MS 20457 / DFMANDADO DE SEGURANÇA2013/0317372-4
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROGRAMA "MAIS MÉDICOS PARA O BRASIL". MP 621/2013. IMPETRAÇÃO VOLTADA CONTRA ATO DO MINISTRO DA SAÚDE QUE INDEFERIU A INSCRIÇÃO DO DEMANDANTE.
PRINCÍPIO IN DUBIO POR SALUTE.
1. Cuida-se de Mandado de Segurança contra ato do Ministro da Saúde que indeferiu a inscrição do demandante no programa "Mais Médicos para o Brasil", criado pela MP 621/2013. No caso, o requerente aduz que é médico formado pela Universidad de La Integración de Las Américas Unida, em Assunção, no Paraguai, e que não conseguiu fazer sua inscrição diante de pendência acusada pelo sítio eletrônico do Ministério da Saúde, que exibe a mensagem "dados profissionais CRM inválido".
2. Duas faces da mesma moeda, vida e saúde corporificam, na Constituição e na sistema infraconstitucional brasileiros, valores éticos, políticos e jurídicos primordiais e preeminentes do nosso Estado Social de Direito, cuja compreensão e respeito, por todos, espelham a imagem mais acabada daquilo que chamamos de civilização.
Por isso mesmo, a atividade do legislador, administrador e juiz deve orientar-se pelo princípio in dubio pro salute.
3. De que existe grave crise no sistema de saúde pública ninguém duvida. Que as suas maiores vítimas são os pobres, sobretudo os das regiões mais longínquas e abandonadas do País, também ninguém ousará negar. Que, sem médico, a minuciosa proteção constitucional e legal da vida e saúde não passará de garantia retórica, de tão óbvio, impossível questionar. E, finalmente, que o enfrentamento da histórica omissão do Estado diante dessa catástrofe coletiva - que há de nos envergonhar, particularmente perante nossa consciência - não deveria despertar objeção alguma. É sob esse pano de fundo que se põe o exame judicial do Programa "Mais Médicos para o Brasil".
4. O livre exercício de qualquer profissão constitui direito fundamental assegurado pela Constituição da República nos termos do seu art. 5º, XIII, estando sujeito, todavia, a qualificações profissionais que a lei determinar. Regulamentando esse dispositivo, o art. 17 da Lei 3.268/1957 prescreveu que os médicos só poderão exercer legalmente a medicina após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina. Logo, o exercício da profissão é privativo dos inscritos no Conselho Regional de Medicina (art. 6º da Lei 12.842/2013), para o que deverão ser atendidos todos os requisitos constantes do art. 1º, § 1º, do Decreto 44.045/1958, além de outros que os Conselhos Regionais julgarem necessários (§ 3º).
5. De forma não muito diferente, a MP 621/2013 especificou que os candidatos a ingressar no programa "Mais Médicos para o Brasil" devem comprovar sua habilitação para o exercício da medicina, consoante previsão dos arts. 7º, § 1º, II, § 2º, II, 9º, § 1º, II, da MP 621/2013 e do art. 19 da Portaria Interministerial 1.369/2013.
A exigência em tela se aplica tanto para o médico formado em território nacional como para o formado em solo estrangeiro, hipótese em que deverá demonstrar sua habilitação para o exercício da medicina no exterior.
6. Na espécie analisada, não há prova pré-constituída de que o impetrante tenha habilitação profissional para o exercício da medicina em solo nacional ou estrangeiro. Pelo contrário, as informações trazidas pela autoridade coatora dão conta de que o requerente "não possui nem mesmo registro para o exercício profissional no Paraguai" e tampouco diploma revalidado por universidade pública brasileira. Descumprimento dos arts. 7º, § 1º, II, § 2º, II, 9º, § 1º, II, da MP 621/2013 e do art. 19 da Portaria Interministerial 1.369/2013.
7. Embora o requerente indique causa externa como responsável pelo indeferimento de sua inscrição - "ato arbitrário" do Poder Público -, em realidade, o óbice que impede seu ingresso no programa situa-se exclusivamente em sua órbita pessoal, já que não reúne as condições próprias reclamadas pela legislação para o exercício lícito da medicina no País.
8. Outrossim, o fato de o impetrante ter-se formado em medicina em Assunção, no Paraguai, também não se harmoniza com o art. 19 da Portaria Interministerial 1.369/2013. Isso porque o país vizinho possui índice estatístico de apenas 1,1 médico por mil habitantes, e a norma brasileira restringe o acesso do programa apenas aos profissionais habilitados para o exercício da medicina em país que apresente relação estatística médico/habitante igual ou superior a 1,8/1.000, o que tem por finalidade compatibilizar a reestruturação interna do sistema de saúde com o compromisso firmado no cenário internacional, lastreado em princípios éticos, de modo a evitar que o desenvolvimento desse novo programa venha a agravar a precariedade dos serviços de saúde em países que apresentem relação estatística médico/habitante menor que a do Brasil. Realmente, dispensa mais justificativas reconhecer que a superação das notórias dificuldades que nos afligem, ao efetivar direitos humanos individuais e sociais, seja na saúde, seja na educação - por outras palavras, a felicidade como Nação -, não deve ser alcançada à custa da desgraça ou espoliação de outros povos. Errará gravemente quem pretender assegurar dignidade aos brasileiros semeando ou desconsiderando a indignidade além de nossas fronteiras.
