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Jurisprudência


MS 20367 / DFMANDADO DE SEGURANÇA2013/0261261-6

Ementa
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL. ANISTIA POLÍTICA. ART. 8° DO ADCT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, E LEI 10.559/2002. EX-EMPREGADOS DO ARSENAL DE MARINHA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. NATUREZA JURÍDICA DE ÓRGÃO PÚBLICO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA, SUBORDINADO AO MINISTÉRIO DA MARINHA. APLICABILIDADE DA EXCEÇÃO CONTIDA NO § 5° DO ART. 8° DO ADCT E NO INCISO IX DO ART. 2° DA LEI 10.559/2002. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. SEGURANÇA DENEGADA. 1. Pretendem os impetrantes, ex-empregados do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, a concessão da segurança para anular os atos coatores que indeferiram os requerimentos de anistia por eles formulados, ao entendimento de que os impetrantes se enquadrariam na exceção prevista no § 5° do art. 8° do ADCT e no art. 2°, IX, da Lei 10.559/2002, que veda o reconhecimento da anistia aos empregados nos Ministérios Militares, como seria o caso do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro. Sustentam, para tanto, que o Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro trata-se de empresa pública federal vinculada ao então Ministério da Marinha, sem subordinação, prestando serviços para embarcações privadas e explorando atividade econômica. 2. Preliminar de inadequação da via eleita rejeitada. Inexiste vedação do Poder Judiciário de proceder ao controle do ato apontado como coator, haja vista que a controvérsia circunscreve-se ao enquadramento ou não dos impetrantes na exceção da regra contida no § 5° do art. 8° do ADCT e no inciso IX do art. 2° da Lei 10.559/2002, tratando-se de mero controle de legalidade do referido ato, o que, inclusive, dispensa dilação probatória, ainda mais frente à natureza de ato administrativo vinculado da anistia política (RMS 25988, Rel. Min. EROS GRAU, Segunda Turma do STF, julgado em 09/03/2010). 3. Mérito. A controvérsia posta em debate circunscreve-se ao enquadramento ou não dos impetrantes na exceção contida no § 5° do art. 8° do ADCT, da CF/88, e no inciso IX do art. 2° da Lei 10.559/2002, segundo os quais o direito à anistia aplica-se apenas aos servidores públicos civis e aos empregados em todos os níveis de governo ou em suas fundações, empresas públicas ou empresas mistas ou sob controle estatal, "EXCETO NOS MINISTÉRIOS MILITARES", que tenham sido punidos ou demitidos por atividades profissionais interrompidas em virtude de decisão de seus trabalhadores ou em decorrência do Decreto-Lei 1.632/1978 ou por motivos exclusivamente políticos, estando assegurada a readmissão dos que foram atingidos a partir de 1979. Assim, o desfecho da controvérsia pressupõe a interpretação da norma constitucional no trecho em que veda a concessão da anistia àqueles empregados "nos Ministérios militares". Para tanto exige-se o exame da própria natureza jurídica do ARSENAL DE MARINHA DO RIO DE JANEIRO - AMRJ, se era mero órgão da Administração Direta subordinado ao Ministério da Marinha (atual Comando da Marinha) ou se tratava-se de empresa pública federal, integrante da Administração Pública Indireta e vinculada ao Ministério da Marinha, sem subordinação. 4. Do exame das normas aplicáveis à espécie, em especial do Decreto 58.678/1966, vigente ao tempo da demissão dos impetrantes, observa-se que o Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro - AMRJ trata-se de estabelecimento industrial destinado aos serviços de construção e reparos de navios e embarcações da Marinha do Brasil (MB), subordinado militar, técnica e administrativamente à Marinha do Brasil, sendo-lhe afetos outros serviços correlatos, a critério do Ministério da Marinha, devendo submeter à consideração do Ministro da Marinha seu Regimento Interno e a proposta para o seu orçamento anual e pedidos de suplementação de verbas necessárias aos serviços que lhe forem programados, além de contar com quadro de pessoal próprio e Conselho Administrativo e Econômico, além de possuir nítida função estratégica, sendo tido como uma Organização Militar subordinada ao Ministério da Marinha. 