APn 702 / APAÇÃO PENAL2011/0011824-7
PENAL E PROCESSO PENAL. RECEBIMENTO DE DENÚNCIA. PECULATO (ART. 312 DO CP), ORDENAÇÃO DE DESPESAS NÃO AUTORIZADAS EM LEI (ART. 359-D DO CP) E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA (ART. 288 DO CP). CHEQUES EMITIDOS PELA DIREÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS E SACADOS EM ESPÉCIE POR CONSELHEIROS E SERVIDORES OU UTILIZADOS PARA PAGAMENTOS INDEVIDOS. PAGAMENTOS DE VERBAS ILEGAIS A CONSELHEIROS E REEMBOLSO DE DESPESAS MÉDICAS INIDÔNEAS E PARA TRATAMENTOS ESTÉTICOS. CONCERTO DOS ENVOLVIDOS DE MODO COMISSIVO E OMISSIVO. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E MATERIALIDADE. PRESENTE A JUSTA CAUSA PARA ABERTURA DE AÇÃO PENAL.
1. A denúncia deve ser recebida quando o Ministério Público narra fatos subsumíveis aos tipos penais do peculato, da ordenação de despesas não autorizadas e da associação criminosa. Além disso, as condutas devem ser suficientemente individualizadas a fim permitir o pleno exercício do direito de defesa.
2. A descrição de conduta de conselheiro de tribunal de contas que, no exercício da presidência, em conjunto com servidores, saca e se apropria de vultosas quantias em espécie oriundas do próprio tribunal preenche o tipo do peculato-apropriação (art. 312, caput, 1a. parte, do CP).
3. Tipifica, em tese, o crime de peculato-desvio (art. 312, caput, 2a. parte do CP) utilizar-se do mesmo expediente para pagar ajuda de custo, estruturação de gabinete, segurança pessoal, despesas médicas e estéticas em proveito de conselheiros, passagens aéreas e verbas em favor de servidores inexistentes ou "fantasmas", entre outras despesas sem amparo legal.
4. A prática atribuída a conselheiros e membro do Ministério Público atuante no tribunal de contas que, de maneira comissiva ou omissiva, organizam-se para reforçar rubrica orçamentária genérica e dela subtrair quantias expressivas ou desviá-las sem destinação pública tem aptidão para caracterizar associação criminosa.
5. Ordenação de despesa não autorizada é, em princípio, crime meio para o peculato. Pelo princípio da consunção, ele é absorvido pelo peculato mais gravoso se o dolo é de assenhoramento de valores públicos. A certificação do elemento subjetivo - o dolo - exige, no entanto, o exaurimento da instrução criminal, sendo prematuro atestá-lo ou afastá-lo em fase de recebimento de denúncia.
6. Denúncia recebida integralmente.
(APn 702/AP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/06/2015, DJe 01/07/2015)
Ementa
PENAL E PROCESSO PENAL. RECEBIMENTO DE DENÚNCIA. PECULATO (ART. 312 DO CP), ORDENAÇÃO DE DESPESAS NÃO AUTORIZADAS EM LEI (ART. 359-D DO CP) E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA (ART. 288 DO CP). CHEQUES EMITIDOS PELA DIREÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS E SACADOS EM ESPÉCIE POR CONSELHEIROS E SERVIDORES OU UTILIZADOS PARA PAGAMENTOS INDEVIDOS. PAGAMENTOS DE VERBAS ILEGAIS A CONSELHEIROS E REEMBOLSO DE DESPESAS MÉDICAS INIDÔNEAS E PARA TRATAMENTOS ESTÉTICOS. CONCERTO DOS ENVOLVIDOS DE MODO COMISSIVO E OMISSIVO. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E MATERIALIDADE. PRESENTE A JUSTA CAUSA PARA ABERTURA DE AÇÃO PENAL.
1. A denúncia deve ser recebida quando o Ministério Público narra fatos subsumíveis aos tipos penais do peculato, da ordenação de despesas não autorizadas e da associação criminosa. Além disso, as condutas devem ser suficientemente individualizadas a fim permitir o pleno exercício do direito de defesa.
2. A descrição de conduta de conselheiro de tribunal de contas que, no exercício da presidência, em conjunto com servidores, saca e se apropria de vultosas quantias em espécie oriundas do próprio tribunal preenche o tipo do peculato-apropriação (art. 312, caput, 1a. parte, do CP).
3. Tipifica, em tese, o crime de peculato-desvio (art. 312, caput, 2a. parte do CP) utilizar-se do mesmo expediente para pagar ajuda de custo, estruturação de gabinete, segurança pessoal, despesas médicas e estéticas em proveito de conselheiros, passagens aéreas e verbas em favor de servidores inexistentes ou "fantasmas", entre outras despesas sem amparo legal.
4. A prática atribuída a conselheiros e membro do Ministério Público atuante no tribunal de contas que, de maneira comissiva ou omissiva, organizam-se para reforçar rubrica orçamentária genérica e dela subtrair quantias expressivas ou desviá-las sem destinação pública tem aptidão para caracterizar associação criminosa.
5. Ordenação de despesa não autorizada é, em princípio, crime meio para o peculato. Pelo princípio da consunção, ele é absorvido pelo peculato mais gravoso se o dolo é de assenhoramento de valores públicos. A certificação do elemento subjetivo - o dolo - exige, no entanto, o exaurimento da instrução criminal, sendo prematuro atestá-lo ou afastá-lo em fase de recebimento de denúncia.
