REsp 1040296 / ESRECURSO ESPECIAL2008/0059216-7
RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO RURAL CONSTITUCIONAL. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL. MÓDULO RURAL. ÁREA MÍNIMA NECESSÁRIA AO APROVEITAMENTO ECONÔMICO DO IMÓVEL. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DA NORMA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PREVISÃO DE ÁREA MÁXIMA A SER USUCAPIDA. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL DE ÁREA MÍNIMA.
IMPORTÂNCIA MAIOR AO CUMPRIMENTO DOS FINS A QUE SE DESTINA A NORMA.
1. A propriedade privada e a função social da propriedade estão previstas na Constituição Federal de 1988 dentre os direitos e garantias individuais (art. 5.º, XXIII), sendo pressupostos indispensáveis à promoção da política de desenvolvimento urbano (art. 182, § 2.º) e rural (art. 186, I a IV).
2. No caso da propriedade rural, sua função social é cumprida, nos termos do art. 186 da CF/1988, quando seu aproveitamento for racional e apropriado; quando a utilização dos recursos naturais disponíveis for adequada e o meio ambiente preservado, assim como quando as disposições que regulam as relações de trabalho forem observadas.
3. A usucapião prevista no art. 191 da Constituição (e art. 1.239 do Código Civil), regulamentada pela Lei n. 6.969/1981, é caracterizada pelo elemento posse-trabalho. Serve a essa espécie tão somente a posse marcada pela exploração econômica e racional da terra, que é pressuposto à aquisição do domínio do imóvel rural, tendo em vista a intenção clara do legislador em prestigiar o possuidor que confere função social ao imóvel rural.
4. O módulo rural previsto no Estatuto da Terra foi pensado a partir da delimitação da área mínima necessária ao aproveitamento econômico do imóvel rural para o sustento familiar, na perspectiva de implementação do princípio constitucional da função social da propriedade, importando sempre, e principalmente, que o imóvel sobre o qual se exerce a posse trabalhada possua área capaz de gerar subsistência e progresso social e econômico do agricultor e sua família, mediante exploração direta e pessoal - com a absorção de toda a força de trabalho, eventualmente com a ajuda de terceiros.
5. Com efeito, a regulamentação da usucapião, por toda legislação que cuida da matéria, sempre delimitou apenas a área máxima passível de ser usucapida, não a área mínima, donde concluem os estudiosos do tema, que mais relevante que a área do imóvel é o requisito que precede a ele, ou seja, o trabalho realizado pelo possuidor e sua família, que torna a terra produtiva e lhe confere função social.
6. Assim, a partir de uma interpretação teleológica da norma, que assegure a tutela do interesse para a qual foi criada, conclui-se que, assentando o legislador, no ordenamento jurídico, o instituto da usucapião rural, prescrevendo um limite máximo de área a ser usucapida, sem ressalva de um tamanho mínimo, estando presentes todos os requisitos exigidos pela legislação de regência, parece evidenciado não haver impedimento à aquisição usucapicional de imóvel que guarde medida inferior ao módulo previsto para a região em que se localize.
7. A premissa aqui assentada vai ao encontro do que foi decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em conclusão de julgamento realizado em 29.4.2015, que proveu recurso extraordinário, em que se discutia a possibilidade de usucapião de imóvel urbano em município que estabelece lote mínimo para parcelamento do solo, para reconhecer aos recorrentes o domínio sobre o imóvel, dada a implementação da usucapião urbana prevista no art. 183 da CF.
8. Na oportunidade do Julgamento acima referido, a Suprema Corte fixou a seguinte tese: Preenchidos os requisitos do art. 183 da CF, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área onde situado o imóvel (dimensão do lote) (RE 422.349/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 29.4.2015) 9. Recurso especial provido.
(REsp 1040296/ES, Rel. Ministro MARCO BUZZI, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 14/08/2015)
Ementa
RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO RURAL CONSTITUCIONAL. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL. MÓDULO RURAL. ÁREA MÍNIMA NECESSÁRIA AO APROVEITAMENTO ECONÔMICO DO IMÓVEL. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DA NORMA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PREVISÃO DE ÁREA MÁXIMA A SER USUCAPIDA. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL DE ÁREA MÍNIMA.
IMPORTÂNCIA MAIOR AO CUMPRIMENTO DOS FINS A QUE SE DESTINA A NORMA.
1. A propriedade privada e a função social da propriedade estão previstas na Constituição Federal de 1988 dentre os direitos e garantias individuais (art. 5.º, XXIII), sendo pressupostos indispensáveis à promoção da política de desenvolvimento urbano (art. 182, § 2.º) e rural (art. 186, I a IV).
