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Jurisprudência


APn 841 / DFAÇÃO PENAL2015/0240645-1

Ementa
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. VENDA DE LIMINARES EM PLANTÕES JUDICIAIS. CONEXÃO INTERSUBJETIVA E INSTRUMENTAL/PROBATÓRIA. JUSTA CAUSA. PRESENÇA DE ELEMENTOS SATISFATÓRIOS AO DESENCADEAMENTO DA AÇÃO CRIMINAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PEÇA QUE ATENDE ÀS PRESCRIÇÕES DO ARTIGO 41 DO CPP. OFERECIMENTO E SOLICITAÇÃO DE VANTAGENS CONFIRMADAS POR MENSAGENS DE TEXTO TROCADAS ENTRE OS ACUSADOS E CONFIRMADAS PELA EFETIVA CONCRETIZAÇÃO DAS LIMINARES PROMETIDAS, TODAS POSTERIORMENTE CASSADAS PELAS RESPECTIVAS TURMAS. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. AUSÊNCIA DE ELO ESTÁVEL E PERMANENTE A JUSTIFICAR O RECEBIMENTO DA ACUSAÇÃO, NO TÓPICO. DENÚNCIA PARCIALMENTE RECEBIDA. MEDIDA CAUTELAR DIVERSA DE PRISÃO. SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO PÚBLICA. ART. 319, INCISO IV, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DESEMBARGADOR. ART. 29 DA LEI COMPLEMENTAR 35/1979. FATOS 1. Desembargador do Tribunal de Justiça do Ceará a quem se imputa a venda de, pelo menos, cinco liminares identificadas a presos provisórios e condenados, em cinco processos distintos. Tratativas prévias estabelecidas entre o filho do magistrado e advogados. Intermediador que anunciava abertamente as datas dos plantões do pai como oportunidades imperdíveis, ajustava o preço da decisão, solicitava que os adquirentes dos serviços antecipassem as petições e entregava o resultado prometido, o que culminou com a indevida soltura de detentos. Advogados que se dispuseram a adquirir o resultado, por vezes solicitando que outros assinassem as petições, como forma de resguardo. COMPETÊNCIA DO STJ E CONEXÃO 2. Não se pode reconhecer a corrupção passiva praticada por uns sem que se reconheça a ação dos demais, de corromperem ativamente. Cuida-se de inafastável conexão objetiva-subjetiva e instrumental/probatória. O concerto prévio entre os agentes e a pluralidade de infrações por eles cometidas criam um liame que exige a unidade de processo e julgamento. Assim, todos os fatos devem ser apreciados num simultaneus processus, pouco importando que alguns dos acusados não detenham prerrogativa de foro. As duas modalidades de conexão constatadas impõem o processamento conjunto, ao menos neste momento. JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL 3. No exame das condições da ação e/ou da justa causa para o exercício da ação criminal, não se mostra imprescindível a obtenção de um juízo de certeza acerca da autoria e da materialidade delitivas, indispensável, apenas, em caso de eventual julgamento do mérito. Neste momento processual, cabe exclusivamente indagar sobre a plausibilidade da pretensão acusatória, aqui satisfatoriamente demonstrada. AFIRMADA INÉPCIA DA DENÚNCIA 4. Segundo entendimento jurisprudencial consolidado, a alegação de eventual inépcia só pode ser acolhida quando demonstrada inequívoca deficiência da peça acusatória, a impedir a compreensão da acusação que se imputa, em flagrante prejuízo à defesa, ou na ocorrência de qualquer das situações apontadas no artigo 395 do CPP. No caso em exame, a denúncia demonstrou com perfeita acuidade o fato indigitado aos acusados, não se demitindo de descrever de modo acendrado e compreensível a conduta e a forma de agir dos supostos autores dos fatos. Também indicou o tempo e o resultado material do crime, de modo a atender às prescrições do artigo 41 do CPP. PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA 5. Há elementos que, ao menos em juízo de cognição superficial, autorizam o recebimento da denúncia. Depois de afastamento de sigilo de dados, somando-se aos elementos amealhados em medida cautelar de busca e apreensão judicialmente autorizada e ao exame dos processos nos quais o magistrado denunciado atuou, desponta a presença de elementos que comprovam a existência dos fatos e indícios razoáveis de autoria. DESNECESSIDADE DE ATUAÇÃO DIRETA PARA A CARACTERIZAÇÃO DO TIPO - CRIME QUE SE PERFECTIBILIZA MESMO QUANDO COMETIDO POR INTERPOSTA PESSOA 6. O fato de o magistrado não ter mantido contato direto com os beneficiados ou com os advogados não afasta a sua eventual responsabilidade, tal como sustenta, diante da convergência de elementos que apontam de modo seguro para a inadequação das liminares concedidas e para a solicitação de vantagem pecuniária por seu filho. A formação do juízo de certeza é reservado ao final da instrução, depois da ampla produção probatória. 