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Jurisprudência


MS 19311 / DFMANDADO DE SEGURANÇA2012/0220092-8

Ementa
DIREITO SANCIONADOR. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. EX-SERVIDOR PÚBLICO. AGENTE DA POLÍCIA FEDERAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO. IMPUTAÇÃO DE ATOS INCOMPATÍVEIS COM A ATIVIDADE POLICIAL TAMBÉM CAPITULADOS COMO CRIMES. SANÇÃO DE CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. INCOMPATIBILIDADE DA LEGISLAÇÃO QUE A ESTABELECE COM O ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL POSTERIOR À EC 20/98. INTERPRETAÇÃO CONFORME DO ART. 134 DA LEI 8.112/90, SEM PRONUNCIAMENTO DE SUA INCONSTITUCIONALIDADE. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. SEGURANÇA DENEGADA, COM RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. 1. Não prospera a alegação do impetrante de que seria necessário aguardar o trânsito em julgado da ação penal proposta em face do Servidor, onde são apurados os mesmos fatos objeto do PAD, para a aplicação da penalidade disciplinar, isto porque esta Corte Superior tem se manifestado pela desnecessidade de tal sobrestamento, tendo em vista a independência entre as esferas penal e administrativa 2. Não obstante a autonomia e independência das esferas penal e administrativas, em sede de prazo prescricional, caracterizando o fato simultaneamente ilícito penal e administrativo, o prazo para extinção da punibilidade do delito criminal deve ser aplicado na esfera funcional. Noticiam os autos que o impetrante foi condenado pelos crimes de corrupção ativa, contrabando, formação de quadrilha e crime contra a ordem econômica, aplicando-se, portanto o prazo prescricional com base na pena em concreto fixada pelo juízo criminal (13 anos e 6 meses), de modo que a prescrição da pretensão punitiva disciplinar no presente caso é de 20 (vinte) anos, na forma do inciso I do art. 109 do Código Penal. Constata-se, assim, que entre a data da ciência do fato (11.6.2004) e a instauração do procedimento disciplinar válido (10.9.2009), não decorreu, por óbvio, o prazo de 20 anos, não havendo como se reconhecer a prescrição suscitada pelo impetrante. 3. Sob outro enfoque, diante da transformação em contributiva da aposentadoria do Servidor Público, por alteração das disposições jurídico-constitucionais regentes de sua concessão, inseridas na Carta Magna pela EC 20/98 e seguintes, o entendimento jurisprudencial de que é possível a imposição da sanção de cassação da aposentadoria do ex-Servidor Público que houver praticado, na atividade, falta punível com a demissão, apurada em processo administrativo disciplinar, carece de atualização em sua interpretação, a fim de que seja redefinida a própria natureza jurídica da aposentadoria. 4. Antes da EC 20/98, a aposentadoria era reconhecida como um direito concedido ao Servidor, custeado ou bancado pelo Erário, em razão de haver ele alcançado determinado período de tempo na prestação de serviço público. A EC 20/98, dentre outras alterações, extinguiu a aposentadoria por tempo de serviço e criou a aposentadoria por tempo de contribuição: o benefício da aposentadoria perdeu a característica de simples mudança da situação funcional de ativo para inativo, resgatando a característica inerente a qualquer benefício de natureza previdenciária, qual seja, o recolhimento de contribuições para sua efetivação e custeio pelo Servidor em atividade. 5. Assim, a legislação que estabelece a pena de cassação de aposentadoria mostra-se incompatível com o atual ordenamento constitucional positivo, vigente após a edição da EC 20/98, dada a natureza contributiva do direito à inativação, não mais custeado ou bancado pelo Erário. 6. O colendo STF, realmente, não proclamou a inconstitucionalidade da sanção de cassação de aposentadoria do ex-Servidor, prevista no art. 134 da Lei 8.112/91, mas as decisões até então proferidas, no entanto, não analisaram a mudança de natureza da aposentadoria, o que se deu, frise-se, apenas após a vigência da EC 20/98. 7. Não se deve perder de vista, ainda, que a sanção de cassação da aposentadoria fere o direito adquirido do ex-Servidor Público, além do ato jurídico perfeito, tal como definido nos arts. 6o., § 1o. da LIDB, 186, I, § 1o. da Lei 8.112/90, 5o., XXXVI e 40, § 1o., I da Constituição Federal. Assim, a aposentadoria, sendo efetivada em conformidade com os ditames normativos vigentes à época de sua concessão, incorpora-se ao patrimônio do indivíduo, apenas podendo ser revogada por vício detectado no próprio contexto do ato de sua concessão, o que não se observa no presente caso. 8. Ademais, a aplicação da sanção de cassação da aposentadoria viola o princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que não se pode conceber como justa uma reprimenda que retira a fonte de subsistência do cidadão aposentado. Na verdade, a sanção de cassação de aposentadoria encerra maior dureza que a demissão, pois, além de privar o ex-Servidor dos proventos, o faz quando praticamente é impossível a reinserção no seletivo mercado de trabalho, reduzindo a pó as contribuições e investimentos por ele depositados no decorrer de toda a vida profissional. 9. Acrescente-se aqui, que o egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina já havia assentado esta diretriz, em importante julgado de relatoria do douto Desembargador NEWTON TRISOTTO, do qual se extrai que a pena de cassação da aposentadoria importa em violação não só aos princípios do direito adquirido e, eventualmente, ao princípio da intangibilidade do ato jurídico perfeito, mas também aos princípios da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana (Recurso de Decisão 2009.022346-1, DJU 24.2.2012). 10. No mesmo sentido da orientação firmada no julgado retro citado, confiram-se, ainda, estes importantíssimos precedentes: TJSP-MS 1.237.774-66.2012.8.26.0000, Rel. Des. PAULO DIMAS MASCARETTI, DJU 18.9.2013; TJPR-7a. C.Cível - AC - 14.76.580-7 - Curitiba - Rel. ANA PAULA KALED ACCIOLY RODRIGUES DA COSTA - Unânime - J. 9.8.2016 e TJSC-Agravo de Instrumento 2015.004902-2, da Capital, Rel. Des. PAULO HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVA, j. 27.10.2015. 11. Comungo às inteiras com o entendimento acima exposto, mas curvo-me ao posicionamento da 1a. Seção do Superior Tribunal de Justiça, já manifestado em outras oportunidades, quanto à constitucionalidade da pena aplicada, conforme atestam recentes precedentes. A orientação que hoje prevalece no STJ é a de que é legal a sanção de cassação de aposentadoria (MS 20.470/DF e MS 20.936/DF), de modo que a divergência tem valia apenas apenas como ponto de vista doutrinário minoritário, não suficiente, por enquanto, para servir de fundamento de decisões judiciais. 12. Segurança denegada, com ressalva do ponto de vista deste Relator. (MS 19.311/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/11/2016, DJe 02/02/2017)
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, que ressalvou seu ponto de vista. Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Assusete Magalhães, Sérgio Kukina, Regina Helena Costa e Gurgel de Faria (com ressalva) votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão. Sustentou, oralmente, a Dra. ELOISA FONTES TAVARES, pelo impetrante.

