HC 370269 / MGHABEAS CORPUS2016/0235980-4
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO.
ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E IDÔNEA. ESTATUTO DA PRIMEIRA INFÂNCIA. PRISÃO DOMICILIAR.
POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
1. A jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar que a determinação de segregar cautelarmente o réu deve efetivar-se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a necessidade da cautela (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal.
2. O Juiz de primeiro grau, ao decretar a prisão preventiva da paciente, destacou a apreensão de elevada quantidade de drogas, de apetrechos comumente utilizados na prática do narcotráfico e de elementos que evidenciam a mercancia de forma organizada, inclusive com a participação de agente menor de idade.
3. A Lei n. 13.257/2016 estabelece conjunto de ações prioritárias a ser observadas na primeira infância (0 a 6 anos de idade), mediante "princípios e diretrizes para a formulação e implementação de políticas públicas [...] em atenção à especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil e no desenvolvimento do ser humano" (art. 1º), em consonância com o Estatuto da Criança e do Adolescente.
4. A novel legislação teve reflexos no Código de Processo Penal, imprimindo nova redação ao inciso IV do seu art. 318, além de acrescer-lhe os incisos V e VI. Tais mudanças encontram suporte no próprio fundamento que subjaz à Lei n. 13.257/2016, notadamente a garantia do desenvolvimento infantil integral, com o "fortalecimento da família no exercício de sua função de cuidado e educação de seus filhos na primeira infância" (art. 14, § 1º).
5. A despeito da benéfica legislação, que se harmoniza com diversos tratados e convenções internacionais, vale o registro de que o uso do verbo "poderá", no caput do art. 318 do Código de Processo Penal, não deve ser interpretado com a semântica que lhe dão certos setores da doutrina, para os quais seria "dever" do juiz determinar o cumprimento da prisão preventiva em prisão domiciliar ante a verificação das condições objetivas previstas em lei. Semelhante interpretação acabaria por gerar uma vedação legal ao emprego da cautela máxima em casos nos quais se mostre ser ela a única hipótese a tutelar, com eficiência, situação de evidente e imperiosa necessidade da prisão. Outrossim, importaria em assegurar a praticamente toda pessoa com prole na idade indicada no texto legal o direito a permanecer sob a cautela alternativa, mesmo se identificada a incontornável urgência da medida extrema.
6. Embora os argumentos adotados pelo Magistrado de primeiro grau demonstrem a gravidade concreta dos delitos em tese cometidos, há outras medidas, com igual eficácia e adequação, aptas a afastar o periculum libertatis, porém com menor grau de lesividade à esfera de liberdade da acusada. Não há notícias de eventual existência de antecedentes ou de reiteração criminosa por parte da paciente.
Ademais, os crimes supostamente praticados não envolveram violência ou grave ameaça contra pessoa. Ainda, além de o decreto não haver delimitado qual teria sido especificamente a conduta perpetrada pela acusada, não há indicativos, ao menos nesta fase processual, de que ela seja uma pessoa danosa ao convívio social ou de que tenha comportamento violento. Por fim, mas não menos importante, cuida-se de pessoa que comprovou possuir quatro filhos menores de 12 anos de idade, o caçula com apenas 1 ano de idade.
7. Ordem concedida para, confirmada a liminar, substituir a custódia preventiva da paciente por prisão domiciliar, caso não esteja presa por outro motivo, ficando a cargo do Juízo monocrático a fiscalização do cumprimento do benefício.
(HC 370.269/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 18/10/2016, DJe 10/11/2016)
Ementa
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO.
ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E IDÔNEA. ESTATUTO DA PRIMEIRA INFÂNCIA. PRISÃO DOMICILIAR.
POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
1. A jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar que a determinação de segregar cautelarmente o réu deve efetivar-se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a necessidade da cautela (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal.
2. O Juiz de primeiro grau, ao decretar a prisão preventiva da paciente, destacou a apreensão de elevada quantidade de drogas, de apetrechos comumente utilizados na prática do narcotráfico e de elementos que evidenciam a mercancia de forma organizada, inclusive com a participação de agente menor de idade.