2. No caso da propriedade rural, sua função social é cumprida, nos termos do art. 186 da CF/1988, quando seu aproveitamento for racional e apropriado; quando a utilização dos recursos naturais disponíveis for adequada e o meio ambiente preservado, assim como quando as disposições que regulam as relações de trabalho forem observadas.
3. A usucapião prevista no art. 191 da Constituição (e art. 1.239 do Código Civil), regulamentada pela Lei n. 6.969/1981, é caracterizada pelo elemento posse-trabalho. Serve a essa espécie tão somente a posse marcada pela exploração econômica e racional da terra, que é pressuposto à aquisição do domínio do imóvel rural, tendo em vista a intenção clara do legislador em prestigiar o possuidor que confere função social ao imóvel rural.
4. O módulo rural previsto no Estatuto da Terra foi pensado a partir da delimitação da área mínima necessária ao aproveitamento econômico do imóvel rural para o sustento familiar, na perspectiva de implementação do princípio constitucional da função social da propriedade, importando sempre, e principalmente, que o imóvel sobre o qual se exerce a posse trabalhada possua área capaz de gerar subsistência e progresso social e econômico do agricultor e sua família, mediante exploração direta e pessoal - com a absorção de toda a força de trabalho, eventualmente com a ajuda de terceiros.
5. Com efeito, a regulamentação da usucapião, por toda legislação que cuida da matéria, sempre delimitou apenas a área máxima passível de ser usucapida, não a área mínima, donde concluem os estudiosos do tema, que mais relevante que a área do imóvel é o requisito que precede a ele, ou seja, o trabalho realizado pelo possuidor e sua família, que torna a terra produtiva e lhe confere função social.
6. Assim, a partir de uma interpretação teleológica da norma, que assegure a tutela do interesse para a qual foi criada, conclui-se que, assentando o legislador, no ordenamento jurídico, o instituto da usucapião rural, prescrevendo um limite máximo de área a ser usucapida, sem ressalva de um tamanho mínimo, estando presentes todos os requisitos exigidos pela legislação de regência, parece evidenciado não haver impedimento à aquisição usucapicional de imóvel que guarde medida inferior ao módulo previsto para a região em que se localize.
7. A premissa aqui assentada vai ao encontro do que foi decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em conclusão de julgamento realizado em 29.4.2015, que proveu recurso extraordinário, em que se discutia a possibilidade de usucapião de imóvel urbano em município que estabelece lote mínimo para parcelamento do solo, para reconhecer aos recorrentes o domínio sobre o imóvel, dada a implementação da usucapião urbana prevista no art. 183 da CF.
8. Na oportunidade do Julgamento acima referido, a Suprema Corte fixou a seguinte tese: Preenchidos os requisitos do art. 183 da CF, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área onde situado o imóvel (dimensão do lote) (RE 422.349/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 29.4.2015) 9. Recurso especial provido.
(REsp 1040296/ES, Rel. Ministro MARCO BUZZI, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 14/08/2015)Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA
TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos
votos e das notas taquigráficas, após o voto-vista do Ministro
Antonio Carlos Ferreira dando provimento ao recurso especial, no
sentido da divergência, por maioria, dar provimento ao recurso
especial, nos termos do voto divergente instaurado pelo Ministro
Luis Felipe Salomão, que lavrará o acórdão.
Vencidos o Ministro Marco Buzzi (relator) e Ministra Maria Isabel
Gallotti, que conheciam parcialmente do recurso e lhe negavam
provimento.Votaram com o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão os Srs.
Ministros Raul Araújo (Presidente) e Antonio Carlos Ferreira.
Data do Julgamento
:
02/06/2015
Data da Publicação
:
DJe 14/08/2015
Órgão Julgador
:
T4 - QUARTA TURMA
Relator(a)
:
Ministro MARCO BUZZI (1149)
Relator a p acórdão
:
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO (1140)
Informações adicionais
:
(VOTO VISTA) (MIN. RAUL ARAÚJO)
O fato de área ser inferior à definida como módulo rural para a
região, por si só, não pode levar ao reconhecimento da
impossibilidade jurídica do pedido de ação de usucapião. Isso porque
a ação de usucapião não promove a vedada divisão de terras, mas sim
a regularização da situação fática de um imóvel já preexistente,
para efeito de reconhecimento de aquisição de propriedade e de
formalização de registro imobiliário. Tem esse instituto notória
função social, contribuindo para prestigiar a segurança jurídica,
dando respaldo jurídico a uma situação fática existente. Além disso,
vedar a aquisição da área inferior ao módulo rural, invocando-se o
artigo 65 da Lei 4.504/1964, infringe outros dispositivos legais
regentes da matéria, que não estabelecem uma área mínima.
