REsp 1021684 / RSRECURSO ESPECIAL2008/0002679-8
RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR MEDIANTE VIOLÊNCIA PRESUMIDA. CONTROVÉRSIA ACERCA DA CONSUMAÇÃO OU DA TENTATIVA. DESNECESSIDADE DO REEXAME FÁTICO. PRÁTICA DE ATO LIBIDINOSO DIVERSO DA CONJUNÇÃO CARNAL. VIOLAÇÃO DO ART. 214, C/C ART. 14, II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL, NA ANTIGA REDAÇÃO.
HEDIONDEZ.
CONTINUIDADE DELITIVA. ART. 71 DO CP. REQUISITO SUBJETIVO.
EXISTÊNCIA. CRIME ÚNICO ENTRE OS DELITOS. RECONHECIMENTO.
ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA DE OFÍCIO. REDIMENSIONAMENTO DA PENA.
RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Conforme disposição dos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ, quando o recurso interposto estiver fundado em dissídio pretoriano, deve a parte colacionar aos autos cópia dos acórdãos em que se fundamenta a divergência, bem como realizar o devido cotejo analítico, demonstrando, de forma clara e objetiva, suposta incompatibilidade de entendimentos e similitude fática entre as demandas, o que não ocorreu na hipótese.
2. A controvérsia atinente ao inadequado reconhecimento da tentativa do crime de atentado violento do pudor prescinde do reexame de provas, sendo suficiente a revaloração de fatos incontroversos explicitados no acórdão recorrido.
3. Considerar como ato libidinoso diverso da conjunção carnal somente as hipóteses em que há introdução do membro viril nas cavidades oral, vaginal ou anal da vítima não corresponde ao entendimento do legislador, tampouco ao da doutrina e da jurisprudência, acerca do tema.
4. Nega-se vigência ao art. 214 (redação anterior à Lei n.
12.015/2009), c/c art. 14, II, ambos do CP, quando, diante de atos lascivos, diversos da conjunção carnal e atentatórios à liberdade sexual das vítimas (crianças), se reconhece a tentativa do delito, ao fundamento de que a consumação do crime em comento se dá tão somente com a introdução do membro viril nas cavidades oral ou anal, ou a introdução "de um seu substituto (do membro viril)" nas cavidades vaginal ou anal.
5. A proteção integral à criança, em especial no que se refere às agressões sexuais, é preocupação constante de nosso Estado, constitucionalmente garantida (art. 227, caput, c/c o § 4º da Constituição da República), e de instrumentos internacionais.
6. Por ocasião do julgamento dos EREsp n. 1.225.387/RS, ocorrido em 28/8/2013, a Terceira Seção deste Superior Tribunal pacificou o entendimento acerca do caráter hediondo dos delitos de estupro e de atentado violento ao pudor, ainda que praticados com violência presumida, cometidos antes da vigência da Lei n. 12.015/2009.
7. No caso, o paciente violentou vítimas que, à época, contavam 7, 9, 11 e 12 anos de idade, o que não deixa dúvidas de que os delitos sub examine constituem, sim, crimes hediondos.
8. A atual jurisprudência desta Corte Superior assim sedimentou-se: "como a Lei 12.015/2009 unificou os crimes de estupro e atentado violento ao pudor em um mesmo tipo penal, deve ser reconhecida a existência de crime único de estupro, caso as condutas tenham sido praticadas contra a mesma vítima e no mesmo contexto fático." (AgRg AREsp 233.559/BA, Rel. Ministra Assusete Magalhães, 6ª T., DJe 10/2/2014).
9. No caso dos autos, conforme descrito, contra cada vítima isoladamente (levando-se em conta os fatos 1 e 2 contra a vítima A.
M., 3 e 4 contra a vítima L. A. e 5 e 6 contra a vítima E. S.
P.), no mesmo contexto fático, houve a prática de estupro e atentado violento ao pudor, de modo que se reconhece a prática de crime único, em relação a cada ofendida, uma vez que os delitos foram praticados antes da vigência da Lei n. 12.015/2009.
10. O Superior Tribunal de Justiça entende que, para a caracterização da continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal), é necessário que estejam preenchidos, cumulativamente, os requisitos de ordem objetiva (pluralidade de ações, mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução) e o de ordem subjetiva, assim entendido como a unidade de desígnios ou o vínculo subjetivo havido entre os eventos delituosos.
