MS 20149 / DFMANDADO DE SEGURANÇA2013/0132640-8
MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ANISTIADO POLÍTICO, EX-INTEGRANTE DA AERONÁUTICA. PORTARIA QUE CONCEDEU ANISTIA POLÍTICA ANULADA PELO MINISTRO DA JUSTIÇA (TERCEIRA FASE), MAIS DE 5 ANOS APÓS A SUA PUBLICAÇÃO. DECADÊNCIA. ART. 54 DA LEI 9.784/99. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ EM PROCESSO ADMINISTRATIVO. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. ORDEM CONCEDIDA.
1. O direito líquido e certo a que alude o art. 5o., LXIX da Constituição Federal é aquele cuja existência e delimitação são passíveis de demonstração documental, não lhe turvando o conceito a sua complexidade ou densidade. Dessa forma, deve o impetrante demonstrar, já com a petição inicial, no que consiste a ilegalidade ou a abusividade que pretende ver expungida e comprovar, de plano, os fatos ali suscitados, de modo que seja despicienda qualquer dilação probatória, incabível no procedimento da ação mandamental.
2. É lição constante (e antiga) dos tratadistas de Direito Civil que o instituto da decadência serve ao propósito da pacificação social, da segurança jurídica e da justiça, por isso que somente em situações de absoluta excepcionalidade se admite a revisão de situações jurídicas sobre as quais o tempo já estendeu o seu manto impenetrável; o Direito Público incorpora essa mesma orientação, com o fito de aquietar as relações do indivíduo com o Estado.
3. O art. 54 da Lei 9.784/99 prevê um prazo decadencial de 5 anos, a contar da data da vigência do ato administrativo viciado, para que a Administração anule os atos que gerem efeitos favoráveis aos seus destinatários. Após o transcurso do referido prazo decadencial quinquenal sem que ocorra o desfazimento do ato, prevalece a segurança jurídica em detrimento da legalidade da atuação administrativa.
4. Tratando-se de prazo decadencial, não há que se falar em suspensão ou interrupção do prazo. Entretanto, a Lei 9.784/99 adotou um critério amplo para a configuração do exercício da autotutela, bastando uma medida de autoridade que implique impugnação do ato (art. 54, § 2o.).
5. O § 2o. do art. 54 da Lei 9.784/99 deve ser interpretado em consonância com a regra geral prevista no caput, sob pena de tornar inócuo o limite temporal mitigador do poder-dever da Administração de anular seus atos, motivo pelo qual não se deve admitir que os atos preparatórios para a instauração do processo de anulação do ato administrativo sejam considerados como exercício do direito de autotutela.
6. Ressalta-se que essas singelas digressões são as consuetudinárias para resguardar a segurança jurídicas nesses casos.
7. Todavia a Primeira Seção desta egrégia Corte Superior estabeleceu distinções referente à analise dos atos administrativos que culminaram na abertura de processo administrativo para anulação da Anistia concedida aos militares com base na Portaria 1.104/1964, quais sejam: a) edição da Portaria Interministerial 134/2011, que instituiu grupo de trabalho para revisão dos atos concessivos (primeira fase);
b) despacho do Ministro da Justiça determinando a instauração do procedimento administrativo específico em relação a cada anistiado (segunda fase);
c) eventual anulação da anistia após o procedimento administrativo (terceira fase).
8. Nos dois primeiros casos, entende-se pela impossibilidade de análise da existência de direito líquido e certo, porquanto o art.
54 da Lei 9.784/99 prevê inexistir prazo para a Administração rever seus atos, quando presente a má-fé.
9. Foi decidido que não se poderia aferir, de plano, a decadência na via mandamental, uma vez que tanto a instituição de grupos de trabalhos para revisão dos atos concessivos de anistia pela edição da Portaria Interministerial 134/2011 quanto o despacho do Ministro da Justiça para instauração do procedimento administrativo específico em relação a cada anistiado limitaram-se a abrir discussão sobre a legalidade do ato de anistia na seara administrativa (cf. MS 18.149/DF, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 9.6.2015) 10. No entanto, apenas no terceiro caso, é identificado o interesse de agir da parte Impetrante e, eventualmente, a possibilidade se reconhecer a decadência prevista no art. 54 da Lei 9.784/99. A anulação da anistia seria o ato que, em tese, ofenderia o direito líquido e certo do Impetrante.
11. No caso dos autos a hipótese decorre de anulação da anistia após o procedimento administrativo (terceira fase). O Ministro de Estado da Justiça expediu a Portaria Ministerial 1.497, de 5.4.2013, a qual anulou o ato que concedeu a anistia política. Impõe-se reconhecer a ocorrência da decadência, já que entre a Portaria, concessiva da anistia, 2.244, de 29.11.2005 e a Portaria Ministerial, que anulou o ato que concedeu a anistia política da parte Impetrante, decorreu o lapso temporal quinquenal. Ademais não restou comprovado a má-fé da parte beneficiária.
12. Ordem concedida para reconhecer a ocorrência da decadência da Administração em anular a anistia concedida ao impetrante.
(MS 20.149/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/09/2015, DJe 07/10/2015)
Ementa
MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ANISTIADO POLÍTICO, EX-INTEGRANTE DA AERONÁUTICA. PORTARIA QUE CONCEDEU ANISTIA POLÍTICA ANULADA PELO MINISTRO DA JUSTIÇA (TERCEIRA FASE), MAIS DE 5 ANOS APÓS A SUA PUBLICAÇÃO. DECADÊNCIA. ART. 54 DA LEI 9.784/99. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ EM PROCESSO ADMINISTRATIVO. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. ORDEM CONCEDIDA.
