas modalidades, seja a favor ou contra o paciente, tanto que sequer previsto nas normas do Livro III, Título II, Capítulo X do Código de Processo Penal, que regulam o procedimento do mandamus.
2. Dispõe o art. 339 do Código Penal que incorre em denunciação caluniosa, crime previsto com pena de reclusão, de 2 a 8 anos, e multa, aquele que der "causa a instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente". Na lição de Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, vol. IX, Rio de Janeiro: Revista Forense, 1958. pp. 458-466), agora extensível às investigações de cunho administrativo, correicionais, e de caráter civil: [...] não é condição do crime a apresentação formal de denúncia ou queixa, bastando que se dê causa, mediante qualquer comunicação, por escrito ou oralmente, ainda que a simples investigação policial (mesmo que não revista o formalismo de inquérito policial propriamente dito).
3. Pratica, portanto, o crime de denunciação caluniosa pessoa, inclusive o advogado, que, tendo ciência da inocência da vítima, imputa a ela a prática de diversos crimes supostamente cometidos no decorrer de instrução criminal na qual não teve seus interesses e/ou de seus clientes atendidos, levando o caso a conhecimento dos órgãos de correição local e nacional, desprovido de mínimo lastro probatório.
4. As prerrogativas conferidas para o bom desempenho da nobre atividade da advocacia, embora tenham previsão constitucional e legal, encontram limites implícitos e explícitos no ordenamento jurídico, como a vedação ao abuso de direito, o respeito à honra objetiva e subjetiva, à dignidade, à liberdade de pensamento, à íntima convicção do Magistrado, à boa-fé subjetiva da parte ex adversa e à independência funcional do membro do Ministério Público que atua no caso.
5. É direito do advogado atuar em defesa de seu cliente e fazer uso de suas prerrogativas legais para tanto. Também é direito e dever do advogado lutar pela correta aplicação da lei e por um Poder Judiciário hígido, sem máculas, que confira aos jurisdicionados a confiança de serem submetidos ao devido processo legal se dele precisarem. Porém, assim como qualquer relação existente na sociedade, deve a atuação do advogado se cercar de decoro, ética, lealdade e boa-fé, para com todos os sujeitos processuais.
6. Não há impedimento a que, sem agravamento da situação penal do réu, o tribunal ao qual se devolveu o conhecimento da causa, por força de recurso (apelação ou recurso em sentido estrito) manejado tão somente pela defesa, possa emitir sua própria e mais apurada fundamentação sobre as questões jurídicas ampla e dialeticamente debatidas no juízo a quo, objeto da sentença impugnada no recurso.
7. Embora não se obste que o tribunal, para dizer o direito, exercendo, portanto, sua soberana função de juris dictio -, encontre motivação própria - respeitados os limites da pena imposta no juízo de origem, a extensão cognitiva da sentença impugnada e a imputação deduzida pelo órgão de acusação - deve, ao rechaçar duas das circunstâncias judiciais consideradas desfavoráveis à paciente, excluir a exasperação a elas correspondentes.
8. A culpabilidade, como medida de pena, nada mais é do que o maior ou menor grau de reprovabilidade da conduta, o que, in casu, ficou suficientemente demonstrado pela Corte capixaba, por meio de elementos concretos que, de fato, demonstram merecer a conduta da paciente uma maior reprovação pela valoração negativa dessa circunstância judicial. O mesmo se diga quanto às circunstâncias e consequências do crime, pois, embora expostas de forma sucinta pela juíza sentenciante, foram adequadamente ponderadas pelo Tribunal de origem para tornar a conduta da paciente ainda mais censurável e merecedora de reprovabilidade em maior extensão, não podendo, de fato, ser afastadas.
9. No tocante à motivação do crime, entretanto, deve ser tal circunstância extirpada da pena, pois não basta dizer, como o fez a magistrada de piso, que "os motivos foram desfavoráveis", sendo mister a demonstração da maior ou menor reprovação do móvel, do sentimento ou interesse que levou a sentenciada à ação delitiva. E, nesse aspecto, olvidaram-se as instâncias ordinárias de fazê-lo.
10. Agravo regimental conhecido e provido. Ordem concedida para, reconhecida a violação do art. 59 do Código Penal, reduzir a pena-base imposta à paciente pelo crime de denunciação caluniosa, tornando sua reprimenda definitiva, por esse crime, em 3 anos de reclusão, em regime semiaberto, mais o pagamento de 30 dias-multa, à razão mínima legal, devolvendo-se ao Juízo da Execução Penal a análise de eventual substituição da pena privativa de liberdade por restritiva (s) de direito.
(AgRg no HC 339.782/ES, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 03/05/2016, DJe 12/05/2016)Acórdão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Sexta Turma, por unanimidade, dar provimento
ao agravo regimental e conceder a ordem, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nefi Cordeiro, Antonio Saldanha
Palheiro, Maria Thereza de Assis Moura e Sebastião Reis Júnior
votaram com o Sr. Ministro Relator.
Data do Julgamento
:
03/05/2016
Data da Publicação
:
DJe 12/05/2016
Órgão Julgador
:
T6 - SEXTA TURMA
Relator(a)
:
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ (1158)
Informações adicionais
:
"[...] se a má-fé não se presume, com mais razão 'Para a
configuração do crime de denunciação caluniosa, é necessário que o
agente tenha certeza da inocência de quem está sendo acusado'".
"[...] 'No delito de denunciação caluniosa [...] deve o agente
atuar contra a própria convicção, intencionalmente e com
conhecimento de causa, sabendo que o denunciado é inocente. [...] .
Em relação à instauração de investigação ou processo judicial é que
basta a ocorrência do dolo eventual. Ademais, a denunciação
caluniosa exige que a imputação verse sobre fato definido como
crime'".
"Pesa contra a paciente a existência de três circunstâncias
judiciais: sua culpabilidade e as circunstâncias e as consequências
do crime.
O patamar utilizado pela juíza sentenciante deve ser mantido,
uma vez que está em consonância com aquele permitido por esta Corte
de Justiça - acréscimo de até 1/3 (1/6 da pena-base para cada
circunstância judicial desfavorável)[...] ".
Referência legislativa
:
LEG:FED LEI:008906 ANO:1994***** EOAB-94 ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL DE 1994 ART:00049LEG:FED DEL:002848 ANO:1940***** CP-40 CÓDIGO PENAL ART:00059 ART:00339
Veja
:
(HABEAS CORPUS - LITISCONSÓRCIO OU INTERVENÇÃO DE TERCEIROS) STF - HC 83170, HC 73912, PET-AGR 423 STJ - HC 292527-SP, HC 65017-BA(DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA - ELEMENTO SUBJETIVO - CERTEZA DA INOCÊNCIADE QUEM ESTÁ SENDO ACUSADO) STJ - RHC 63061-RS, RHC 43131-MT(DOSIMETRIA DA PENA - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS -FRAÇÃO DE AUMENTO DA PENA-BASE) STJ - HC 258254-RJ, HC 301232-SP
Mostrar discussão