11. Conforme delineado pelo Tribunal de origem, as séries de crimes se deram no período entre junho de 2005 e junho de 2006.
Ficou concluído, ainda, que foram perpetrados com unidade de desígnio, elemento que demonstra o preenchimento do requisito subjetivo, indispensável ao reconhecimento da continuidade delitiva.
Além disso, a reiteração da conduta nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução caracteriza a continuidade e justifica a exasperação da pena nesses moldes.
12. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido, para que seja restabelecida a sentença na parte em que reconheceu a forma consumada dos crimes de atentado violento ao pudor dos fatos 1, 5 e 9 da denúncia, bem como para reconhecer a hediondez dos crimes praticados.
(REsp 1021684/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 14/04/2015, DJe 22/04/2015)
Ementa
RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR MEDIANTE VIOLÊNCIA PRESUMIDA. CONTROVÉRSIA ACERCA DA CONSUMAÇÃO OU DA TENTATIVA. DESNECESSIDADE DO REEXAME FÁTICO. PRÁTICA DE ATO LIBIDINOSO DIVERSO DA CONJUNÇÃO CARNAL. VIOLAÇÃO DO ART. 214, C/C ART. 14, II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL, NA ANTIGA REDAÇÃO.
HEDIONDEZ.
CONTINUIDADE DELITIVA. ART. 71 DO CP. REQUISITO SUBJETIVO.
EXISTÊNCIA. CRIME ÚNICO ENTRE OS DELITOS. RECONHECIMENTO.
ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA DE OFÍCIO. REDIMENSIONAMENTO DA PENA.
RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Conforme disposição dos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ, quando o recurso interposto estiver fundado em dissídio pretoriano, deve a parte colacionar aos autos cópia dos acórdãos em que se fundamenta a divergência, bem como realizar o devido cotejo analítico, demonstrando, de forma clara e objetiva, suposta incompatibilidade de entendimentos e similitude fática entre as demandas, o que não ocorreu na hipótese.
2. A controvérsia atinente ao inadequado reconhecimento da tentativa do crime de atentado violento do pudor prescinde do reexame de provas, sendo suficiente a revaloração de fatos incontroversos explicitados no acórdão recorrido.
3. Considerar como ato libidinoso diverso da conjunção carnal somente as hipóteses em que há introdução do membro viril nas cavidades oral, vaginal ou anal da vítima não corresponde ao entendimento do legislador, tampouco ao da doutrina e da jurisprudência, acerca do tema.
4. Nega-se vigência ao art. 214 (redação anterior à Lei n.
12.015/2009), c/c art. 14, II, ambos do CP, quando, diante de atos lascivos, diversos da conjunção carnal e atentatórios à liberdade sexual das vítimas (crianças), se reconhece a tentativa do delito, ao fundamento de que a consumação do crime em comento se dá tão somente com a introdução do membro viril nas cavidades oral ou anal, ou a introdução "de um seu substituto (do membro viril)" nas cavidades vaginal ou anal.
5. A proteção integral à criança, em especial no que se refere às agressões sexuais, é preocupação constante de nosso Estado, constitucionalmente garantida (art. 227, caput, c/c o § 4º da Constituição da República), e de instrumentos internacionais.
6. Por ocasião do julgamento dos EREsp n. 1.225.387/RS, ocorrido em 28/8/2013, a Terceira Seção deste Superior Tribunal pacificou o entendimento acerca do caráter hediondo dos delitos de estupro e de atentado violento ao pudor, ainda que praticados com violência presumida, cometidos antes da vigência da Lei n. 12.015/2009.
7. No caso, o paciente violentou vítimas que, à época, contavam 7, 9, 11 e 12 anos de idade, o que não deixa dúvidas de que os delitos sub examine constituem, sim, crimes hediondos.
8. A atual jurisprudência desta Corte Superior assim sedimentou-se: "como a Lei 12.015/2009 unificou os crimes de estupro e atentado violento ao pudor em um mesmo tipo penal, deve ser reconhecida a existência de crime único de estupro, caso as condutas tenham sido praticadas contra a mesma vítima e no mesmo contexto fático." (AgRg AREsp 233.559/BA, Rel. Ministra Assusete Magalhães, 6ª T., DJe 10/2/2014).
