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Jurisprudência


REsp 1081743 / MGRECURSO ESPECIAL2008/0180609-3

Ementa
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. POLICIAIS CIVIS. PRISÕES ILEGAIS. OFENSA AOS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. INTERESSE PROCESSUAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. Histórico da demanda 1. O Ministério Público do Estado de Minas Gerais ajuizou Ação Civil Pública de improbidade administrativa contra policiais civis que efetuaram prisões ilegais, sem o respectivo mandado judicial, e mantiveram as vítimas detidas por várias horas, desrespeitando suas garantias constitucionais. 2. O Juiz de 1º Grau assim consignou na sentença: "Diante da conduta dos requeridos, percebe-se que estes ao efetuarem as prisões sem as formalidades de lei praticaram ato que atenta contra os princípios da Administração Pública, compreendendo uma lesão à moralidade administrativa, ato este previsto na legislação supracitada como de improbidade" (fl. 705, grifo acrescentado). 3. Ao reformar a sentença, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais entendeu que a atitude dos policiais foi praticada apenas contra particulares e, assim, posicionou-se no sentido de que o Parquet seria carecedor de interesse processual para a Ação de Improbidade. Expressou ainda que, no caso, os policiais só seriam passíveis de punição no âmbito administrativo disciplinar. In verbis: "A prática de ato contra particular não autoriza o manejo da ação civil pública por improbidade administrativa, que deve ser extinta por carência de ação, ao reconhecimento da ausência de interesse processual" (fl. 787, grifo acrescentado). Prisão ilegal e graves violações a direitos humanos: possibilidade de cumulação de pena disciplinar e improbidade administrativa 4. Injustificável pretender que os atos mais gravosos à dignidade da pessoa humana e aos direitos humanos, entre os quais se incluem a tortura e prisões ilegais, praticados por servidores públicos, mormente policiais armados, sejam punidos apenas no âmbito disciplinar, civil e penal, afastando-se a aplicação da Lei da Improbidade Administrativa. 5. Conforme orientação jurisprudencial do STJ, eventual punição administrativa do servidor faltoso não impede a aplicação das penas da Lei de Improbidade Administrativa, porque os escopos de ambas as esferas são diversos; e as penalidades dispostas na Lei 8.429/1992, mais amplas. Precedentes: MS 16.183/DF, Rel. Ministro Ari Pargendler, Primeira Seção, DJe 21.10.2013, MS 15.054/DF, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Gilson Dipp, Terceira Seção, DJe 19.12.2011, MS 17.873/DF, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 2.10.2012, AgRg no AREsp 17.974/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 11.11.2011, MS 12.660/DF, Rel. Ministra Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJ/SE), Terceira Seção, DJe 22.8.2014, e MS 13.357/DF, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, DJe 18.11.2013. Universo dos sujeitos abrangidos pelas sanções da Lei 8.429/92 6. "A Lei 8.429/1992 objetiva coibir, punir e afastar da atividade pública todos os agentes que demonstraram pouco apreço pelo princípio da juridicidade, denotando uma degeneração de caráter incompatível com a natureza da atividade desenvolvida" (REsp 1.297.021/PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 12.11.2013, DJe 20.11.2013). Universo das vítimas protegidas pela Lei 8.429/92 7. A detida análise da Lei 8.429/1992 demonstra que o legislador não determinou expressamente quais seriam as vítimas mediatas ou imediatas da atividade ímproba para fins de configuração do ato ilícito. Impôs, sim, que o agente público respeite o sistema jurídico em vigor, pressuposto da boa e correta Administração Pública. Essa ausência de menção explícita certamente decorre da compreensão de que o ato ímprobo é, muitas vezes, fenômeno pluriofensivo, de tal modo que pode atingir bens jurídicos e pessoas diversos de maneira concomitante. 8. Na avaliação do ato de improbidade administrativa, o primordial é verificar se, entre os bens atingidos pela postura do agente público, existe algum vinculado ao interesse e ao bem público. Se assim for, como consequência imediata a Administração Pública estará vulnerada e o art. 1º da Lei 8.429/1992, plenamente atendido. Ofensa aos princípios administrativos por policiais civis e militares 9. No caso dos autos, trata-se de discussão sobre séria arbitrariedade e grave atentado a direitos humanos fundamentais. Como resultado, tal postura imprópria tem o condão de afrontar não só a Constituição da República (arts. 1º, III, e 4º, II) e a legislação infraconstitucional, mas também tratados e convenções internacionais, a exemplo da Convenção Americana de Direitos Humanos (promulgada pelo Decreto 678/1992). Possibilidade, pois, de responsabilização nas ordens interna e externa. 10. Nos termos do art. 144 da Constituição Federal, as forças de segurança são vocacionadas à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas. Assim, o agente público incumbido da missão de garantir o respeito à ordem pública, como é o caso do policial, ao descumprir com suas obrigações legais e constitucionais de forma frontal, mais que atentar apenas contra um indivíduo, atinge toda a coletividade e a corporação a que pertence de forma imediata. 11. O legislador, ao prever, no art. 11 da Lei 8.429/1992, que constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de lealdade às instituições, findou por tornar de interesse público, e da própria Administração, a proteção da legitimidade social, da imagem e das atribuições dos entes/entidades estatais. Daí resulta que atividade que atente a esses bens imateriais gravemente tem a potencialidade de ser considerada improbidade administrativa. 12. A prisão ilegal tem ainda outro reflexo jurídico imediato, que é o de gerar obrigação indenizatória ao Estado, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Há aí, como consequência, interesse direto da Administração Pública. Uso ilegal de Bens e Prédios Públicos 13. Na hipótese dos autos, o ato ímprobo está caracterizado quando se constata que as vítimas foram, ilegalmente, privadas de sua liberdade, com uso de viaturas policiais e em instalações públicas, ou melhor, no gaiolão da Delegacia de Polícia. Afirma o Juiz de 1º Grau na sentença: "... foram privados de liberdade tanto que ficaram no 'gaiolão' e somente foram liberados ... graças à chegada da Promotora de Justiça ao local." "Os ofendidos deixam claro que tais policiais chegaram a visitá-los no 'gaiolão', (...) ". (fls. 702-704, grifo acrescentado). Conclusão: violência policial arbitrária é ato que viola frontalmente os mais elementares princípios da Administração Pública 14. A violência policial arbitrária não é ato apenas contra o particular-vítima, mas sim contra a própria Administração Pública, ferindo suas bases de legitimidade e respeitabilidade. Tanto assim que essas condutas são tipificadas, entre outros estatutos, no art. 322 do Código Penal, que integra o Capítulo I ("Dos Crimes Praticados por Funcionário Público contra a Administração Pública, grifo acrescentado"), que por sua vez está inserido no Título XI ("Dos Crimes contra a Administração Pública"), e também nos artigos 3º e 4º da Lei 4.898/1965, que trata do abuso de autoridade. 15. Em síntese, atentado à vida e à liberdade individual de particulares, praticado por agentes públicos armados - incluindo tortura, prisão ilegal e "justiciamento" -, afora repercussões nas esferas penal, civil e disciplinar, pode configurar improbidade administrativa, porque, além de atingir a pessoa-vítima, também alcança, simultaneamente, interesses caros à Administração em geral, às instituições de segurança pública em especial e ao próprio Estado Democrático de Direito. 16. Recurso Especial conhecido e provido para afastar a carência de ação decretada pelo Tribunal a quo e determinar o retorno dos autos à origem, a fim de que o TJ/MG prossiga no julgamento do Recurso de Apelação em relação aos demais pontos. (REsp 1081743/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/03/2015, DJe 22/03/2016)
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA Turma do Superior Tribunal de Justiça: "Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Og Fernandes, acompanhando o Sr. Ministro Herman Benjamin, dando provimento ao recurso, e o realinhamento de voto do Sr. Ministro Mauro Campbell Marques, no mesmo sentido, a Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator." Os Srs. Ministros Og Fernandes (voto-vista), Mauro Campbell Marques (Presidente), Assusete Magalhães e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.

