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Jurisprudência


HC 379269 / MSHABEAS CORPUS2016/0303542-3

Ementa
HABEAS CORPUS. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO E DOS ARTS. 330 E 331 DO CÓDIGO PENAL. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DA TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE DESACATO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. DIREITOS HUMANOS. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA (PSJCR). DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO QUE NÃO SE REVELA ABSOLUTO. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE DECISÃO PROFERIDA PELA CORTE (IDH). ATOS EXPEDIDOS PELA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (CIDH). AUSÊNCIA DE FORÇA VINCULANTE. TESTE TRIPARTITE. VETORES DE HERMENÊUTICA DOS DIREITOS TUTELADOS NA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. POSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO. PREENCHIMENTO DAS CONDIÇÕES ANTEVISTAS NO ART. 13.2. DO PSJCR. SOBERANIA DO ESTADO. TEORIA DA MARGEM DE APRECIAÇÃO NACIONAL (MARGIN OF APPRECIATION). INCOLUMIDADE DO CRIME DE DESACATO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO, NOS TERMOS EM QUE ENTALHADO NO ART. 331 DO CÓDIGO PENAL. INAPLICABILIDADE, IN CASU, DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO TÃO LOGO QUANDO DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. WRIT NÃO CONHECIDO. 1. O Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), denominada Pacto de São José da Costa Rica, sendo promulgada por intermédio do Decreto n. 678/1992, passando, desde então, a figurar com observância obrigatória e integral do Estado. 2. Quanto à natureza jurídica das regras decorrentes de tratados de direitos humanos, firmou-se o entendimento de que, ao serem incorporadas antes da Emenda Constitucional n. 45/2004, portanto, sem a observância do rito estabelecido pelo art. 5º, § 3º, da CRFB, exprimem status de norma supralegal, o que, a rigor, produz efeito paralisante sobre as demais normas que compõem o ordenamento jurídico, à exceção da Magna Carta. Precedentes. 3. De acordo com o art. 41 do Pacto de São José da Costa Rica, as funções da Comissão Interamericana de Direitos Humanos não ostentam caráter decisório, mas tão somente instrutório ou cooperativo. Desta feita, depreende-se que a CIDH não possui função jurisdicional. 4. A Corte Internacional de Direitos Humanos (IDH), por sua vez, é uma instituição judiciária autônoma cujo objetivo é a aplicação e a interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, possuindo atribuição jurisdicional e consultiva, de acordo com o art. 2º do seu respectivo Estatuto. 5. As deliberações internacionais de direitos humanos decorrentes dos processos de responsabilidade internacional do Estado podem resultar em: recomendação; decisões quase judiciais e decisão judicial. A primeira revela-se ausente de qualquer caráter vinculante, ostentando mero caráter "moral", podendo resultar dos mais diversos órgãos internacionais. Os demais institutos, porém, situam-se no âmbito do controle, propriamente dito, da observância dos direitos humanos. 6. Com efeito, as recomendações expedidas pela CIDH não possuem força vinculante, mas tão somente "poder de embaraço" ou "mobilização da vergonha". 7. Embora a Comissão Interamericana de Direitos Humanos já tenha se pronunciado sobre o tema "leis de desacato", não há precedente da Corte relacionada ao crime de desacato atrelado ao Brasil. 8. Ademais, a Corte Interamericana de Direitos Humanos se posicionou acerca da liberdade de expressão, rechaçando tratar-se de direito absoluto, como demonstrado no Marco Jurídico Interamericano sobre o Direito à Liberdade de Expressão. 9. Teste tripartite. Exige-se o preenchimento cumulativo de específicas condições emanadas do art. 13.2. da CADH, para que se admita eventual restrição do direito à liberdade de expressão. Em se tratando de limitação oriunda da norma penal, soma-se a este rol a estrita observância do princípio da legalidade. 10. Os vetores de hermenêutica dos Direitos tutelados na CADH encontram assento no art. 29 do Pacto de São José da Costa Rica, ao passo que o alcance das restrições se situa no dispositivo subsequente. Sob o prisma de ambos instrumentos de interpretação, não se vislumbra qualquer transgressão do Direito à Liberdade de Expressão pelo teor do art. 331 do Código Penal. 11. Norma que incorpora o preenchimento de todos os requisitos exigidos para que se admita a restrição ao direito de liberdade de expressão, tendo em vista que, além ser objeto de previsão legal com acepção precisa e clara, revela-se essencial, proporcional e idônea a resguardar a moral pública e, por conseguinte, a própria ordem pública. 12. A CIDH e a Corte Interamericana têm perfilhado o entendimento de que o exercício dos direitos humanos deve ser feito em respeito aos demais direitos, de modo que, no processo de harmonização, o Estado desempenha um papel crucial mediante o estabelecimento das responsabilidades ulteriores necessárias para alcançar tal equilíbrio exercendo o juízo de entre a liberdade de expressão manifestada e o direito eventualmente em conflito. 13. Controle de convencionalidade, que, na espécie, revela-se difuso, tendo por finalidade, de acordo com a doutrina, "compatibilizar verticalmente as normas domésticas (as espécies de leis, lato sensu, vigentes no país) com os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Estado e em vigor no território nacional." 14. Para que a produção normativa doméstica possa ter validade e, por conseguinte, eficácia, exige-se uma dupla compatibilidade vertical material. 15. Ainda que existisse decisão da Corte (IDH) sobre a preservação dos direitos humanos, essa circunstância, por si só, não seria suficiente a elidir a deliberação do Brasil acerca da aplicação de eventual julgado no seu âmbito doméstico, tudo isso por força da soberania que é inerente ao Estado. Aplicação da Teoria da Margem de Apreciação Nacional (margin of appreciation). 16. O desacato é especial forma de injúria, caracterizado como uma ofensa à honra e ao prestígio dos órgãos que integram a Administração Pública. Apontamentos da doutrina alienígena. 17. O processo de circunspeção evolutiva da norma penal teve por fim seu efetivo e concreto ajuste à proteção da condição de funcionário público e, por via reflexa, em seu maior espectro, a honra lato sensu da Administração Pública. 18. Preenchimento das condições antevistas no art. 13.2. do Pacto de São José da Costa Rica, de modo a acolher, de forma patente e em sua plenitude, a incolumidade do crime de desacato pelo ordenamento jurídico pátrio, nos termos em que entalhado no art. 331 do Código Penal. 19. Voltando-se às nuances que deram ensejo à impetração, deve ser mantido o acórdão vergastado em sua integralidade, visto que inaplicável o princípio da consunção tão logo quando do recebimento da denúncia, considerando que os delitos apontados foram, primo ictu oculi, violadores de tipos penais distintos e originários de condutas autônomas. 20. Habeas Corpus não conhecido. (HC 379.269/MS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Rel. p/ Acórdão Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/05/2017, DJe 30/06/2017)
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, não conhecer do habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, que lavrará o acórdão. Vencidos os Srs. Ministros Reynaldo Soares da Fonseca e Ribeiro Dantas, que não conheciam do habeas corpus e concediam a ordem de ofício para excluir da ação penal o crime de desacato e determinando o prosseguimento da ação penal, quanto aos delitos previstos nos arts. 306 do CTB e 330 do CP. Votaram com o Sr. Ministro Antonio Saldanha Palheiro (Relator para acórdão) os Srs. Ministros Felix Fischer, Maria Thereza de Assis Moura, Jorge Mussi, Rogerio Schietti Cruz e Nefi Cordeiro. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Joel Ilan Paciornik. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior. Sustentou oralmente o Adv. Elias Cesar Kesrouani pelo impetrante.

