EDcl no AgRg no AREsp 150035 / DFEMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL2012/0059472-2
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL DECIDIDO MONOCRATICAMENTE.
EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. CRÉDITO-PRÊMIO DE IPI. EXCESSO DE EXECUÇÃO VINCULADO À LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO.
QUESTÕES COMPLEXAS E DE ACENTUADA REPERCUSSÃO ECONÔMICA. ADOÇÃO DE PREMISSA EQUIVOCADA. CABIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PARA FINS DE CORREÇÃO.
HISTÓRICO DO LITÍGIO 1. Trata-se de Execução de Sentença que condenou a União a promover o ressarcimento de crédito-prêmio de IPI relativo às operações de exportação realizadas de 1º.4.1981 a 30.4.1985. A Execução foi distribuída em 16.9.2008 com o valor originário de R$ 438.507.155,81 (quatrocentos e trinta e oito milhões, quinhentos e sete mil, cento e cinquenta e cinco reais e oitenta e um centavos) - quantia que, segundo memorial apresentado pelo ente público, beira, em novembro de 2014, a astronômica cifra de 4 bilhões de reais, sendo que a Fazenda alega serem devidos aproximadamente R$10.000.000,00 (dez milhões de reais), correspondentes, em novembro/2014, ao montante de R$ 62.132.528,20 (sessenta e dois milhões, cento e trinta e dois mil, quinhentos e vinte e oito reais e vinte centavos).
2. Após o julgamento do REsp 1.164.874/DF (interposto pela Dover Ind. e Com. S/A), de relatoria da e. Ministra Eliana Calmon, no qual foi reconhecida a violação do art. 535 do CPC, os autos foram devolvidos ao Tribunal de origem para que se suprisse a omissão, consistente na ausência de descrição das questões de ordem pública que justificaram a anulação da sentença do juízo de primeiro grau, proferida nos Embargos à Execução de Sentença ajuizados pela Fazenda Nacional.
3. Após novo julgamento dos aclaratórios, a empresa Dover interpôs este Recurso Especial. Diverge em relação às alegações da Fazenda Nacional, atinentes ao excesso de execução, apresentadas depois da impugnação da empresa aos Embargos à Execução ajuizados pelo ente público. Afirma que constituem indevida modificação do pedido e ofendem o instituto da preclusão, enquanto o ente público aduz que a matéria veiculada é de ordem pública e, assim, poderia ser enfrentada de ofício pelo órgão julgador da Corte local.
4. No presente momento, em Embargos de Declaração, a Fazenda Nacional afirma que o acórdão do Agravo Regimental, da lavra do eminente Relator, Ministro Humberto Martins, está amparado em premissa equivocada e contém omissão, ao reformar decisão monocrática anterior favorável ao ente público e dar provimento ao Recurso Especial da Dover para considerar inadmissível o acréscimo de argumentos tendentes a demonstrar o excesso de execução, não mencionados na petição inicial dos Embargos à Execução de Sentença.
ILIQUIDEZ DO TÍTULO JUDICIAL EXECUTIVO 5. A sentença, no processo de conhecimento originário, foi proferida nos seguintes termos (fl.
1736, e-STJ): "julgo procedente a Ação para condenar a Ré a restituir à Autora o total do crédito-prêmio do IPI, referente ao período de suspensão, acrescido de correção monetária a partir da vigência da Lei nº 6.899/81, após a conversão dos valores da moeda estrangeira em moeda nacional, levando-se em conta os valores da época em que o crédito-prêmio deveria ter sido reconhecido à Autora, acrescido também de juros de mora no percentual de meio por cento ao mês, na forma do art. 1.062, do Código Civil, e contados a partir da citação. O ressarcimento do crédito-prêmio do IPI é devido no período de 01.04.81 a 30.04.85, nos termos do pedido. Condeno também a Ré a restituir as custas antecipadas pela Autora e a pagar a verba honorária, que arbitro em 10% sobre o valor da condenação".
6. No Tribunal Regional Federal da 1ª Região, houve reforma parcial da sentença, fixando-se em definitivo os termos do título executivo judicial (fl. 1742, e-STJ): "Correção cambial. Os créditos devem ser convertidos em moeda nacional, na data em que o incentivo deveria ter sido creditado, e, a partir daí, corrigido monetariamente pelos índices oficiais. Juros de mora. Os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês, sobre o principal corrigido, contados do trânsito em julgado da sentença. Verba honorária. Tratando-se de ações em que o trabalho do advogado se resume a reproduzir as petições já formuladas em causas similares; em que não há instrução, a verba honorária não deve ultrapassar a 5% sobre o valor da condenação".
7. Constata-se, portanto, que não foi fixado o quantum debeatur, o que evidencia que a definição da base de cálculo (ou seja, o montante relativo ao crédito-prêmio do IPI) depende de liquidação.
QUESTÃO CONTROVERTIDA EXCLUSIVAMENTE DE DIREITO 8. A questão suscitada é estritamente jurídica: pode a parte executada alegar, no curso dos Embargos à Execução de Título Judicial, "fundamentos complementares" aos da respectiva petição inicial, sem que isso represente inovação ou ampliação do pedido? 9. Correta a solução conferida no acórdão recorrido (fl. 2153, e-STJ): "Se a ação de embargos do devedor foi intentada a tempo e modo, as alegações posteriores, por se tratar de questões de ordem pública, porque atinentes à exata liquidação do título, repita-se, são meros fundamentos aos quais deveria o juízo responder especificamente".
PRELIMINAR ILEGALIDADE E INCONSTITUCIONALIDADE DO JULGAMENTO MONOCRÁTICO DE QUESTÃO COMPLEXA E NÃO PACIFICADA NO STJ 10. Em processos dessa complexidade jurídica e repercussão econômica, a prudência, os princípios do contraditório, da ampla defesa e do due process, assegurados na Constituição, e os próprios limites formais estabelecidos em lei para as decisões monocráticas impõem o julgamento colegiado do Recurso Especial (arts. 5°, LIV e LV, da CF/1988).
11. O sistema processual prioriza o julgamento colegiado em controvérsias de grande relevância. Exemplo disso é o CPC, que, ao disciplinar o regime dos recursos repetitivos, não permite que o Recurso Especial selecionado para os fins do art. 543-C seja decidido monocraticamente, ainda que exista jurisprudência pacífica no Tribunal (art. 543-C, §§ 2° e 6°, do CPC), pois há expressa determinação de que o "processo será incluído em pauta na seção ou na Corte Especial".