(VOTO VISTA) (MIN. ANTONIO CARLOS FERREIRA)
"[...] o col. Supremo Tribunal Federal - STF, em recente
julgamento para o qual se reconheceu repercussão geral da matéria
jurídica debatida, por demais assemelhada à discussão presente
(contudo versando sobre usucapião de imóvel urbano), assentou o
entendimento de que 'preenchidos os requisitos do art. 183 da
Constituição Federal, o reconhecimento do direito à usucapião
especial urbana não pode ser obstado por legislação
infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva
área em que situado o imóvel (dimensão do lote)'".
(VOTO VENCIDO) (MIN. MARCO BUZZI)
Não é possível a usucapião sobre imóveis de dimensões
inferiores ao módulo rural ou à fração mínima de parcelamento
previstos para a região. Isso porque a instituição de módulos
mínimos para os imóveis rurais se coaduna com o princípio da função
social da propriedade rural que visa garantir ao agricultor e sua
família uma exploração da terra que lhes possibilite a subsistência,
bem como promover o progresso econômico da propriedade, o que
estaria inviabilizado em glebas de dimensões ínfimas. A função
social da propriedade, nos termos preceituados pelo artigo 186 da
Constituição Federal, é cumprida quando a propriedade rural atende
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência
estabelecidos em lei aos seguintes requisitos: aproveitamento
racional e adequado, utilização adequada dos recursos naturais e
preservação do meio ambiente, observância das disposições que
regulam as relações de trabalho, exploração que favoreça o bem-estar
dos proprietários e dos trabalhadores. Desse modo, embora os artigos
191 da Constituição Federal e 1.239 do Código Civil não determinem
área mínima para o imóvel rural passível de usucapião especial,
forçoso reconhecer a necessidade de observância ao módulo rural ou à
fração mínima de parcelamento, preconizados pelo Estatuto da Terra e
pela Lei 5.868/1972.
(VOTO VENCIDO) (MIN. MARIA ISABEL GALLOTTI)
"A usucapião é instituto que tem em mira, não a manutenção da
posse simplesmente, mas é um modo de aquisição originário de
propriedade e, assim sendo, como modo de aquisição de propriedade,
não pode prescindir da característica inerente ao instituto da
propriedade, que é o registro imobiliário da área. [...] a área é
muito menor do que o módulo rural, não é apenas uma pequena
diferença, mas uma área bastante inferior ao módulo rural. Se
admitirmos a usucapião de áreas tão pequenas, com impossibilidade de
formalização da aquisição da propriedade por meio do registro
imobiliário, que é o instrumento necessário para que haja domínio,
atingir-se-á uma consequência que é exatamente aquela que o sistema
legal procura inibir: o fracionamento da terra em áreas que são
incompatíveis com a função social da propriedade, ou seja, tentando
alcançar um benefício para alguns indivíduos se chega a um resultado
socialmente nocivo de praticamente acabar com o módulo rural, com a
fração mínima de divisão da propriedade que o sistema legal concebeu
para cada região".
Referência legislativa
:
LEG:FED CFB:****** ANO:1988***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ART:00005 INC:00023 ART:00170 INC:00003 ART:00182 PAR:00002 ART:00183 ART:00186 ART:00191LEG:FED LEI:010406 ANO:2002***** CC-02 CÓDIGO CIVIL DE 2002 ART:01239(ARTIGO 1239 REGULAMENTADO PELA LEI 6.969/1981)LEG:FED LEI:006969 ANO:1981 ART:00001LEG:FED LEI:004504 ANO:1964***** ET-64 ESTATUTO DA TERRA ART:00002 PAR:00001 ART:00004 INC:00003 INC:00004 ART:00065 PAR:00005 PAR:00006 ART:00098LEG:FED LEI:005868 ANO:1972 ART:00008 PAR:00001 PAR:00004 INC:00003(ARTIGO 8º, §4º, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 13.001/2014)LEG:FED DEC:055891 ANO:1965 ART:00011LEG:FED LEI:013001 ANO:2014LEG:FED LEI:011326 ANO:2006 ART:00003
Veja
:
(USUCAPIÃO ESPECIAL - IMÓVEL COM ÁREA INFERIOR AO MÓDULO RURAL) STJ - REsp 174080-BA, REsp 36713-RJ, REsp 16851-MG(VOTO VENCIDO - USUCAPIÃO ESPECIAL - IMÓVEL DE ÁREA INFERIOR AOMÓDULO RURAL - INVIABILIDADE) STJ - REsp 402792-SP
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