5. Reforça esse entendimento a edição da Lei 9.724, de 1° de dezembro de 1998, que, com base no art. 37, § 8°, da CF/88, com redação dada pela EC 19/1998, autorizou o Poder Executivo a qualificar como "Organizações Militares Prestadoras de Serviços - OMPS" as Organizações Militares da Marinha que atendessem determinados requisitos e cumprissem as metas estipuladas no Plano em contrato de autonomia de gestão celebrado com o Poder Público, conferindo-lhes, autonomia gerencial, orçamentária e financeira, sujeitas, contudo, ao controle por tomada de contas pelos órgãos da estrutura de controle interno da Marinha, como o foi o caso do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro - AMRJ, por meio do Decreto 3.011, de 30 de março de 1999. 6. Diante deste panorama e do exame atento das normas aplicáveis, vigentes ao tempo dos fatos e também das normas posteriores, não há dúvidas de que CARECE, E SEMPRE CARECEU, O ARSENAL DE MARINHA DO RIO DE JANEIRO - AMRJ DA NATUREZA JURÍDICA DE EMPRESA PÚBLICA, haja vista que, a par de ter sido criado por lei, não possuía personalidade jurídica de direito privado (S/A, Ltda, etc), tratando-se de mero estabelecimento industrial ou, melhor dizendo, de Organização Militar; não possui patrimônio e receita própria, tendo que submeter ao Ministério da Marinha o seu orçamento anual; subordinava-se ao Ministério Militar, tanto militarmente, como tecnicamente e administrativamente, ou seja, não era apenas vinculado aos Ministério em cuja área de competência estiver enquadrada sua principal atividade, estando ausente aqueles requisitos previstos no art. 5°, II, do Decreto 200/1967, com redação dada pelo Decreto-Lei 900/1969, para seu enquadramento como Empresa Pública. 7. Destaque-se, ainda, que o Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro - AMRJ está cadastrado junto à Secretária da Receita Federal como Órgão Público do Poder Executivo Federal (cód. 101-5), integrante do Comando da Marinha (CNPJ 00.394.502/0014-69), o que só reforça a sua natureza jurídica de órgão da Administração Pública Direta, integrante do Comando da Marinha. 8. Assim, tendo o constituinte originário concedido a anistia política apenas aos servidores públicos civis e aos empregados públicos em todos os níveis de governo ou em suas fundações, empresas públicas ou empresas mistas sob o controle estatal, excluídos aqueles servidores públicos e empregados nos Ministérios militares, e se tratando o Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro - AMRJ de mero órgão militar, subordinado ao Ministério da Marinha, não há dúvidas de que os impetrantes não fazem jus à anistia política pretendida. 9. Não há espaço para uma interpretação ampliativa da norma do art. 8° do ADCT, porquanto a norma constitucional do § 5° do art. 8° do ADCT é clara e dispensa maiores interpretações, estando evidenciada a clara vontade do constituinte originário de excepcionar do direito da anistia àqueles funcionários e servidores dos Ministérios militares, de forma que decidir em sentido contrário ao que objetivou o legislador constituinte, afastando a referida exceção, é decidir contra legem e incorreria em patente inconstitucionalidade. 10. Não há que se falar em violação ao Princípio da Vedação ao Retrocesso, posto que o referido princípio impede apenas que determinados direitos fundamentais conquistados ao longo do tempo sejam objetos de retrocesso, como seria o caso do restabelecimento por uma nova ordem jurídica da pena de morte, o que não é o caso da presente, isto porque a concessão de anistia política é decisão estritamente política, além de que a Emenda Constitucional 26/1985 concedeu anistia a todos os servidores públicos civis da Administração direta e indireta e aos militares punidos por atos de exceção, institucionais ou complementares, no período de 02/09/1961 a 15/08/1979, enquanto que a Nova Ordem Constitucional reconheceu o direito a anistia em relação aos atos praticados em período mais abrangente, in casu de 18/09/1946 até 05/10/1988, nada impedindo o constituinte originário de limitar tal benesse a determinadas pessoas, excluindo outras, frente à sua natureza ilimitada juridicamente, incondicional e soberana, que rompe, por completo, com a ordem jurídica precedente, ainda mais por que os fatos objeto do presente mandamus se deram nos idos de 1985, sequer estando abarcados pela norma constitucional pretérita, inexistindo assim qualquer violação ao princípio da vedação ao retrocesso, pois o Constituinte de 1988 não limitou direitos fundamentais já assegurados por norma constitucional anterior. 