6. Denúncia recebida integralmente.
(APn 702/AP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/06/2015, DJe 01/07/2015)Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as
acima indicadas, acordam os Ministros da CORTE ESPECIAL do Superior
Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento, após o
voto-vista do Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho rejeitando a
denúncia em relação a Nelci Coelho Vasques quanto ao delito de
peculato e em relação a Luiz Fernando Pinto Garcia com relação ao
crime de associação criminosa, no que foi acompanhado pelo Sr.
Ministro Raul Araújo, e os votos dos Srs. Ministros Jorge Mussi, Og
Fernandes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Benedito
Gonçalves, Felix Fischer e Laurita Vaz acompanhando o voto do Sr.
Ministro Relator, por unanimidade, rejeitar as preliminares e, no
mérito, por maioria, receber a denúncia integralmente em relação a
José Júlio de Miranda Coelho, Paulo Celso da Silva e Souza, Raquel
Capiberibe da Silva, Waldir Rodrigues Ribeiro, Nelci Coelho Vasques,
Amiraldo da Silva Favacho, Manoel Antônio Dias, Luiz Fernando Pinto
Garcia e Regildo Wanderley Salomão e, parcialmente, em relação a
Maria do Socorro Milhomem Monteiro quanto ao crime do art. 312 do
Código Penal e declarando extinta a punibilidade pela ocorrência da
prescrição quanto ao art. 288 do CP. E, por unanimidade, a Corte
Especial determinou o afastamento dos Conselheiros José Júlio de
Miranda Coelho, Amiraldo da Silva Favacho, Manoel Antônio Dias e
Regildo Wanderley Salomão até a decisão final do processo, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator.Quanto ao recebimento da
denúncia, os Srs. Ministros Humberto Martins, Maria Thereza de Assis
Moura, Herman Benjamin, Jorge Mussi, Og Fernandes, Luis Felipe
Salomão, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Felix Fischer e
Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Quanto ao afastamento dos Conselheiros de seus cargos, os Srs.
Ministros Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Napoleão
Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão,
Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Felix
Fischer e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Nancy Andrighi e
Herman Benjamin.
Data do Julgamento
:
03/06/2015
Data da Publicação
:
DJe 01/07/2015
Órgão Julgador
:
CE - CORTE ESPECIAL
Relator(a)
:
Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA (1123)
Notas
:
Processo referente à Operação Mãos Limpas.
Informações adicionais
:
Não se aplica o princípio da insignificância aos crimes contra
a Administração Pública. Isso porque a norma penal visa resguardar
não apenas a dimensão material, mas, principalmente, a moralidade
administrativa, insuscetível de valoração econômica.
"Quanto às excludentes de ilicitude ventiladas estrito
cumprimento de dever legal e exercício regular de direito,
obviamente que não se aplicam para o efeito de absolvição sumária ou
rejeição de denúncia, pois um funcionário público não tem de
obedecer a ordem manifestamente ilegal, tampouco estava nos limites
do estrito cumprimento de seu ofício, especialmente quando os
saques, em constatação prima facie, não tinham destinação pública.
Qualquer diretor financeiro, especialmente de um tribunal de
contas, tem consciência de que uma contabilidade pública não faz
saques em espécie, sem destinação certa, entre outros abusos
cometidos, em tese, na gestão daquela Corte de Contas".
"A questão aqui é saber se é possível inferir que a prática
descrita se subsume autonomamente ao tipo do art. 359-D do CP ou se
esse é um crime meio para o do art. 312 do CP. Isso porque, para o
cometimento do peculato, necessariamente se ordena uma despesa sem
autorização. O tipo do art. 359-D do CP tem por objeto jurídico, no
entanto, a correção e lisura da execução orçamentária e idoneidade
das finanças públicas. Mas a finalidade da conduta, ao que parece,
era mais aguda, no sentido de desviar e embolsar a verba daquele
Tribunal de Contas.
Portanto,se a despesa é determinada irregularmente sem
apropriação ou desvio da verba, comete-se o crime do art. 359-D. Se,
além da ordenação desautorizada, houver a dita apropriação ou desvio
do dinheiro público, está-se diante de um peculato clássico.
Portanto, é no dolo que se percebe o possível conflito
aparente de normas e a eventual aplicação do princípio da
consunção".
Há necessidade de afastamento cautelar das funções de
conselheiro até a decisão final, conforme o disposto no art. 29 da
Lei Complementar n. 35/1977 LOMAN, que se aplica aos conselheiros
dos tribunais de contas, e no art. 319, VI, do CPP, como medida de
garantia da ordem pública.
Referência legislativa
:
LEG:FED DEL:002848 ANO:1940***** CP-40 CÓDIGO PENAL ART:00288 ART:00312 ART:0359DLEG:FED DEL:003689 ANO:1941***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ART:00041 ART:00399 INC:00006LEG:FED LCP:000035 ANO:1979***** LOMAN-79 LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL ART:00029LEG:FED LEI:012850 ANO:2013
Veja
:
(CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - PRINCÍPIO DAINSIGNIFICÂNCIA) STJ - AgRg no AREsp 614524-MG
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