3. A Lei n. 13.257/2016 estabelece conjunto de ações prioritárias a ser observadas na primeira infância (0 a 6 anos de idade), mediante "princípios e diretrizes para a formulação e implementação de políticas públicas [...] em atenção à especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil e no desenvolvimento do ser humano" (art. 1º), em consonância com o Estatuto da Criança e do Adolescente.
4. A novel legislação teve reflexos no Código de Processo Penal, imprimindo nova redação ao inciso IV do seu art. 318, além de acrescer-lhe os incisos V e VI. Tais mudanças encontram suporte no próprio fundamento que subjaz à Lei n. 13.257/2016, notadamente a garantia do desenvolvimento infantil integral, com o "fortalecimento da família no exercício de sua função de cuidado e educação de seus filhos na primeira infância" (art. 14, § 1º).
5. A despeito da benéfica legislação, que se harmoniza com diversos tratados e convenções internacionais, vale o registro de que o uso do verbo "poderá", no caput do art. 318 do Código de Processo Penal, não deve ser interpretado com a semântica que lhe dão certos setores da doutrina, para os quais seria "dever" do juiz determinar o cumprimento da prisão preventiva em prisão domiciliar ante a verificação das condições objetivas previstas em lei. Semelhante interpretação acabaria por gerar uma vedação legal ao emprego da cautela máxima em casos nos quais se mostre ser ela a única hipótese a tutelar, com eficiência, situação de evidente e imperiosa necessidade da prisão. Outrossim, importaria em assegurar a praticamente toda pessoa com prole na idade indicada no texto legal o direito a permanecer sob a cautela alternativa, mesmo se identificada a incontornável urgência da medida extrema.
6. Embora os argumentos adotados pelo Magistrado de primeiro grau demonstrem a gravidade concreta dos delitos em tese cometidos, há outras medidas, com igual eficácia e adequação, aptas a afastar o periculum libertatis, porém com menor grau de lesividade à esfera de liberdade da acusada. Não há notícias de eventual existência de antecedentes ou de reiteração criminosa por parte da paciente.
Ademais, os crimes supostamente praticados não envolveram violência ou grave ameaça contra pessoa. Ainda, além de o decreto não haver delimitado qual teria sido especificamente a conduta perpetrada pela acusada, não há indicativos, ao menos nesta fase processual, de que ela seja uma pessoa danosa ao convívio social ou de que tenha comportamento violento. Por fim, mas não menos importante, cuida-se de pessoa que comprovou possuir quatro filhos menores de 12 anos de idade, o caçula com apenas 1 ano de idade.
7. Ordem concedida para, confirmada a liminar, substituir a custódia preventiva da paciente por prisão domiciliar, caso não esteja presa por outro motivo, ficando a cargo do Juízo monocrático a fiscalização do cumprimento do benefício.
(HC 370.269/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 18/10/2016, DJe 10/11/2016)Acórdão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Sexta Turma, por unanimidade, conceder a
ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Nefi Cordeiro, Antonio Saldanha Palheiro, Maria
Thereza de Assis Moura e Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr.
Ministro Relator.
Data do Julgamento
:
18/10/2016
Data da Publicação
:
DJe 10/11/2016
Órgão Julgador
:
T6 - SEXTA TURMA
Relator(a)
:
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ (1158)
Referência legislativa
:
LEG:FED LEI:013257 ANO:2016***** EPI ESTATUTO DA PRIMEIRA INFÂNCIA ART:00001 ART:00014 PAR:00001LEG:FED LEI:008069 ANO:1990***** ECA-90 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTELEG:FED DEL:003689 ANO:1941***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ART:00318 INC:00004 INC:00005 INC:00006(COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 13.257/2016)LEG:FED CFB:****** ANO:1988***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ART:00227
Veja
:
(PRISÃO PREVENTIVA - DOMICILIAR - MÃE DE FILHO MENOR DE 12 ANOS) STJ - HC 291439-SP, HC 357470-RS
Mostrar discussão