12. Se o recurso não for manifestamente inadmissível, improcedente ou prejudicado, fica afastada a autorização concedida pelo art. 557 do CPC. Por conseguinte, correto seria propiciar às partes a realização de sustentação oral no Recurso Especial, conforme a regra do art. 158 do RISTJ: "Desejando proferir sustentação oral, poderão os advogados requerer que na sessão imediata seja o feito julgado prioritariamente, sem prejuízo das preferências legais".
13. Não é recomendável que a autoridade judicial confira solução monocrática ao Recurso Especial, com base no art. 557 do CPC, por entender aplicável óbice sumular (in casu, Súmula 7/STJ) e depois, ao verificar erro de julgamento, aprecie imediatamente o mérito da pretensão recursal, em sentido completamente oposto à parte que até então obtinha êxito, submetendo o feito ao órgão colegiado, em expediente que veda aos litigantes a amplitude constitucional de acesso e oportunidade para influir no julgamento.
14. In casu, constata-se que o objeto litigioso diz respeito à existência de vício relacionado à própria liquidação do título executivo judicial, que estaria em desconformidade com a decisão transitada em julgado. A especificidade do caso concreto impede que o tema controvertido seja considerado de fácil solução, mediante aplicação das únicas hipóteses que ensejariam o julgamento monocrático, com base no art. 557 do CPC: a) entendimento sumulado ou b) jurisprudência pacificada.
15. Muito ao contrário, o que o eminente Relator Humberto Martins decidiu, na forma que decidiu, refere-se à questão em que divergem os precedentes do STJ: se a alegação de excesso de execução constitui simples matéria de defesa ou qualifica-se como questão de ordem pública. No primeiro sentido (matéria de defesa), e, ainda assim, sem enfrentar especificamente a questão fulcral debatida nestes autos: REsp 1.196.342/PE, Rel. Min. Castro Meira, DJe 10.12.2010; REsp 1.270.531/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques; DJe 28.11.2011. No sentido de que o título executivo que "abrange crédito inexistente equipara-se àquele que contém obrigação inexigível, matéria alegável ex officio" e de que "a adequação entre o valor executado e o título correspondente constitui matéria de ordem pública, controlável não apenas por provocação do devedor, como também por iniciativa oficial, inclusive em grau de apelação": REsp 802.011/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 19.2.2009; REsp 928.631/DF, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 5.11.2007.
16. Além disso, a Corte Especial do STJ, no julgamento do REsp 1.387.248/SC, no rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), com participação da Fazenda Nacional como amicus curiae, expressamente acolheu o entendimento, relativo às dificuldades para individualização do valor exequendo, de que "As questões apresentadas pela FAZENDA NACIONAL merecem consideração, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do interesse público, que impede o julgamento por presunção em desfavor dos entes públicos".
17. Tudo isso indica que o julgamento por decisão monocrática configura, com a devida vênia, verdadeira negativa de prestação jurisdicional, em afronta ao art. 5°, XXXV, da Constituição Federal.
18. Para que a decisão jurisdicional adquira legitimidade, é imperioso o respeito ao contraditório (art. 5°, LV, da CF/1988) e, em sendo o caso, a observância da obrigatoriedade de motivar a conclusão alcançada (art. 93, IX, da CF/1988).
19. A efetiva participação do jurisdicionado na formação da decisão judicial não é garantida apenas pela simples oportunidade formal de peticionar nos autos e de interpor recursos, se o julgador não enfrenta verdadeiramente a controvérsia que lhe é devolvida, sobretudo em julgamentos feitos por órgãos colegiados, quando impossibilitada a realização de sustentação oral, a exemplo do que ocorreu in casu.
20. Em casos de tamanha complexidade jurídica e dimensão econômica, a genuína, efetiva e bem informada colegialidade da decisão - formada após sustentação oral e debates (ou pelo menos a abertura dessa oportunidade às partes) - é também garantia do próprio Poder Judiciário, vale dizer, da sua credibilidade social e absoluta transparência republicana, valores tão prezados hoje entre as instituições públicas de países civilizados.
21. Em síntese: a decisão monocrática e, em seguida, a decisão no Agravo Regimental do eminente Relator Humberto Martins não se sustentam como tal. Primeiro, porque ausentes as hipóteses do art.
557 do CPC ("recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante"). Segundo, porque, tanto a matéria não era "manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante", que o eminente Relator, no Agravo Regimental, deu meia-volta e decidiu a lide pelo mérito em favor da parte contrária (Dover). Terceiro, porque, a rigor, a questão jurídica de fundo, muito ao contrário de se apoiar em "súmula" ou "jurisprudência dominante", é controvertida no seio do STJ. Quarto, porque o eminente Relator, nos termos do CPC, só poderia dar provimento ao Recurso Especial da Dover se a decisão recorrida estivesse "em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior" (art. 557, § 1°-A). Quinto, porque, ainda que nenhuma das razões anteriores existisse, a prudência judicial recomendaria que litígios dessa complexidade e valor monetário sejam decididos em ambiente que assegure a mais ampla defesa e contraditório, o que se mostra incompatível com decisão monocrática ou julgamento de Agravo Regimental.
POSSIBILIDADE DE ENFRENTAMENTO IMEDIATO DO MÉRITO, QUANDO BENÉFICO À PARTE A QUEM APROVEITARIA A DECRETAÇÃO DE NULIDADE NO JULGAMENTO 22.
A despeito da nulidade do julgamento do Agravo Regimental, nos termos acima delineados, realinho meu entendimento para aplicar, conforme muito bem demonstrado pela e. Ministra Assusete Magalhães, a regra do art. 249, § 2º, do CPC, segundo a qual não será reconhecida quando, no mérito, o julgamento for favorável à parte a quem aproveitaria a sua decretação. Consequentemente, deve ser rejeitado o pedido aqui nestes aclaratórios deduzido, de anulação do acórdão no Agravo Regimental.