1. O direito líquido e certo a que alude o art. 5o., LXIX da Constituição Federal é aquele cuja existência e delimitação são passíveis de demonstração documental, não lhe turvando o conceito a sua complexidade ou densidade. Dessa forma, deve o impetrante demonstrar, já com a petição inicial, no que consiste a ilegalidade ou a abusividade que pretende ver expungida e comprovar, de plano, os fatos ali suscitados, de modo que seja despicienda qualquer dilação probatória, incabível no procedimento da ação mandamental.
2. É lição constante (e antiga) dos tratadistas de Direito Civil que o instituto da decadência serve ao propósito da pacificação social, da segurança jurídica e da justiça, por isso que somente em situações de absoluta excepcionalidade se admite a revisão de situações jurídicas sobre as quais o tempo já estendeu o seu manto impenetrável; o Direito Público incorpora essa mesma orientação, com o fito de aquietar as relações do indivíduo com o Estado.
3. O art. 54 da Lei 9.784/99 prevê um prazo decadencial de 5 anos, a contar da data da vigência do ato administrativo viciado, para que a Administração anule os atos que gerem efeitos favoráveis aos seus destinatários. Após o transcurso do referido prazo decadencial quinquenal sem que ocorra o desfazimento do ato, prevalece a segurança jurídica em detrimento da legalidade da atuação administrativa.
4. Tratando-se de prazo decadencial, não há que se falar em suspensão ou interrupção do prazo. Entretanto, a Lei 9.784/99 adotou um critério amplo para a configuração do exercício da autotutela, bastando uma medida de autoridade que implique impugnação do ato (art. 54, § 2o.).
5. O § 2o. do art. 54 da Lei 9.784/99 deve ser interpretado em consonância com a regra geral prevista no caput, sob pena de tornar inócuo o limite temporal mitigador do poder-dever da Administração de anular seus atos, motivo pelo qual não se deve admitir que os atos preparatórios para a instauração do processo de anulação do ato administrativo sejam considerados como exercício do direito de autotutela.
6. Ressalta-se que essas singelas digressões são as consuetudinárias para resguardar a segurança jurídicas nesses casos.
7. Todavia a Primeira Seção desta egrégia Corte Superior estabeleceu distinções referente à analise dos atos administrativos que culminaram na abertura de processo administrativo para anulação da Anistia concedida aos militares com base na Portaria 1.104/1964, quais sejam: a) edição da Portaria Interministerial 134/2011, que instituiu grupo de trabalho para revisão dos atos concessivos (primeira fase);
b) despacho do Ministro da Justiça determinando a instauração do procedimento administrativo específico em relação a cada anistiado (segunda fase);
c) eventual anulação da anistia após o procedimento administrativo (terceira fase).
8. Nos dois primeiros casos, entende-se pela impossibilidade de análise da existência de direito líquido e certo, porquanto o art.
54 da Lei 9.784/99 prevê inexistir prazo para a Administração rever seus atos, quando presente a má-fé.
9. Foi decidido que não se poderia aferir, de plano, a decadência na via mandamental, uma vez que tanto a instituição de grupos de trabalhos para revisão dos atos concessivos de anistia pela edição da Portaria Interministerial 134/2011 quanto o despacho do Ministro da Justiça para instauração do procedimento administrativo específico em relação a cada anistiado limitaram-se a abrir discussão sobre a legalidade do ato de anistia na seara administrativa (cf. MS 18.149/DF, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 9.6.2015) 10. No entanto, apenas no terceiro caso, é identificado o interesse de agir da parte Impetrante e, eventualmente, a possibilidade se reconhecer a decadência prevista no art. 54 da Lei 9.784/99. A anulação da anistia seria o ato que, em tese, ofenderia o direito líquido e certo do Impetrante.
11. No caso dos autos a hipótese decorre de anulação da anistia após o procedimento administrativo (terceira fase). O Ministro de Estado da Justiça expediu a Portaria Ministerial 1.497, de 5.4.2013, a qual anulou o ato que concedeu a anistia política. Impõe-se reconhecer a ocorrência da decadência, já que entre a Portaria, concessiva da anistia, 2.244, de 29.11.2005 e a Portaria Ministerial, que anulou o ato que concedeu a anistia política da parte Impetrante, decorreu o lapso temporal quinquenal. Ademais não restou comprovado a má-fé da parte beneficiária.
12. Ordem concedida para reconhecer a ocorrência da decadência da Administração em anular a anistia concedida ao impetrante.
(MS 20.149/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/09/2015, DJe 07/10/2015)Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
PRIMEIRA Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos
votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder
a segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Benedito
Gonçalves, Assusete Magalhães, Sérgio Kukina, Regina Helena Costa,
Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região) e Humberto
Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.
Data do Julgamento
:
23/09/2015
Data da Publicação
:
DJe 07/10/2015
Órgão Julgador
:
S1 - PRIMEIRA SEÇÃO
Relator(a)
:
Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO (1133)
Referência legislativa
:
LEG:FED CFB:****** ANO:1988***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ART:00005 INC:00069LEG:FED LEI:009784 ANO:1999***** LPA-99 LEI DE PROCESSO ADMINISTRATIVO ART:00001 PAR:00002 ART:00054 PAR:00002LEG:FED PRT:000134 ANO:2011(MINITÉRIO DA JUSTIÇA-AGU)LEG:FED PRT:001497 ANO:2012(MINISTÉRIO DA JUSTIÇA)
Veja
:
STJ - MS 15346-DF, MS 18554-DF, MS 18678-DF
Sucessivos
:
MS 18747 DF 2012/0126934-8 Decisão:23/09/2015
DJe DATA:07/10/2015MS 18914 DF 2012/0158280-1 Decisão:23/09/2015
DJe DATA:07/10/2015MS 18984 DF 2012/0163854-5 Decisão:23/09/2015
DJe DATA:07/10/2015
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