11. O Supremo Tribunal Federal inadmite a tese das "normas constitucionais inconstitucionais", ou seja, de normas contraditórias advindas do Poder Constituinte Originário. De modo que, se o intérprete da Constituição se deparar com duas ou mais normas aparentemente contraditórias, caber-lhe-á compatibilizá-las, de forma que ambas continuem vigentes. Não há que se falar em controle de constitucionalidade de normas constitucionais, produto do trabalho do Poder Constituinte Originário. O Supremo Tribunal Federal apenas admite a possibilidade de Controle de Constitucionalidade em relação ao Poder Constituinte Derivado, apreendendo-se, portanto, que as revisões e as emendas devem estar balizadas pelos parâmetros estabelecidos na Carta Magna. Precedentes: ADI 815/RS, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 28/03/1996, DJ 10-05-1996; ADI 466 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 03/04/1991, DJ 10-05-1991. 12. Assim, por força do Princípio da Unicidade das normas constitucionais, não há que se falar em contradição entre as disposições contidas no § 5° do art. 8° do ADCT e os princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia, devendo tais disposições ser interpretadas em conjunto, de modo a concluir-se que a opção do constituinte originário de excepcionar o direito à anistia aos funcionários e servidores nos Ministérios Militares não vai de encontro aos princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia, porquanto tratou-se de opção do próprio constituinte originário de não conceder a anistia a estas pessoas. 13. Consoante bem decidiu o Tribunal Pleno do Pretório Excelso no julgamento da ADPF 153, rel. Min. Eros Grau, julg. em 29/4/2010, Dje 05/08/2010, não cabe ao Poder Judiciário rever o acordo político que, na transição do regime militar para a democracia, resultou na concessão de anistia a todos aqueles que cometeram crimes políticos e conexos. 14. Segurança denegada. (MS 20.367/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/05/2017, DJe 21/06/2017)
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento: "Prosseguindo no julgamento, a Seção, por maioria, vencido o Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, denegou a segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator." Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves (voto-vista), Assusete Magalhães, Sérgio Kukina, Regina Helena Costa, Gurgel de Faria, Francisco Falcão e Og Fernandes votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Herman Benjamin.

Data do Julgamento : 24/05/2017
Data da Publicação : DJe 21/06/2017
Órgão Julgador : S1 - PRIMEIRA SEÇÃO
Relator(a) : Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES (1141)
Referência legislativa : LEG:FED CFB:****** ANO:1988***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ART:00037 PAR:00008(COM A REDAÇÃO DADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL 19/1998)LEG:FED CFB:****** ANO:1946***** ADCT-46 ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS ART:00008 PAR:00005LEG:FED EMC:000019 ANO:1998LEG:FED EMC:000026 ANO:1985LEG:FED LEI:010559 ANO:2002 ART:00002 INC:00009LEG:FED LEI:009724 ANO:1998LEG:FED LEI:006683 ANO:1979LEG:FED DEC:058678 ANO:1966LEG:FED DEC:000200 ANO:1967 ART:00005 INC:00002(ART. 5 COM A REDAÇÃO DADA PELO DECRETO 900/1969)LEG:FED DEC:000900 ANO:1969LEG:FED DEC:001632 ANO:1978
Veja : (ANISTIA POLÍTICA - PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS - ATO VINCULADO) STF - RMS 25988-DF(NORMAS CONSTITUCIONAIS ORIGINÁRIAS - IMPOSSIBILIDADE DE CONTROLE DECONSTITUCIONALIDADE - INEXISTÊNCIA DE HIERARQUIA) STF - ADI 815-RS, ADI 466(LEI DE ANISTIA - INTERVENÇÃO JUDICIAL NA DECISÃO POLÍTICA -IMPOSSIBILIDADE) STF - ADPF 153
Sucessivos : MS 20361 DF 2013/0254418-6 Decisão:24/05/2017 DJe DATA:21/06/2017
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