MÉRITO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DA FAZENDA NACIONAL PRIMEIRA OMISSÃO (CARACTERIZADA, MAS IMPROCEDENTE): PRECLUSÃO DO MOMENTO PARA ALEGAR PREVENÇÃO DA MINISTRA ELIANA CALMON 23. A retratação da decisão monocrática ensejou a indicação, nos aclaratórios fazendários, da existência de omissão quanto à prevenção da Ministra Eliana Calmon - ponto não enfrentado no acórdão hostilizado.
24. Conforme descrito pelo e. Ministro Relator, à época da distribuição deste Recurso Especial (26.3.2012), a e. Ministra Eliana Calmon, Relatora no REsp 1.164.874/DF, encontrava-se afastada da Segunda Turma, exercendo suas funções no Conselho Nacional de Justiça, o que exclui a tese de nulidade no acórdão ora embargado, por inobservância das regras de competência.
25. Não bastasse isso, o entendimento do STJ é de que a prevenção deve ser suscitada no primeiro momento em que a parte tiver oportunidade, que no caso é a própria distribuição do recurso, ou até o instante que precede o início do seu julgamento.
26. É improcedente o argumento fazendário de que o interesse em discutir esse ponto somente surgiu a partir do momento em que o e.
Ministro Relator reconsiderou, no Agravo Regimental antecedente, a decisão monocrática: o Código de Processo Civil não vincula esse critério de modificação da competência jurisdicional ao êxito ou sucumbência das partes.
SEGUNDA OMISSÃO (CARACTERIZADA, MAS APENAS PARCIALMENTE PROCEDENTE): NÃO INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 7 E 211 DO STJ 27. Aponta a Fazenda Nacional, também, ausência de valoração a respeito da incidência dos óbices das Súmulas 7 e 211 do STJ, impeditivos da admissibilidade do Recurso Especial da Dover.
28. Descabe Recurso Especial quanto à questão (arts. 598 e 739, § 5º, do CPC) que, a despeito da oposição de Embargos Declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal de origem. Incidência da Súmula 211/STJ.
29. Quanto à Súmula 7/STJ, é inaplicável ao recurso sub judice, pois o acórdão do Tribunal de origem estabeleceu as premissas fáticas relevantes para a solução do caso concreto e as valorou. A verificação relativa ao acerto jurídico do juízo exercido não demanda o revolvimento de provas, mas a verificação do perfeito enquadramento da atividade cognitiva à disciplina jurídica estabelecida pela legislação federal.
30. Em conclusão, acolhe-se a tese de omissão para afastar a incidência da Súmula 7/STJ e aplicar a Súmula 211/STJ apenas em relação aos arts. 598 e 739, § 5º, do CPC.
TERCEIRA OMISSÃO (CARACTERIZADA E PROCEDENTE): DIVERGÊNCIA NÃO DEMONSTRADA NO RECURSO ESPECIAL DA DOVER 31. A divergência jurisprudencial deve ser comprovada, cabendo a quem recorre demonstrar as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, com indicação da similitude fática e jurídica entre eles. Indispensável a transcrição de trechos do relatório e do voto dos acórdãos recorrido e paradigma, realizando-se o cotejo analítico entre ambos, com o intuito de bem caracterizar a interpretação legal divergente. O desrespeito a esses requisitos legais e regimentais (art. 541, parágrafo único, do CPC e art. 255 do RI/STJ) impede o conhecimento do Recurso Especial com base na alínea "c" do inciso III do art. 105 da Constituição Federal.
32. In casu, os precedentes invocados pela empresa não versam sobre a controvérsia relativa à Execução de Título Judicial (crédito-prêmio do IPI), nem tampouco sobre a análise do conteúdo ofertado pelo ente público no que é denominado - pela ora embargada - como "ampliação" ou "aditamento à petição inicial".
33. Merecem acolhimento os aclaratórios, também nesse ponto, para reconhecer a ausência de demonstração dos requisitos que ensejam o conhecimento do Recurso Especial da Dover pela alínea "c".
PREMISSA EQUIVOCADA: NO CASO CONCRETO, OS FUNDAMENTOS APRESENTADOS APÓS A IMPUGNAÇÃO AOS EMBARGOS DO DEVEDOR CONSTITUEM DESDOBRAMENTO DA ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE EXECUÇÃO, JÁ APONTADA NA PETIÇÃO INICIAL DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO DE SENTENÇA 34. O acórdão proferido pela Segunda Turma no Agravo Regimental de Relatoria do Min. Humberto Martins tomou por base a assertiva de que o caso concreto versa sobre a simples alegação de "excesso de execução", qualificável como típica matéria de defesa, sujeita à preclusão nas instâncias de origem.
35. Releva notar que tal posicionamento nega frontalmente a compreensão do e. Ministro Relator adotada na decisão monocrática (com amparo inclusive em precedentes jurisprudenciais), segundo a qual: a) "Denota-se que a petição apresentada após os embargos à execução devia ser conhecida, porquanto deve o juízo conhecer de ofício a manifesta ocorrência de excesso de execução, que poderia ser arguida nas instâncias ordinárias, inclusive, em sede de exceção de pré-executividade"; b) "Portanto, modificar o entendimento da Corte de origem nesta seara especial, no sentido de que não ocorreu excesso de execução, demandaria reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que encontra óbice na Súmula 7/STJ".
36. A leitura do acórdão proferido no Tribunal de origem demonstra, no entanto, que o tema não é apenas este.
37. Verifica-se no voto condutor proferido pelo e. Desembargador Federal Leomar Amorim, transcrito e incorporado expressamente no acórdão que reexaminou os Embargos de Declaração da Dover, que, antes de se tratar de mero excesso de execução, o que se submeteu à apreciação jurisdicional é a discussão quanto aos próprios critérios de liquidação do título. Transcrevem-se os seguintes excertos (cfr.
fls. 1973-1974, e-STJ): a) "Li as questões que foram postas. São difíceis, envolvem a liquidação do título. E a execução pressupõe a liquidez e a certeza do título. Ora, se no momento em que se vai efetuar a liquidação desse título surge uma série de questões que implicam incerteza no tocante ao quantum debeatur, creio que o juiz, em homenagem ao princípio da ampla defesa, deve acolhê-las e examiná-las"; b) "Ora, um erro de apreciação da parte pode importar, por via oblíqua, em confissão? Creio que não, principalmente considerando os interesses indisponíveis da Fazenda Nacional".
