HC 346990 / SPHABEAS CORPUS2016/0007208-9
CONSTITUCIONAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. FURTO TENTADO. INSIGNIFICÂNCIA. REITERAÇÃO DELITIVA. VALOR DA RES FURTIVAE SUPERIOR A 10% (DEZ POR CENTO) DO SALÁRIO MÍNIMO. RELEVANTE LESÃO AO BEM JURÍDICO. FLAGRANTE ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA. FURTO PRIVILEGIADO. ALTERNATIVAS DO ART. 155, § 2º, DO CP. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. FLAGRANTE ILEGALIDADE. APLICAÇÃO DA MODALIDADE MENOS GRAVOSA. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. SUBSTITUIÇÃO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado, o que não ocorre na espécie.
2. O "princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. [...] Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público." (HC n. 84.412-0/SP, STF, Rel. Ministro CELSO DE MELLO, DJU 19.11.2004.) 2. A jurisprudência desta Quinta Turma reconhece que o princípio da insignificância não tem aplicabilidade em casos de reiteração da conduta delitiva, salvo excepcionalmente, quando as instâncias ordinárias entenderem ser tal medida recomendável diante das circunstâncias concretas.
3. In casu, verifica-se contumácia delitiva do réu, em especial crimes patrimoniais, conforme folha de antecedentes juntada, o que demonstra desprezo sistemático pelo cumprimento do ordenamento jurídico. Nesse passo, de rigor a inviabilidade do reconhecimento da atipicidade material, por não restarem demonstradas as exigidas mínima ofensividade da conduta e ausência de periculosidade social da ação.
4. O princípio da insignificância baseia-se na necessidade de lesão jurídica expressiva para a incidência do Direito Penal, afastando a tipicidade do delito em certas hipóteses em que, apesar de típica a conduta, ausente dano juridicamente relevante. Sobre o tema, de maneira meramente indicativa e não vinculante, a jurisprudência desta Corte, dentre outros critérios, aponta o parâmetro da décima parte do salário mínimo vigente ao tempo da infração penal, para aferição da relevância da lesão patrimonial.
5. Observa-se, contudo, considerável valor da res furtivae, avaliada em R$ 180,00 (cento e oitenta reais), porquanto equivalente a 26,54% do salário-mínimo à época do fato, em 2013, que correspondia a R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais). Tendo em vista notável superação do critério informado jurisprudencialmente, ausente, pois, o requisito da inexpressividade da lesão ao bem jurídico.
6. O art. 155, § 2º do Código Penal impõe a aplicação do benefício penal, na hipótese de adimplemento dos requisitos legais da primariedade técnica e pequeno valor do bem furtado, assim considerado aquele inferior ao salário mínimo ao tempo do fato, tratando-se, pois, de direito subjetivo do condenado.
7. Quando da escolha do benefício aplicável, dentre aqueles previstos no referido dispositivo legal - a) substituição da pena de reclusão por detenção; b) diminuição da pena privativa de liberdade de um a dois terços; c) aplicação somente da pena de multa - de rigor a observância do dever de fundamentação pelas instâncias ordinárias, sob pena de violação ao princípio do livre convencimento motivado, malferindo o disposto no art. 93, IX, da Constituição da República.
8. Na espécie, o acórdão recorrido atestou a subsunção aos requisitos legais do benefício penal, pois considerou o réu tecnicamente primário e a res futivae de pequeno valor, entrementes, não fundamentou, pelas circunstâncias concretas, a razão pela qual teria adotado a substituição da pena de reclusão por detenção em detrimento dos demais benefícios, limitando-se à vaga afirmação de atendimento à suficiência e necessidade da aplicação da pena.
9. Ante ao error in procedendo do acórdão nesse ponto, pois ausente fundamentação idônea para aplicação do benefício mais adequado, o direito subjetivo do réu ao privilégio do art. 155, § 2º impõe a substituição da pena privativa por multa, alternativa mais benéfica, haja vista a falta de elementos que indiquem maior reprovabilidade da conduta do réu, aptos a reduzir o benefício.
10. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para determinar a substituição da pena privativa de liberdade imposta à paciente por pena de multa, nos termos do art. 155, § 2º, cujo valor será determinado pelo Juízo das Execuções.
(HC 346.990/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 10/05/2016, DJe 19/05/2016)
Ementa
CONSTITUCIONAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. FURTO TENTADO. INSIGNIFICÂNCIA. REITERAÇÃO DELITIVA. VALOR DA RES FURTIVAE SUPERIOR A 10% (DEZ POR CENTO) DO SALÁRIO MÍNIMO. RELEVANTE LESÃO AO BEM JURÍDICO. FLAGRANTE ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA. FURTO PRIVILEGIADO. ALTERNATIVAS DO ART. 155, § 2º, DO CP. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. FLAGRANTE ILEGALIDADE. APLICAÇÃO DA MODALIDADE MENOS GRAVOSA. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. SUBSTITUIÇÃO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado, o que não ocorre na espécie.