9. A alegação de que já reside no Brasil e, assim, nenhum prejuízo traria ao Paraguai também não encontra lastro na documentação juntada, uma vez que o único comprovante consiste em extrato de medição e cobrança do consumo de água lançado em nome da mãe do impetrante, o que não autoriza presumir que o autor resida nesse mesmo endereço. Argumento, ademais, que não supera o óbice relativo à ausência de habilitação profissional.
10. Segurança denegada.
(MS 20.457/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/09/2013, DJe 24/10/2016)
Ementa
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROGRAMA "MAIS MÉDICOS PARA O BRASIL". MP 621/2013. IMPETRAÇÃO VOLTADA CONTRA ATO DO MINISTRO DA SAÚDE QUE INDEFERIU A INSCRIÇÃO DO DEMANDANTE.
PRINCÍPIO IN DUBIO POR SALUTE.
1. Cuida-se de Mandado de Segurança contra ato do Ministro da Saúde que indeferiu a inscrição do demandante no programa "Mais Médicos para o Brasil", criado pela MP 621/2013. No caso, o requerente aduz que é médico formado pela Universidad de La Integración de Las Américas Unida, em Assunção, no Paraguai, e que não conseguiu fazer sua inscrição diante de pendência acusada pelo sítio eletrônico do Ministério da Saúde, que exibe a mensagem "dados profissionais CRM inválido".
2. Duas faces da mesma moeda, vida e saúde corporificam, na Constituição e na sistema infraconstitucional brasileiros, valores éticos, políticos e jurídicos primordiais e preeminentes do nosso Estado Social de Direito, cuja compreensão e respeito, por todos, espelham a imagem mais acabada daquilo que chamamos de civilização.
Por isso mesmo, a atividade do legislador, administrador e juiz deve orientar-se pelo princípio in dubio pro salute.
3. De que existe grave crise no sistema de saúde pública ninguém duvida. Que as suas maiores vítimas são os pobres, sobretudo os das regiões mais longínquas e abandonadas do País, também ninguém ousará negar. Que, sem médico, a minuciosa proteção constitucional e legal da vida e saúde não passará de garantia retórica, de tão óbvio, impossível questionar. E, finalmente, que o enfrentamento da histórica omissão do Estado diante dessa catástrofe coletiva - que há de nos envergonhar, particularmente perante nossa consciência - não deveria despertar objeção alguma. É sob esse pano de fundo que se põe o exame judicial do Programa "Mais Médicos para o Brasil".
4. O livre exercício de qualquer profissão constitui direito fundamental assegurado pela Constituição da República nos termos do seu art. 5º, XIII, estando sujeito, todavia, a qualificações profissionais que a lei determinar. Regulamentando esse dispositivo, o art. 17 da Lei 3.268/1957 prescreveu que os médicos só poderão exercer legalmente a medicina após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina. Logo, o exercício da profissão é privativo dos inscritos no Conselho Regional de Medicina (art. 6º da Lei 12.842/2013), para o que deverão ser atendidos todos os requisitos constantes do art. 1º, § 1º, do Decreto 44.045/1958, além de outros que os Conselhos Regionais julgarem necessários (§ 3º).
5. De forma não muito diferente, a MP 621/2013 especificou que os candidatos a ingressar no programa "Mais Médicos para o Brasil" devem comprovar sua habilitação para o exercício da medicina, consoante previsão dos arts. 7º, § 1º, II, § 2º, II, 9º, § 1º, II, da MP 621/2013 e do art. 19 da Portaria Interministerial 1.369/2013.
A exigência em tela se aplica tanto para o médico formado em território nacional como para o formado em solo estrangeiro, hipótese em que deverá demonstrar sua habilitação para o exercício da medicina no exterior.
6. Na espécie analisada, não há prova pré-constituída de que o impetrante tenha habilitação profissional para o exercício da medicina em solo nacional ou estrangeiro. Pelo contrário, as informações trazidas pela autoridade coatora dão conta de que o requerente "não possui nem mesmo registro para o exercício profissional no Paraguai" e tampouco diploma revalidado por universidade pública brasileira. Descumprimento dos arts. 7º, § 1º, II, § 2º, II, 9º, § 1º, II, da MP 621/2013 e do art. 19 da Portaria Interministerial 1.369/2013.