38. Por ocasião da reanálise dos Embargos de Declaração, em cumprimento à decisão proferida no REsp 1.164.874/DF, da relatoria da eminente Ministra Eliana Calmon, o Relator no Tribunal de origem acrescentou (fls. 2151-2153 e-STJ): a) "As questões relativas à liquidação da obrigação constante do título executivo judicial, porquanto vinculadas ao cumprimento da coisa julgada, são matérias de ordem pública, que permitem ao julgador a sua apreciação, inclusive de ofício"; b) "Se, após a aludida impugnação, a União detecta erros outros em sua conta, deve manifestar-se nesse sentido, levando ao conhecimento do Juízo a questão, como foi feito nos autos, possibilitando ao julgador a sua análise, como já assentado no julgado recorrido"; c) "Se a ação de embargos do devedor foi intentada a tempo e modo, as alegações posteriores, por se tratar de questões de ordem pública, porque atinentes à exata liquidação do título, repita-se, são meros fundamentos aos quais deveria o juízo responder especificamente"; e d) "Da leitura da petição de fls.
601/634, constata-se que a União alegou, dentre outras matérias, a violação à coisa julgada em razão de apuração de objeto diverso da condenação, resultante de diferenças de alíquotas sobre o valor FOB que, segundo alega, não foi objeto de discussão no processo de conhecimento originário. Alegou, ainda, violação à coisa julgada, porquanto estariam sendo exigidas as alíquotas estranhas àquelas determinadas no v. acórdão proferido no AG 1997.01.00.026047-8/DF, que reconheceu como devidas as alíquotas constantes da Resolução CIEX 2/79".
39. A Corte local não teceu considerações meritórias quanto à procedência ou não dos argumentos levantados pela Fazenda Nacional, mas apenas os considerou de extrema relevância para a correta apuração do quantum debeatur, determinando que o Juízo de Primeira Instância os examinasse, sob pena de supressão de instância.
Confira-se (fls. 2209-2210, e-STJ): a) "O feito foi processado e julgado com supedâneo na sentença apelada, a qual, registro, menciona a existência do título executivo nos autos da execução que, diga-se de passagem, não está apensa aos presentes embargos, somada a cópia do acórdão proferido no agravo e instrumento, segundo o qual a liquidação do julgado se daria por cálculos do contador"; b) "se a liquidação do julgado se dará por cálculos do contador, (...), os parâmetros da execução ficaram para o momento em que a parte credora exigir o adimplemento do título"; c) "a forma legal de se impugnar a execução são os embargos e estes, opostos tempestivamente, autorizam ao Juízo a conhecer, no curso da apuração do julgado, de todo e qualquer elemento que indique estar acontecendo excesso de execução"; d) "a empresa insiste na existência de omissão do julgado, buscando prevalecer seus argumentos, questionando, repetindo, rediscutindo os mesmo pontos há quase 20 anos"; e) "todos os pontos da discórdia (...) constituem questão de ordem pública na medida em que, não sendo detalhadamente apurado (...) pode ocorrer, no presente caso excesso de execução - esta é a questão de ordem pública porque o valor a ser apurado visa a materialização do preceito estampado no título executivo judicial"; f) "a empresa está, desde 1998, tentando negar à Fazenda Nacional o direito de ampla defesa consistente em rever as contas apresentadas para execução, tecendo argumentos 'processuais' que extrapolam a razoabilidade da transparência que se deve imprimir na liquidação de um título judicial".
40. Isto significa que o julgamento deste Recurso Especial não implica acolhimento automático dos Embargos à Execução, mas apenas a devolução dos autos para que o juízo de primeiro grau se pronuncie a respeito dos temas que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região reputou indispensáveis para a solução da lide, no sentido de formatá-la fielmente à sentença transitada em julgado.
41. Em obiter dictum, ressalto que a comparação entre os argumentos ventilados na petição inicial e no suposto "aditamento" demonstra que vários pontos (Resolução Ciex, imprestabilidade de documentos não autenticados, erro na conversão da OTN para BTN, inaplicabilidade do redutor de 25% da Resolução CIEX 2/79) foram, sim, suscitados nas duas petições (cfr. fls. 6-7 e 10-11, e-STJ, e fls. 803, 816 e 819, e-STJ). Outros - inclusão de um ponto percentual a mais na indevida utilização da Selic, erro nos códigos de classificação IPI dos produtos para definição dos créditos sobre ele incidentes, ofensa à coisa julgada pela inclusão de diferenças de alíquotas, questionamento relativo à comprovação do frete, inclusive com embarcações estrangeiras - não representam "alteração" ou "aditamento" do pedido, mas apenas legítima inserção de matéria sujeita à apreciação cognitiva da autoridade judicial sob o enfoque da profundidade (e não da extensão). Relembro, por oportuno, que os Embargos à Execução são impropriamente uma ação, pois não apresentam efetivamente um pedido, mas sim representam instrumento para o devedor resistir à pretensão executiva.
ENTENDIMENTO DA CORTE ESPECIAL, RATIFICADO EM JULGAMENTO DE RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC), A RESPEITO DA DISCIPLINA JURÍDICA ESPECÍFICA APLICÁVEL À FAZENDA PÚBLICA 42. Pela importância da questão em debate, é indispensável relembrar que a Corte Especial do STJ, no julgamento do REsp 1.387.248/SC, no rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), expressamente acolheu o entendimento de que a ausência de individualização, na impugnação ao cumprimento de sentença, do valor entendido como devido, não surte efeitos contra os entes públicos, pois "As questões apresentadas pela FAZENDA NACIONAL merecem consideração, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do interesse público, que impede o julgamento por presunção em desfavor dos entes públicos".
43. O raciocínio acima é perfeitamente aplicável aos autos, principalmente quando se tem em vista que as ponderações apresentadas pela ora embargante não implicaram modificação do pedido ou ampliação do objeto litigioso, mas apenas fundamentos tendentes a demonstrar a inclusão, no título executivo, de créditos inexistentes.
DISPOSITIVO 44. Embargos de Declaração da Fazenda Nacional parcialmente acolhidos, com efeito modificativo, para negar provimento ao Agravo Regimental da empresa Dover Indústria e Comércio S/A.
(EDcl no AgRg no AREsp 150.035/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/11/2015, DJe 02/02/2017)
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL DECIDIDO MONOCRATICAMENTE.
EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. CRÉDITO-PRÊMIO DE IPI. EXCESSO DE EXECUÇÃO VINCULADO À LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO.
QUESTÕES COMPLEXAS E DE ACENTUADA REPERCUSSÃO ECONÔMICA. ADOÇÃO DE PREMISSA EQUIVOCADA. CABIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PARA FINS DE CORREÇÃO.
HISTÓRICO DO LITÍGIO 1. Trata-se de Execução de Sentença que condenou a União a promover o ressarcimento de crédito-prêmio de IPI relativo às operações de exportação realizadas de 1º.4.1981 a 30.4.1985. A Execução foi distribuída em 16.9.2008 com o valor originário de R$ 438.507.155,81 (quatrocentos e trinta e oito milhões, quinhentos e sete mil, cento e cinquenta e cinco reais e oitenta e um centavos) - quantia que, segundo memorial apresentado pelo ente público, beira, em novembro de 2014, a astronômica cifra de 4 bilhões de reais, sendo que a Fazenda alega serem devidos aproximadamente R$10.000.000,00 (dez milhões de reais), correspondentes, em novembro/2014, ao montante de R$ 62.132.528,20 (sessenta e dois milhões, cento e trinta e dois mil, quinhentos e vinte e oito reais e vinte centavos).
2. Após o julgamento do REsp 1.164.874/DF (interposto pela Dover Ind. e Com. S/A), de relatoria da e. Ministra Eliana Calmon, no qual foi reconhecida a violação do art. 535 do CPC, os autos foram devolvidos ao Tribunal de origem para que se suprisse a omissão, consistente na ausência de descrição das questões de ordem pública que justificaram a anulação da sentença do juízo de primeiro grau, proferida nos Embargos à Execução de Sentença ajuizados pela Fazenda Nacional.
3. Após novo julgamento dos aclaratórios, a empresa Dover interpôs este Recurso Especial. Diverge em relação às alegações da Fazenda Nacional, atinentes ao excesso de execução, apresentadas depois da impugnação da empresa aos Embargos à Execução ajuizados pelo ente público. Afirma que constituem indevida modificação do pedido e ofendem o instituto da preclusão, enquanto o ente público aduz que a matéria veiculada é de ordem pública e, assim, poderia ser enfrentada de ofício pelo órgão julgador da Corte local.
4. No presente momento, em Embargos de Declaração, a Fazenda Nacional afirma que o acórdão do Agravo Regimental, da lavra do eminente Relator, Ministro Humberto Martins, está amparado em premissa equivocada e contém omissão, ao reformar decisão monocrática anterior favorável ao ente público e dar provimento ao Recurso Especial da Dover para considerar inadmissível o acréscimo de argumentos tendentes a demonstrar o excesso de execução, não mencionados na petição inicial dos Embargos à Execução de Sentença.
ILIQUIDEZ DO TÍTULO JUDICIAL EXECUTIVO 5. A sentença, no processo de conhecimento originário, foi proferida nos seguintes termos (fl.
1736, e-STJ): "julgo procedente a Ação para condenar a Ré a restituir à Autora o total do crédito-prêmio do IPI, referente ao período de suspensão, acrescido de correção monetária a partir da vigência da Lei nº 6.899/81, após a conversão dos valores da moeda estrangeira em moeda nacional, levando-se em conta os valores da época em que o crédito-prêmio deveria ter sido reconhecido à Autora, acrescido também de juros de mora no percentual de meio por cento ao mês, na forma do art. 1.062, do Código Civil, e contados a partir da citação. O ressarcimento do crédito-prêmio do IPI é devido no período de 01.04.81 a 30.04.85, nos termos do pedido. Condeno também a Ré a restituir as custas antecipadas pela Autora e a pagar a verba honorária, que arbitro em 10% sobre o valor da condenação".
6. No Tribunal Regional Federal da 1ª Região, houve reforma parcial da sentença, fixando-se em definitivo os termos do título executivo judicial (fl. 1742, e-STJ): "Correção cambial. Os créditos devem ser convertidos em moeda nacional, na data em que o incentivo deveria ter sido creditado, e, a partir daí, corrigido monetariamente pelos índices oficiais. Juros de mora. Os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês, sobre o principal corrigido, contados do trânsito em julgado da sentença. Verba honorária. Tratando-se de ações em que o trabalho do advogado se resume a reproduzir as petições já formuladas em causas similares; em que não há instrução, a verba honorária não deve ultrapassar a 5% sobre o valor da condenação".
7. Constata-se, portanto, que não foi fixado o quantum debeatur, o que evidencia que a definição da base de cálculo (ou seja, o montante relativo ao crédito-prêmio do IPI) depende de liquidação.
QUESTÃO CONTROVERTIDA EXCLUSIVAMENTE DE DIREITO 8. A questão suscitada é estritamente jurídica: pode a parte executada alegar, no curso dos Embargos à Execução de Título Judicial, "fundamentos complementares" aos da respectiva petição inicial, sem que isso represente inovação ou ampliação do pedido? 9. Correta a solução conferida no acórdão recorrido (fl. 2153, e-STJ): "Se a ação de embargos do devedor foi intentada a tempo e modo, as alegações posteriores, por se tratar de questões de ordem pública, porque atinentes à exata liquidação do título, repita-se, são meros fundamentos aos quais deveria o juízo responder especificamente".
PRELIMINAR ILEGALIDADE E INCONSTITUCIONALIDADE DO JULGAMENTO MONOCRÁTICO DE QUESTÃO COMPLEXA E NÃO PACIFICADA NO STJ 10. Em processos dessa complexidade jurídica e repercussão econômica, a prudência, os princípios do contraditório, da ampla defesa e do due process, assegurados na Constituição, e os próprios limites formais estabelecidos em lei para as decisões monocráticas impõem o julgamento colegiado do Recurso Especial (arts. 5°, LIV e LV, da CF/1988).
11. O sistema processual prioriza o julgamento colegiado em controvérsias de grande relevância. Exemplo disso é o CPC, que, ao disciplinar o regime dos recursos repetitivos, não permite que o Recurso Especial selecionado para os fins do art. 543-C seja decidido monocraticamente, ainda que exista jurisprudência pacífica no Tribunal (art. 543-C, §§ 2° e 6°, do CPC), pois há expressa determinação de que o "processo será incluído em pauta na seção ou na Corte Especial".
