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Jurisprudência


CC 146983 / RJCONFLITO DE COMPETENCIA2016/0147383-6

Ementa
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL X JUSTIÇA ESTADUAL. INQUÉRITO POLICIAL. COMENTÁRIOS EM TESE DISCRIMINATÓRIOS DO POVO NORDESTINO EMITIDOS POR ESCRITOR/COLUNISTA EM PROGRAMA DE TV A CABO. ART. 20 DA LEI 7.716/89. DÚVIDA SOBRE A TIPICIDADE DA CONDUTA. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO DURANTE O EXAME DE CONFLITO DE COMPETÊNCIA EM SITUAÇÃO DE EXCEPCIONALIDADE. CASO CONCRETO EM QUE O TRANCAMENTO DAS INVESTIGAÇÕES NESTA INSTÂNCIA SE REVELARIA PREMATURO. OFENSA A COLETIVIDADE E RESULTADO TRANSNACIONAL DA CONDUTA EVIDENCIADOS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. COMPETÊNCIA TERRITORIAL FIXADA PELA PREVENÇÃO. 1. Tendo em mente a natureza e a finalidade do conflito de competência, a discussão sobre a tipicidade do delito investigado ou sobre o mérito da questão discutida no feito em que suscitado o conflito somente é possível em caráter excepcional, quando se revela como prejudicial necessária ao estabelecimento da competência para o julgamento do processo, ou quando se vislumbra a possibilidade, também excepcional, de concessão de habeas corpus de ofício diante de nítido constrangimento ilegal. 2. Entretanto, a concessão do habeas corpus de ofício durante o exame de conflito de competência deve ser feita cum grano salis, diante da proibição de supressão de instância, que tem em mente não só a valorização da atividade judicante de cada uma das instâncias como também o objetivo de resguardar a atividade revisional típica do segundo grau e a função uniformizadora do entendimento da lei federal e da Constituição, característica das instâncias superiores, de modo que cada instância possa se ater à sua tarefa precípua. 3. Situação em que conhecido colunista, num contexto em que comentava a vitória do Partido dos Trabalhadores, nas eleições presidenciais de 2014, qualificou o povo nordestino, que teria votado maciçamente no mencionado partido, de retrógrado, governista, bovino, subalterno em relação ao poder, atrasado, pouco educado e repressor da imprensa. 4. Ainda que a "discriminação étnico-racial", tal como definida no art. 1º, parágrafo único, I, Lei 12.288/2010, somente seja punível na medida em que tenha por objetivo ou efeito "anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada", a conduta descrita no art. 20, caput e § 2º, da Lei 7.716/89 pune, também, a prática, indução ou incitação de "preconceito", cuja caracterização não é expressamente delimitada na lei. 5. Com tudo isso em mente, revela-se desaconselhável a concessão de habeas corpus de ofício no caso concreto, seja porque as investigações ainda estão em estágio muito incipiente, sem que tenha sido ouvido o investigado de ordem a melhor se poder discernir o seu animus ao tecer comentários sobre os nordestinos, seja diante da desnecessária supressão de instância, seja diante dos vários precedentes da Terceira Seção do STJ, que, em situações análogas, não reconheceram, de plano, a atipicidade da conduta (discriminação ou preconceito) e resolveram apenas o Conflito de Competência suscitado. A título exemplificativo: CC 150.564/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/04/2017, DJe 02/05/2017; CC 145.938/RO, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/04/2016, DJe 04/05/2016; AgRg no AREsp 381.205/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 12/08/2014, DJe 21/08/2014. 6. Sobre o tema da tipicidade penal e da possibilidade de seu afastamento em sede de habeas corpus, o chamado realismo jurídico, destacado, a título exemplificativo, por Oliver Wendell Holmes, Karl Liewelyn, Jerome Frank e Felix Cohen, não permite o esquecimento, de plano, da diretriz jurisprudencial contida nos julgamentos do HC 388.051/RJ, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 25/04/2017, DJe 04/05/2017 e do HC 143.147/BA, Rel. Ministro ERICSON MARANHO - DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP -, SEXTA TURMA, julgado em 17/03/2016, DJe 31/03/2016, bem como de célebre caso que tramitou no Supremo Tribunal Federal (HC 82424, Relator(a) p/ Acórdão: Ministro MAURÍCIO CORRÊA, TRIBUNAL PLENO, julgado em 17/09/2003, DJ 19-03-2004 PP-00017 EMENT VOL-02144-03 PP-00524). 7. Esta Corte, interpretando o disposto no art. 109, V, da CF, tem entendido, como regra geral, ser competência da Justiça Federal o julgamento de infrações penais que apresentem fortes indícios de internacionalidade da conduta e/ou de seus resultados e que estejam previstas em tratado ou convenção internacional, como é caso do racismo, previsto na Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, da qual o Brasil é signatário. 8. Evidenciado que as palavras do investigado atingiram uma coletividade e que o programa foi assistido por telespectadores dentro e fora do país, produzindo resultados transnacionais, revela-se indiscutível a competência da Justiça Federal para conduzir a investigação. Precedentes. 9. Desconhecido o local da infração, posto que a opinião supostamente preconceituosa foi manifestada em programa de televisão de canal fechado cujo local de gravação é incerto, e desconhecido o local de domicílio do réu, deve ser fixada a competência territorial com base na regra da prevenção (do § 2º do art. 72 do CPP), sendo admissível a declaração da competência de um terceiro juízo que não figure no conflito de competência. 10. Conflito conhecido, para declarar a competência de um terceiro Juízo, o Juízo Federal da 13ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco, para a condução e julgamento do Procedimento Investigatório. (CC 146.983/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Rel. p/ Acórdão Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/05/2017, DJe 29/06/2017)
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, retomado o julgamento, após o voto-vista antecipado divergente do Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, conhecendo do conflito para declarar a competência de um terceiro Juízo, o Juízo Federal da 13ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco, no que foi acompanhado pela da Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura e pelos Srs. Ministros Rogerio Schietti Cruz, Antonio Saldanha Palheiro e Sebastião Reis Júnior (Presidente da Terceira Seção, em voto desempate), e os votos dos Srs. Ministros Jorge Mussi e Ribeiro Dantas não conhecendo do conflito de competência e concedendo a ordem de habeas corpus de ofício para determinar o trancamento das investigações, a Terceira Seção, por maioria, conhecer do conflito para declarar a competência de um terceiro Juízo, o Juízo Federal da 13ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco, nos termos do voto do Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que lavrará o acórdão. Vencidos os Srs. Ministros Felix Fischer (Relator), Jorge Mussi, Nefi Cordeiro e Ribeiro Dantas, que não conheciam do conflito de competência e concediam a ordem de habeas corpus de ofício para determinar o trancamento das investigações. Votaram com o Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca (Relator para acórdão) a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura e os Srs. Ministros Rogerio Schietti Cruz, Antonio Saldanha Palheiro e Sebastião Reis Júnior (Presidente da Terceira Seção, em voto desempate). Votaram vencidos os Srs. Ministros Felix Fischer (Relator), Jorge Mussi, Nefi Cordeiro e Ribeiro Dantas. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Joel Ilan Paciornik. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior.