Data do Julgamento : 24/05/2017
Data da Publicação : DJe 30/06/2017
Órgão Julgador : S3 - TERCEIRA SEÇÃO
Relator(a) : Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA (1170)
Relator(a) p/ acórdão : Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (1182)
Relator a p acórdão : Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (1182)
Informações adicionais : (VOTO VISTA) (MIN. ROGERIO SCHIETTI CRUZ) [...]a manutenção do crime de desacato no ordenamento jurídico pelo Brasil não implica [...] o descumprimento do art. 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e do respectivo princípio da liberdade de expressão". "[...] esse dispositivo permite a criação de tipos penais que objetivem proteger, como bem jurídico digno de proteção, a honra subjetiva da pessoa humana, bem como o respeito à ordem e à moral públicas, de que devem ser destinatários os serviços prestados pelo Estado ao público em geral. Ademais, qualquer servidor, no exercício de uma função pública, ao tratar com o particular, deve merecer essa proteção, não tanto para tutelar a sua honra subjetiva - porque essa proteção já encontra guarida nos crimes contra a honra - mas para garantir o respeito que se deve destinar aos funcionários que representam e presentam o estado nos variados tipos de serviços públicos que são prestados". (VOTO VENCIDO) (MIN. REYNALDO SOARES DA FONSECA) "[...] a instância ordinária revisora entendeu que os crimes de desobediência e de desacato foram praticados em contextos fáticos distintos, configurando crimes autônomos. Entendimento em sentido contrário demandaria, necessariamente, o revolvimento do conjunto fático-probatório, inviável na via estreita do 'habeas corpus'". "[...] a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) já se pronunciou no sentido de que a criminalização do desacato contraria a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). O Princípio 11 da 'Declaração de Princípios sobre a liberdade de expressão' da Comissão Interamericana de Direitos Humanos é de clareza solar. Na colisão entre normas de direito interno e previsões da CADH, as regras de interpretação nela previstas (art. 29) determinam a prevalência da norma do tratado". "[...] inviabilizada a condenação por desacato com fundamento em norma interna incompatível com Tratado Internacional de Direitos Humanos (norma supralegal), do qual o Brasil é signatário".
Referência legislativa : LEG:FED LEI:009503 ANO:1997***** CTB-97 CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO ART:00306LEG:FED DEL:002848 ANO:1940***** CP-40 CÓDIGO PENAL ART:00330 ART:00331LEG:INT CVC:****** ANO:1969***** CADH CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS ART:00002 ART:00013 ITEM:00002 ART:00029 ART:00033 ART:00041 ART:00068(PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA, PROMULGADO PELO DECRETO 678/1992)LEG:FED DEC:000678 ANO:1992LEG:FED EMC:000045 ANO:2004LEG:FED CFB:****** ANO:1988***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ART:00005 PAR:00003LEG:INT DCL:000000 ANO:2000 NUM:00011(COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS - CIDH)
Veja : (TRATADOS SOBRE DIREITOS HUMANOS - CARÁTER SUPRALEGAL) STF - RE 466343(REPERCUSSÃO GERAL) STJ - REsp 914253-SP(HABEAS CORPUS - INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO -NECESSIDADE DE VALORAÇÃO PROBATÓRIA) STJ - RHC 59287-RS(VOTO VENCIDO - HABEAS CORPUS - ANÁLISE SOBRE A APLICAÇÃO DOPRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO - REVOLVIMENTO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO) STJ - HC 234231-MS, HC 315059-SP(VOTO VENCIDO - DESACATO - INCOMPATIBILIDADE DO TIPO PENAL COM ACONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS) STJ - REsp 1640084-SP
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