12. Se o recurso não for manifestamente inadmissível, improcedente ou prejudicado, fica afastada a autorização concedida pelo art. 557 do CPC. Por conseguinte, correto seria propiciar às partes a realização de sustentação oral no Recurso Especial, conforme a regra do art. 158 do RISTJ: "Desejando proferir sustentação oral, poderão os advogados requerer que na sessão imediata seja o feito julgado prioritariamente, sem prejuízo das preferências legais".
13. Não é recomendável que a autoridade judicial confira solução monocrática ao Recurso Especial, com base no art. 557 do CPC, por entender aplicável óbice sumular (in casu, Súmula 7/STJ) e depois, ao verificar erro de julgamento, aprecie imediatamente o mérito da pretensão recursal, em sentido completamente oposto à parte que até então obtinha êxito, submetendo o feito ao órgão colegiado, em expediente que veda aos litigantes a amplitude constitucional de acesso e oportunidade para influir no julgamento.
14. In casu, constata-se que o objeto litigioso diz respeito à existência de vício relacionado à própria liquidação do título executivo judicial, que estaria em desconformidade com a decisão transitada em julgado. A especificidade do caso concreto impede que o tema controvertido seja considerado de fácil solução, mediante aplicação das únicas hipóteses que ensejariam o julgamento monocrático, com base no art. 557 do CPC: a) entendimento sumulado ou b) jurisprudência pacificada.
15. Muito ao contrário, o que o eminente Relator Humberto Martins decidiu, na forma que decidiu, refere-se à questão em que divergem os precedentes do STJ: se a alegação de excesso de execução constitui simples matéria de defesa ou qualifica-se como questão de ordem pública. No primeiro sentido (matéria de defesa), e, ainda assim, sem enfrentar especificamente a questão fulcral debatida nestes autos: REsp 1.196.342/PE, Rel. Min. Castro Meira, DJe 10.12.2010; REsp 1.270.531/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques; DJe 28.11.2011. No sentido de que o título executivo que "abrange crédito inexistente equipara-se àquele que contém obrigação inexigível, matéria alegável ex officio" e de que "a adequação entre o valor executado e o título correspondente constitui matéria de ordem pública, controlável não apenas por provocação do devedor, como também por iniciativa oficial, inclusive em grau de apelação": REsp 802.011/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 19.2.2009; REsp 928.631/DF, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 5.11.2007.
16. Além disso, a Corte Especial do STJ, no julgamento do REsp 1.387.248/SC, no rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), com participação da Fazenda Nacional como amicus curiae, expressamente acolheu o entendimento, relativo às dificuldades para individualização do valor exequendo, de que "As questões apresentadas pela FAZENDA NACIONAL merecem consideração, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do interesse público, que impede o julgamento por presunção em desfavor dos entes públicos".
17. Tudo isso indica que o julgamento por decisão monocrática configura, com a devida vênia, verdadeira negativa de prestação jurisdicional, em afronta ao art. 5°, XXXV, da Constituição Federal.
18. Para que a decisão jurisdicional adquira legitimidade, é imperioso o respeito ao contraditório (art. 5°, LV, da CF/1988) e, em sendo o caso, a observância da obrigatoriedade de motivar a conclusão alcançada (art. 93, IX, da CF/1988).
19. A efetiva participação do jurisdicionado na formação da decisão judicial não é garantida apenas pela simples oportunidade formal de peticionar nos autos e de interpor recursos, se o julgador não enfrenta verdadeiramente a controvérsia que lhe é devolvida, sobretudo em julgamentos feitos por órgãos colegiados, quando impossibilitada a realização de sustentação oral, a exemplo do que ocorreu in casu.
20. Em casos de tamanha complexidade jurídica e dimensão econômica, a genuína, efetiva e bem informada colegialidade da decisão - formada após sustentação oral e debates (ou pelo menos a abertura dessa oportunidade às partes) - é também garantia do próprio Poder Judiciário, vale dizer, da sua credibilidade social e absoluta transparência republicana, valores tão prezados hoje entre as instituições públicas de países civilizados.
21. Em síntese: a decisão monocrática e, em seguida, a decisão no Agravo Regimental do eminente Relator Humberto Martins não se sustentam como tal. Primeiro, porque ausentes as hipóteses do art.
557 do CPC ("recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante"). Segundo, porque, tanto a matéria não era "manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante", que o eminente Relator, no Agravo Regimental, deu meia-volta e decidiu a lide pelo mérito em favor da parte contrária (Dover). Terceiro, porque, a rigor, a questão jurídica de fundo, muito ao contrário de se apoiar em "súmula" ou "jurisprudência dominante", é controvertida no seio do STJ. Quarto, porque o eminente Relator, nos termos do CPC, só poderia dar provimento ao Recurso Especial da Dover se a decisão recorrida estivesse "em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior" (art. 557, § 1°-A). Quinto, porque, ainda que nenhuma das razões anteriores existisse, a prudência judicial recomendaria que litígios dessa complexidade e valor monetário sejam decididos em ambiente que assegure a mais ampla defesa e contraditório, o que se mostra incompatível com decisão monocrática ou julgamento de Agravo Regimental.
POSSIBILIDADE DE ENFRENTAMENTO IMEDIATO DO MÉRITO, QUANDO BENÉFICO À PARTE A QUEM APROVEITARIA A DECRETAÇÃO DE NULIDADE NO JULGAMENTO 22.
A despeito da nulidade do julgamento do Agravo Regimental, nos termos acima delineados, realinho meu entendimento para aplicar, conforme muito bem demonstrado pela e. Ministra Assusete Magalhães, a regra do art. 249, § 2º, do CPC, segundo a qual não será reconhecida quando, no mérito, o julgamento for favorável à parte a quem aproveitaria a sua decretação. Consequentemente, deve ser rejeitado o pedido aqui nestes aclaratórios deduzido, de anulação do acórdão no Agravo Regimental.
MÉRITO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DA FAZENDA NACIONAL PRIMEIRA OMISSÃO (CARACTERIZADA, MAS IMPROCEDENTE): PRECLUSÃO DO MOMENTO PARA ALEGAR PREVENÇÃO DA MINISTRA ELIANA CALMON 23. A retratação da decisão monocrática ensejou a indicação, nos aclaratórios fazendários, da existência de omissão quanto à prevenção da Ministra Eliana Calmon - ponto não enfrentado no acórdão hostilizado.