9. No caso dos autos, conforme descrito, contra cada vítima isoladamente (levando-se em conta os fatos 1 e 2 contra a vítima A.
M., 3 e 4 contra a vítima L. A. e 5 e 6 contra a vítima E. S.
P.), no mesmo contexto fático, houve a prática de estupro e atentado violento ao pudor, de modo que se reconhece a prática de crime único, em relação a cada ofendida, uma vez que os delitos foram praticados antes da vigência da Lei n. 12.015/2009.
10. O Superior Tribunal de Justiça entende que, para a caracterização da continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal), é necessário que estejam preenchidos, cumulativamente, os requisitos de ordem objetiva (pluralidade de ações, mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução) e o de ordem subjetiva, assim entendido como a unidade de desígnios ou o vínculo subjetivo havido entre os eventos delituosos.
11. Conforme delineado pelo Tribunal de origem, as séries de crimes se deram no período entre junho de 2005 e junho de 2006.
Ficou concluído, ainda, que foram perpetrados com unidade de desígnio, elemento que demonstra o preenchimento do requisito subjetivo, indispensável ao reconhecimento da continuidade delitiva.
Além disso, a reiteração da conduta nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução caracteriza a continuidade e justifica a exasperação da pena nesses moldes.
12. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido, para que seja restabelecida a sentença na parte em que reconheceu a forma consumada dos crimes de atentado violento ao pudor dos fatos 1, 5 e 9 da denúncia, bem como para reconhecer a hediondez dos crimes praticados.
(REsp 1021684/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 14/04/2015, DJe 22/04/2015)Acórdão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Sexta Turma, por unanimidade, conhecer
parcialmente do recurso e, nesta parte, dar-lhe parcial provimento,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nefi
Cordeiro, Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ/SP), Maria
Thereza de Assis Moura e Sebastião Reis Júnior (Presidente) votaram
com o Sr. Ministro Relator.
Data do Julgamento
:
14/04/2015
Data da Publicação
:
DJe 22/04/2015
Órgão Julgador
:
T6 - SEXTA TURMA
Relator(a)
:
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ (1158)
Referência legislativa
:
LEG:FED LEI:005869 ANO:1973***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 ART:00541 PAR:ÚNICOLEG:FED RGI:****** ANO:1989***** RISTJ-89 REGIMENTO INTERNO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ART:00255 PAR:00001 PAR:00002LEG:FED DEL:002848 ANO:1940***** CP-40 CÓDIGO PENAL ART:00014 INC:00002 ART:00071 ART:00213 ART:00214(ARTIGO 214, COM REDAÇÃO ANTERIOR À DADA PELA LEI 12.015/2009.ARTIGO 213, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI 12.015/2009)LEG:FED CFB:****** ANO:1988***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ART:00227 PAR:00004LEG:FED DLG:000028 ANO:1990LEG:FED DEC:099710 ANO:1990(CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA)LEG:INT RES:000044 ANO:1989(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS)
Veja
:
(DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL - COTEJO ANALÍTICO - SIMILITUDE FÁTICA) STJ - AgRg nos EDcl no Ag 1407361-SP, AgRg nos EDcl no REsp 1370112-PR(ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR - CONSUMAÇÃO) STJ - AgRg no REsp 1154806-RS, RESP 1361661-DF, REsp 1309394-RS(CRIME DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR - ATOS LIBIDINOSOS DEDIFERENTES NÍVEIS)AgRg nos EDcl no AREsp 44854-MG STJ - HC 170189-MS, REsp 1353575-PR(ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR - CARÁTER HEDIONDORECONHECIDO) STJ - EREsp 1225387-RS STF - HC 114142-RS(ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR - CRIME ÚNICO DE ESTUPRO) STJ - AgRg no AREsp 233559-BA, HC 282246-SP, REsp 1066724-DF, AgRg no REsp 1244888-RS, HC 202507-DF, HC 95811-RS(CONTINUIDADE DELITIVA - REQUISITOS) STJ - AgRg no HC 217753-ES
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