7. Embora o requerente indique causa externa como responsável pelo indeferimento de sua inscrição - "ato arbitrário" do Poder Público -, em realidade, o óbice que impede seu ingresso no programa situa-se exclusivamente em sua órbita pessoal, já que não reúne as condições próprias reclamadas pela legislação para o exercício lícito da medicina no País.
8. Outrossim, o fato de o impetrante ter-se formado em medicina em Assunção, no Paraguai, também não se harmoniza com o art. 19 da Portaria Interministerial 1.369/2013. Isso porque o país vizinho possui índice estatístico de apenas 1,1 médico por mil habitantes, e a norma brasileira restringe o acesso do programa apenas aos profissionais habilitados para o exercício da medicina em país que apresente relação estatística médico/habitante igual ou superior a 1,8/1.000, o que tem por finalidade compatibilizar a reestruturação interna do sistema de saúde com o compromisso firmado no cenário internacional, lastreado em princípios éticos, de modo a evitar que o desenvolvimento desse novo programa venha a agravar a precariedade dos serviços de saúde em países que apresentem relação estatística médico/habitante menor que a do Brasil. Realmente, dispensa mais justificativas reconhecer que a superação das notórias dificuldades que nos afligem, ao efetivar direitos humanos individuais e sociais, seja na saúde, seja na educação - por outras palavras, a felicidade como Nação -, não deve ser alcançada à custa da desgraça ou espoliação de outros povos. Errará gravemente quem pretender assegurar dignidade aos brasileiros semeando ou desconsiderando a indignidade além de nossas fronteiras.
9. A alegação de que já reside no Brasil e, assim, nenhum prejuízo traria ao Paraguai também não encontra lastro na documentação juntada, uma vez que o único comprovante consiste em extrato de medição e cobrança do consumo de água lançado em nome da mãe do impetrante, o que não autoriza presumir que o autor resida nesse mesmo endereço. Argumento, ademais, que não supera o óbice relativo à ausência de habilitação profissional.
10. Segurança denegada.
(MS 20.457/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/09/2013, DJe 24/10/2016)Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA Seção do Superior
Tribunal de Justiça: "A Seção, por maioria, vencidos os Srs.
Ministros Mauro Campbell Marques e Ari Pagendler, denegou a
segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator."
Os Srs.
Ministros Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina, Eliana Calmon e Arnaldo
Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho
e a Sra. Ministra Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do
TJ/SE).
Sustentou, oralmente, o Dr. FRANCISCO VALLE BRUM, pela União.
Data do Julgamento
:
25/09/2013
Data da Publicação
:
DJe 24/10/2016
Órgão Julgador
:
S1 - PRIMEIRA SEÇÃO
Relator(a)
:
Ministro HERMAN BENJAMIN (1132)
Informações adicionais
:
"[...] eventual questionamento sobre a legitimidade passiva da
autoridade coatora fica superado pelo fato de as informações terem
sido subscritas pelo próprio Ministro da Saúde [...], que possui
'status' governamental superior ao de Secretário e, portanto,
naturalmente dispõe de competência para corrigir eventual
ilegalidade apurada, conforme precedentes jurisprudenciais [...]".
(VOTO VENCIDO) (MIN. MAURO CAMPBELL MARQUES)
"[...] embora o impetrante tenha indicado como autoridade
coatora o Ministro de Estado da Saúde, não comprovou qual seria o
suposto ato ilegal praticado pela referida autoridade. Tal
consideração afasta a competência originária constitucionalmente
atribuída a este Tribunal Superior para o julgamento do presente
'mandamus' [...]".
Referência legislativa
:
LEG:FED LEI:003268 ANO:1957 ART:00017LEG:FED CFB:****** ANO:1988***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ART:00005 INC:00013 ART:00105 INC:00001 LET:BLEG:FED LEI:012842 ANO:2013 ART:00006LEG:FED PRI:001369 ANO:2013 ART:00019(MINISTÉRIO DA SAÚDE - MSMINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO - MEC)LEG:FED MPR:000621 ANO:2013 ART:00007 PAR:00001 PAR:00002 ART:00009 PAR:00001
Veja
:
(MANDADO DE SEGURANÇA - LEGITIMIDADE PASSIVA - AUTORIDADE COATORA -COMPETÊNCIA PARA CORRIGIR EVENTUAL ILEGALIDADE) STJ - RMS 38746-RO, AgRg no RMS 37924-GO, AgRg no REsp 1230739-SP(VOTO VENCIDO - MANDADO DE SEGURANÇA - STJ - LEGITIMIDADE PASSIVA -AUTORIDADE COATORA - MINISTRO DE ESTADO) STJ - AgRg no MS 19961-SP, AgRg no MS 19191-DF AgRg no MS 8909-DF
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