24. Conforme descrito pelo e. Ministro Relator, à época da distribuição deste Recurso Especial (26.3.2012), a e. Ministra Eliana Calmon, Relatora no REsp 1.164.874/DF, encontrava-se afastada da Segunda Turma, exercendo suas funções no Conselho Nacional de Justiça, o que exclui a tese de nulidade no acórdão ora embargado, por inobservância das regras de competência.
25. Não bastasse isso, o entendimento do STJ é de que a prevenção deve ser suscitada no primeiro momento em que a parte tiver oportunidade, que no caso é a própria distribuição do recurso, ou até o instante que precede o início do seu julgamento.
26. É improcedente o argumento fazendário de que o interesse em discutir esse ponto somente surgiu a partir do momento em que o e.
Ministro Relator reconsiderou, no Agravo Regimental antecedente, a decisão monocrática: o Código de Processo Civil não vincula esse critério de modificação da competência jurisdicional ao êxito ou sucumbência das partes.
SEGUNDA OMISSÃO (CARACTERIZADA, MAS APENAS PARCIALMENTE PROCEDENTE): NÃO INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 7 E 211 DO STJ 27. Aponta a Fazenda Nacional, também, ausência de valoração a respeito da incidência dos óbices das Súmulas 7 e 211 do STJ, impeditivos da admissibilidade do Recurso Especial da Dover.
28. Descabe Recurso Especial quanto à questão (arts. 598 e 739, § 5º, do CPC) que, a despeito da oposição de Embargos Declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal de origem. Incidência da Súmula 211/STJ.
29. Quanto à Súmula 7/STJ, é inaplicável ao recurso sub judice, pois o acórdão do Tribunal de origem estabeleceu as premissas fáticas relevantes para a solução do caso concreto e as valorou. A verificação relativa ao acerto jurídico do juízo exercido não demanda o revolvimento de provas, mas a verificação do perfeito enquadramento da atividade cognitiva à disciplina jurídica estabelecida pela legislação federal.
30. Em conclusão, acolhe-se a tese de omissão para afastar a incidência da Súmula 7/STJ e aplicar a Súmula 211/STJ apenas em relação aos arts. 598 e 739, § 5º, do CPC.
TERCEIRA OMISSÃO (CARACTERIZADA E PROCEDENTE): DIVERGÊNCIA NÃO DEMONSTRADA NO RECURSO ESPECIAL DA DOVER 31. A divergência jurisprudencial deve ser comprovada, cabendo a quem recorre demonstrar as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, com indicação da similitude fática e jurídica entre eles. Indispensável a transcrição de trechos do relatório e do voto dos acórdãos recorrido e paradigma, realizando-se o cotejo analítico entre ambos, com o intuito de bem caracterizar a interpretação legal divergente. O desrespeito a esses requisitos legais e regimentais (art. 541, parágrafo único, do CPC e art. 255 do RI/STJ) impede o conhecimento do Recurso Especial com base na alínea "c" do inciso III do art. 105 da Constituição Federal.
32. In casu, os precedentes invocados pela empresa não versam sobre a controvérsia relativa à Execução de Título Judicial (crédito-prêmio do IPI), nem tampouco sobre a análise do conteúdo ofertado pelo ente público no que é denominado - pela ora embargada - como "ampliação" ou "aditamento à petição inicial".
33. Merecem acolhimento os aclaratórios, também nesse ponto, para reconhecer a ausência de demonstração dos requisitos que ensejam o conhecimento do Recurso Especial da Dover pela alínea "c".
PREMISSA EQUIVOCADA: NO CASO CONCRETO, OS FUNDAMENTOS APRESENTADOS APÓS A IMPUGNAÇÃO AOS EMBARGOS DO DEVEDOR CONSTITUEM DESDOBRAMENTO DA ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE EXECUÇÃO, JÁ APONTADA NA PETIÇÃO INICIAL DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO DE SENTENÇA 34. O acórdão proferido pela Segunda Turma no Agravo Regimental de Relatoria do Min. Humberto Martins tomou por base a assertiva de que o caso concreto versa sobre a simples alegação de "excesso de execução", qualificável como típica matéria de defesa, sujeita à preclusão nas instâncias de origem.
35. Releva notar que tal posicionamento nega frontalmente a compreensão do e. Ministro Relator adotada na decisão monocrática (com amparo inclusive em precedentes jurisprudenciais), segundo a qual: a) "Denota-se que a petição apresentada após os embargos à execução devia ser conhecida, porquanto deve o juízo conhecer de ofício a manifesta ocorrência de excesso de execução, que poderia ser arguida nas instâncias ordinárias, inclusive, em sede de exceção de pré-executividade"; b) "Portanto, modificar o entendimento da Corte de origem nesta seara especial, no sentido de que não ocorreu excesso de execução, demandaria reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que encontra óbice na Súmula 7/STJ".
36. A leitura do acórdão proferido no Tribunal de origem demonstra, no entanto, que o tema não é apenas este.
37. Verifica-se no voto condutor proferido pelo e. Desembargador Federal Leomar Amorim, transcrito e incorporado expressamente no acórdão que reexaminou os Embargos de Declaração da Dover, que, antes de se tratar de mero excesso de execução, o que se submeteu à apreciação jurisdicional é a discussão quanto aos próprios critérios de liquidação do título. Transcrevem-se os seguintes excertos (cfr.
fls. 1973-1974, e-STJ): a) "Li as questões que foram postas. São difíceis, envolvem a liquidação do título. E a execução pressupõe a liquidez e a certeza do título. Ora, se no momento em que se vai efetuar a liquidação desse título surge uma série de questões que implicam incerteza no tocante ao quantum debeatur, creio que o juiz, em homenagem ao princípio da ampla defesa, deve acolhê-las e examiná-las"; b) "Ora, um erro de apreciação da parte pode importar, por via oblíqua, em confissão? Creio que não, principalmente considerando os interesses indisponíveis da Fazenda Nacional".