2. O "princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. [...] Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público." (HC n. 84.412-0/SP, STF, Rel. Ministro CELSO DE MELLO, DJU 19.11.2004.) 2. A jurisprudência desta Quinta Turma reconhece que o princípio da insignificância não tem aplicabilidade em casos de reiteração da conduta delitiva, salvo excepcionalmente, quando as instâncias ordinárias entenderem ser tal medida recomendável diante das circunstâncias concretas.
3. In casu, verifica-se contumácia delitiva do réu, em especial crimes patrimoniais, conforme folha de antecedentes juntada, o que demonstra desprezo sistemático pelo cumprimento do ordenamento jurídico. Nesse passo, de rigor a inviabilidade do reconhecimento da atipicidade material, por não restarem demonstradas as exigidas mínima ofensividade da conduta e ausência de periculosidade social da ação.
4. O princípio da insignificância baseia-se na necessidade de lesão jurídica expressiva para a incidência do Direito Penal, afastando a tipicidade do delito em certas hipóteses em que, apesar de típica a conduta, ausente dano juridicamente relevante. Sobre o tema, de maneira meramente indicativa e não vinculante, a jurisprudência desta Corte, dentre outros critérios, aponta o parâmetro da décima parte do salário mínimo vigente ao tempo da infração penal, para aferição da relevância da lesão patrimonial.
5. Observa-se, contudo, considerável valor da res furtivae, avaliada em R$ 180,00 (cento e oitenta reais), porquanto equivalente a 26,54% do salário-mínimo à época do fato, em 2013, que correspondia a R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais). Tendo em vista notável superação do critério informado jurisprudencialmente, ausente, pois, o requisito da inexpressividade da lesão ao bem jurídico.
6. O art. 155, § 2º do Código Penal impõe a aplicação do benefício penal, na hipótese de adimplemento dos requisitos legais da primariedade técnica e pequeno valor do bem furtado, assim considerado aquele inferior ao salário mínimo ao tempo do fato, tratando-se, pois, de direito subjetivo do condenado.
7. Quando da escolha do benefício aplicável, dentre aqueles previstos no referido dispositivo legal - a) substituição da pena de reclusão por detenção; b) diminuição da pena privativa de liberdade de um a dois terços; c) aplicação somente da pena de multa - de rigor a observância do dever de fundamentação pelas instâncias ordinárias, sob pena de violação ao princípio do livre convencimento motivado, malferindo o disposto no art. 93, IX, da Constituição da República.
8. Na espécie, o acórdão recorrido atestou a subsunção aos requisitos legais do benefício penal, pois considerou o réu tecnicamente primário e a res futivae de pequeno valor, entrementes, não fundamentou, pelas circunstâncias concretas, a razão pela qual teria adotado a substituição da pena de reclusão por detenção em detrimento dos demais benefícios, limitando-se à vaga afirmação de atendimento à suficiência e necessidade da aplicação da pena.
9. Ante ao error in procedendo do acórdão nesse ponto, pois ausente fundamentação idônea para aplicação do benefício mais adequado, o direito subjetivo do réu ao privilégio do art. 155, § 2º impõe a substituição da pena privativa por multa, alternativa mais benéfica, haja vista a falta de elementos que indiquem maior reprovabilidade da conduta do réu, aptos a reduzir o benefício.
10. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para determinar a substituição da pena privativa de liberdade imposta à paciente por pena de multa, nos termos do art. 155, § 2º, cujo valor será determinado pelo Juízo das Execuções.
(HC 346.990/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 10/05/2016, DJe 19/05/2016)Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal
de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder
"Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros Joel Ilan Paciornik, Felix Fischer, Jorge
Mussi e Reynaldo Soares da Fonseca votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Data do Julgamento
:
10/05/2016
Data da Publicação
:
DJe 19/05/2016
Órgão Julgador
:
T5 - QUINTA TURMA
Relator(a)
:
Ministro RIBEIRO DANTAS (1181)
Notas
:
Princípio da insignificância: não aplicado ao furto de objeto
avaliado em R$ 180,00, equivalente a 26,54% do salário mínimo.
Referência legislativa
:
LEG:FED DEL:002848 ANO:1940***** CP-40 CÓDIGO PENAL ART:00155 PAR:00002LEG:FED CFB:****** ANO:1988***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ART:00093 INC:00009
Veja
:
(PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - REQUISITOS) STF - HC 84412-SP(PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - REITERAÇÃO CRIMINOSA) STJ - EAREsp 221999-RS, AgRg no AREsp 811128-MT(PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - LESÃO JURÍDICA RELEVANTE -PARÂMETRO) STJ - REsp 1577904-RS, HC 342945-SC(FURTO PRIVILEGIADO - ESCOLHA DO BENEFÍCIO - FUNDAMENTAÇÃO) STJ - REsp 1347753-MG, HC 237754-RS, HC 274427-RS
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