Data do Julgamento : 24/03/2015
Data da Publicação : DJe 22/03/2016RSTJ vol. 241 p. 239
Órgão Julgador : T2 - SEGUNDA TURMA
Relator(a) : Ministro HERMAN BENJAMIN (1132)
Referência legislativa : LEG:FED LEI:008429 ANO:1992***** LIA-92 LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ART:00001 ART:00004 ART:00009 ART:00011 INC:00001LEG:FED CFB:****** ANO:1988***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ART:00001 INC:00003 ART:00004 INC:00002 ART:00037 INC:00006 ART:00144LEG:INT CVC:****** ANO:1969***** CADH CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS ART:00001 ART:00005 ART:00007(PROMULGADA PELO DECRETO 678/1992)LEG:FED DEC:000678 ANO:1992LEG:FED LEI:005869 ANO:1973***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 ART:00322LEG:FED LEI:004898 ANO:1965 ART:00003 ART:00004
Veja : (INDEPENDÊNCIA ENTRE ESFERAS PENAL, ADMINISTRATIVA E CÍVEL - AÇÃO DEIMPROBIDADE) STJ - MS 15054-DF, MS 17873-DF, AgRg no AREsp 17974-SP, MS 12660-DF(ATO DE IMPROBIDADE - GRAVE DESOBEDIÊNCIA AO SISTEMA NORMATIVO) STJ - REsp 1297021-PR(IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - TIPIFICAÇÃO - CONDUTA DOLOSA) STJ - AIA 30-AM
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