7. Não desautoriza o recebimento da denúncia oferecida contra dois acusados a circunstância de não haverem subscrito peça processual. A prova colhida indica que participaram das tratativas características de corrupção passiva, não obstante a petição tenha sido firmada por terceiro. FORMAÇÃO DE QUADRILHA - AUSÊNCIA DE ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA 8. Conquanto incontroverso o liame de amizade entre os envolvidos e a adesão à comunidade criada em aplicativo eletrônico no qual as tratativas criminosas eram entabuladas, não se pode dizer ter havido formação de quadrilha ou associação criminosa. A bem da verdade, ali eram disponibilizados os serviços do magistrado a quem tivesse interesse em adquiri-los e era onde o filho do julgador jactava-se do lucro e dos resultados auferidos, organizando comemorações pós-plantões. Não há notícia de repartição do produto do crime entre os demais e nem mesmo de que o grupo almejasse, como um todo, vender decisões judiciais. A simples relação de amizade e de cumplicidade dos asseclas para com os crimes supostamemte praticados pelo magistrado e por seu filho, com aquisições de seus serviços de forma isolada, não é o suficiente para caracterizar a reunião estável e permanente que tipifica a formação de quadrilha. Dessa forma, a mera participação em grupo criado em aplicativo no qual eram oferecidos crimes, sem um vínculo estável e permanente que os unisse na trama criminosa, mas cujo único ponto de convergência era serem todos clientes de um mesmo intermediador, não é o que basta para a configuração do crime de formação de quadrilha. Há notícia, é verdade, da reunião de mais de três pessoas para a prática de um desses crimes - HC 0003003-67.2013.8.08.0000. Trata-se, todavia, de união de vontades para a prática desse único delito, que desautoriza a incidência do tipo do artigo 288 do Código Penal. MEDIDA CAUTELAR DE AFASTAMENTO DA FUNÇÃO PÚBLICA 9. Há uma quantidade destacada de ocorrências que apontam de forma bastante segura para o comércio de decisões judiciais do Tribunal de Justiça e de Juízos da Capital do Ceará, diretamente relacionadas aos plantões do magistrado denunciado. Existe vasto conjunto de provas, largamente esquadrinhado nas decisões que motivaram o afastamento dos sigilos e as buscas e apreensões, tais como transcrições de troca de mensagens de texto e de diálogos entre integrantes do esquema. É inviável a manutenção no cargo de quem dele se valeu para obter vantagem econômica, libertando presos de elevada periculosidade - um deles envolvido no furto ao Banco Central em Fortaleza. Afastamento que atende, primeiramente, à necessidade de resguardo da ordem pública, seriamente comprometida pelo agir escuso dos dois investigados. 10. Medida Cautelar que serve à necessidade de estancar a ação do magistrado. Indispensabilidade da providência como forma de permitir o bom andamento do processo criminal e das apurações administrativas que dela decorrerão. É desnecessário encarecer que para a cristalina coleta da prova nada recomenda e, ante de tudo, indica que esteja ele suspenso do exercício do cargo. Instrução criminal que demandará inquirição de testemunhas - partes que tiveram ou terão seus processos ainda definitivamente julgados. Inviabilidade de que a instrução se desenvolva de forma isenta com o agente no desempenho do cargo. Afastamento que se impõe, nos mesmos moldes do procedido na Ação Penal 825/DF, até o julgamento final da causa. 11. Denúncia parcialmente recebida. (APn 841/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/03/2017, DJe 28/03/2017)
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça: "A Corte Especial, por unanimidade rejeitou a preliminar de desmembramento do feito e recebeu, parcialmente, a denúncia por corrupção passiva em relação a Carlos Rodrigues Feitosa e Fernando Carlos Oliveira Feitosa e por corrupção ativa em relação aos demais denunciados; rejeitou a denúncia quanto ao crime de formação de quadrilha e manteve o afastamento do Desembargador Carlos Rodrigues Feitosa de seu cargo, até o julgamento final, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Francisco Falcão, Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha, Humberto Martins e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Felix Fischer. Sustentaram oralmente o Dr. Wagner Natal Batista, Subprocurador-Geral da República, o Dr. Rodrigo de Farias Teixeira, pelos réus Carlos Rodrigues Feitosa e Fernando Carlos Oliveira Feitosa, o Dr. João Marcelo Lima Pedrosa, pelo réu Mauro Junior Rios Barbosa, e o Dr. Oseas de Souza Rodrigues Filho, pelo réu Paulo Diego da Silva Araújo."

Data do Julgamento : 15/03/2017
Data da Publicação : DJe 28/03/2017
Órgão Julgador : CE - CORTE ESPECIAL
Relator(a) : Ministro HERMAN BENJAMIN (1132)
Referência legislativa : LEG:FED DEL:003689 ANO:1941***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ART:00041 ART:00076 ART:00319 INC:00006 ART:00395
Veja : (DENÚNCIA - INÉPCIA - INOCORRÊNCIA - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À DEFESA) STJ - HC 52949-SP, REsp 623519-PR, HC 173212-SP(MEMBRO DO PODER JUDICIÁRIO - CRIME - AFASTAMENTO DO CARGO) STJ - Inq 1088-DF, Inq 558-GO
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