Data do Julgamento : 23/11/2016
Data da Publicação : DJe 02/02/2017
Órgão Julgador : S1 - PRIMEIRA SEÇÃO
Relator(a) : Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO (1133)
Informações adicionais : "[...] não se pode admitir empecilho à atividade jurisdicional no que concerne à análise da simetria entre a infração praticada e a penalidade imposta ao Servidor, uma vez que a imposição de sanções - tanto na esfera administrativa quanto na penal - deve se fiar rigorosamente aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e individualização das penas; [...]". (RESSALVA DE ENTENDIMENTO) (MIN. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO) "[...] no atual sistema contributivo de Regime Próprio, o aposentado não mais é um Servidor Público. Ao se aposentar, há vacância do cargo e não se poderia mais romper um vínculo funcional não mais existente, por meio da cassação de aposentadoria, em razão de mau serviço prestado. Preenchidos os requisitos de fruição do benefício em um sistema contributivo, a aposentadoria não pode ser cassada por motivos relacionados a atos de serviço, mas somente se houver vício no preenchimento dos pressupostos de aposentação, como é o caso de fraude em contagem de serviço".
Referência legislativa : LEG:FED DEL:002848 ANO:1940***** CP-40 CÓDIGO PENAL ART:00109 INC:00001 ART:00110LEG:FED EMC:000020 ANO:1998LEG:FED CFB:****** ANO:1988***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ART:00005 INC:00036 ART:00040 PAR:00001 INC:00001LEG:FED EMC:000041 ANO:2003LEG:FED DEL:004657 ANO:1942***** LINDB-42 LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO ART:00006 PAR:00001LEG:FED LEI:008112 ANO:1990***** RJU-90 REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS DAUNIÃO ART:00186 INC:00001 PAR:00001
Veja : (PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - SIMETRIA ENTRE INFRAÇÃO EPENALIDADE - APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO) STJ - RMS 20665-SC(APLICAÇÃO DE SANÇÃO ADMINISTRATIVA - DESNECESSIDADE DO TRÂNSITO EMJULGADO DO PROCESSO PENAL) STJ - MS 20685-DF, AgRg no RMS 33949-PE(PRESCRIÇÃO PENAL - FATO QUE CONFIGURA ILÍCITO PENAL EADMINISTRATIVO - APLICAÇÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA) STJ - AgRg no RMS 45618-RS, AgRg no AREsp 155697-MS, RMS 30002-RS(PENA DE CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA - CONSTITUCIONALIDADE) STJ - MS 20470-DF, MS 20936-DF
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