Data do Julgamento : 24/05/2017
Data da Publicação : DJe 29/06/2017
Órgão Julgador : S3 - TERCEIRA SEÇÃO
Relator(a) : Ministro FELIX FISCHER (1109)
Relator(a) p/ acórdão : Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA (1170)
Relator a p acórdão : Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA (1170)
Informações adicionais : (VOTO VENCIDO) (MIN. FELIX FISCHER) "[...] entendo que a infeliz colocação do mencionado investigado não possui condão de 'anular ou restringir' direitos de quaisquer pessoas, de forma que suas palavras não merecem apuração no âmbito criminal".
Referência legislativa : LEG:FED DEL:003689 ANO:1941***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ART:00072 PAR:00002LEG:FED CFB:****** ANO:1988***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ART:00109 INC:00005LEG:FED LEI:007716 ANO:1989 ART:00020 PAR:00002LEG:FED LEI:012288 ANO:2010 ART:00001 PAR:ÚNICO INC:00001
Veja : (HABEAS CORPUS - CONCESSÃO EM SEDE DE CONFLITO DE COMPETÊNCIA -SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA) STJ - CC 137045-SP(PROCESSUAL PENAL - COMPETÊNCIA - TIPICIDADE DA CONDUTA) STJ - CC 150564-MG, CC 145938-RO(HABEAS CORPUS - TIPICIDADE PENAL - AFASTAMENTO) STJ - HC 388051-RJ, HC 143147-BA, AgRg no AREsp 381205-RS STF - HC 82424-RS(CONFLITO DE COMPETÊNCIA - JUSTIÇA FEDERAL - DELITO PREVISTO EMTRATADO OU CONVENÇÃO INTERNACIONAL - INTERNACIONALIDADE DA CONDUTA) STJ - CC 144072-PR(CONFLITO DE COMPETÊNCIA - DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA DE TERCEIROJUÍZO) STJ - CC 89387-MT, CC 136257-PR, CC 120556-CE(VOTO VENCIDO - HABEAS CORPUS - POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO EM SEDEDE CONFLITO DE COMPETÊNCIA) STJ - CC 100852-RS, CC 103258-MG, CC 104729-SP, CC 20312-MG
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