38. Por ocasião da reanálise dos Embargos de Declaração, em cumprimento à decisão proferida no REsp 1.164.874/DF, da relatoria da eminente Ministra Eliana Calmon, o Relator no Tribunal de origem acrescentou (fls. 2151-2153 e-STJ): a) "As questões relativas à liquidação da obrigação constante do título executivo judicial, porquanto vinculadas ao cumprimento da coisa julgada, são matérias de ordem pública, que permitem ao julgador a sua apreciação, inclusive de ofício"; b) "Se, após a aludida impugnação, a União detecta erros outros em sua conta, deve manifestar-se nesse sentido, levando ao conhecimento do Juízo a questão, como foi feito nos autos, possibilitando ao julgador a sua análise, como já assentado no julgado recorrido"; c) "Se a ação de embargos do devedor foi intentada a tempo e modo, as alegações posteriores, por se tratar de questões de ordem pública, porque atinentes à exata liquidação do título, repita-se, são meros fundamentos aos quais deveria o juízo responder especificamente"; e d) "Da leitura da petição de fls.
601/634, constata-se que a União alegou, dentre outras matérias, a violação à coisa julgada em razão de apuração de objeto diverso da condenação, resultante de diferenças de alíquotas sobre o valor FOB que, segundo alega, não foi objeto de discussão no processo de conhecimento originário. Alegou, ainda, violação à coisa julgada, porquanto estariam sendo exigidas as alíquotas estranhas àquelas determinadas no v. acórdão proferido no AG 1997.01.00.026047-8/DF, que reconheceu como devidas as alíquotas constantes da Resolução CIEX 2/79".
39. A Corte local não teceu considerações meritórias quanto à procedência ou não dos argumentos levantados pela Fazenda Nacional, mas apenas os considerou de extrema relevância para a correta apuração do quantum debeatur, determinando que o Juízo de Primeira Instância os examinasse, sob pena de supressão de instância.
Confira-se (fls. 2209-2210, e-STJ): a) "O feito foi processado e julgado com supedâneo na sentença apelada, a qual, registro, menciona a existência do título executivo nos autos da execução que, diga-se de passagem, não está apensa aos presentes embargos, somada a cópia do acórdão proferido no agravo e instrumento, segundo o qual a liquidação do julgado se daria por cálculos do contador"; b) "se a liquidação do julgado se dará por cálculos do contador, (...), os parâmetros da execução ficaram para o momento em que a parte credora exigir o adimplemento do título"; c) "a forma legal de se impugnar a execução são os embargos e estes, opostos tempestivamente, autorizam ao Juízo a conhecer, no curso da apuração do julgado, de todo e qualquer elemento que indique estar acontecendo excesso de execução"; d) "a empresa insiste na existência de omissão do julgado, buscando prevalecer seus argumentos, questionando, repetindo, rediscutindo os mesmo pontos há quase 20 anos"; e) "todos os pontos da discórdia (...) constituem questão de ordem pública na medida em que, não sendo detalhadamente apurado (...) pode ocorrer, no presente caso excesso de execução - esta é a questão de ordem pública porque o valor a ser apurado visa a materialização do preceito estampado no título executivo judicial"; f) "a empresa está, desde 1998, tentando negar à Fazenda Nacional o direito de ampla defesa consistente em rever as contas apresentadas para execução, tecendo argumentos 'processuais' que extrapolam a razoabilidade da transparência que se deve imprimir na liquidação de um título judicial".
40. Isto significa que o julgamento deste Recurso Especial não implica acolhimento automático dos Embargos à Execução, mas apenas a devolução dos autos para que o juízo de primeiro grau se pronuncie a respeito dos temas que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região reputou indispensáveis para a solução da lide, no sentido de formatá-la fielmente à sentença transitada em julgado.
41. Em obiter dictum, ressalto que a comparação entre os argumentos ventilados na petição inicial e no suposto "aditamento" demonstra que vários pontos (Resolução Ciex, imprestabilidade de documentos não autenticados, erro na conversão da OTN para BTN, inaplicabilidade do redutor de 25% da Resolução CIEX 2/79) foram, sim, suscitados nas duas petições (cfr. fls. 6-7 e 10-11, e-STJ, e fls. 803, 816 e 819, e-STJ). Outros - inclusão de um ponto percentual a mais na indevida utilização da Selic, erro nos códigos de classificação IPI dos produtos para definição dos créditos sobre ele incidentes, ofensa à coisa julgada pela inclusão de diferenças de alíquotas, questionamento relativo à comprovação do frete, inclusive com embarcações estrangeiras - não representam "alteração" ou "aditamento" do pedido, mas apenas legítima inserção de matéria sujeita à apreciação cognitiva da autoridade judicial sob o enfoque da profundidade (e não da extensão). Relembro, por oportuno, que os Embargos à Execução são impropriamente uma ação, pois não apresentam efetivamente um pedido, mas sim representam instrumento para o devedor resistir à pretensão executiva.
ENTENDIMENTO DA CORTE ESPECIAL, RATIFICADO EM JULGAMENTO DE RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC), A RESPEITO DA DISCIPLINA JURÍDICA ESPECÍFICA APLICÁVEL À FAZENDA PÚBLICA 42. Pela importância da questão em debate, é indispensável relembrar que a Corte Especial do STJ, no julgamento do REsp 1.387.248/SC, no rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), expressamente acolheu o entendimento de que a ausência de individualização, na impugnação ao cumprimento de sentença, do valor entendido como devido, não surte efeitos contra os entes públicos, pois "As questões apresentadas pela FAZENDA NACIONAL merecem consideração, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do interesse público, que impede o julgamento por presunção em desfavor dos entes públicos".
43. O raciocínio acima é perfeitamente aplicável aos autos, principalmente quando se tem em vista que as ponderações apresentadas pela ora embargante não implicaram modificação do pedido ou ampliação do objeto litigioso, mas apenas fundamentos tendentes a demonstrar a inclusão, no título executivo, de créditos inexistentes.
DISPOSITIVO 44. Embargos de Declaração da Fazenda Nacional parcialmente acolhidos, com efeito modificativo, para negar provimento ao Agravo Regimental da empresa Dover Indústria e Comércio S/A.
(EDcl no AgRg no AREsp 150.035/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/11/2015, DJe 02/02/2017)
Data do Julgamento
:
10/11/2015
Data da Publicação
:
DJe 02/02/2017
Órgão Julgador
:
T2 - SEGUNDA TURMA
Relator(a)
:
Ministro HUMBERTO MARTINS (1130)
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