REsp 1186389 / PRRECURSO ESPECIAL2010/0054451-5
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DECISÃO QUE RECEBE A INICIAL. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO SOCIETATE. EXIGÊNCIA SOMENTE DA PRESENÇA DE INDÍCIOS. PROVA DO ELEMENTO SUBJETIVO. SÚMULA 7. TEMAS COMO INÉPCIA DA INICIAL, LEGITIMIDADE PASSIVA DE PESSOA JURÍDICA E CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL EM SINTONIA COM A ORIENTAÇÃO DO STJ. SÚMULA 83.
CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA NÃO REPERCUTE NAS ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
OBJETO DA LIDE 1. O presente feito trata de fatos que remontam ao Edital de Leilão Público de alienação de ações ordinárias nominativas de emissão da Companhia de Saneamento do Paraná - Sanepar. A empresa recorrente (Dominó Holdings S.A.) se sagrou vencedora da licitação e realizou o pagamento da quantia de R$ 249.780.612,41 (junho de 1998) pelas ações leiloadas, segundo a própria autora afirma à fl. 3530. A fim de se ter parâmetro mais atualizado das cifras, considerando-se esse valor pelo INPC de junho de 1998 a janeiro de 2015, a quantia hoje seria de, aproximadamente, R$ 706.155.848,79. Pelo IPCA, no mesmo período, chegar-se-ia ao patamar de R$ 691.260.887,89.
2. Em cumprimento ao referido edital (item 1.2), celebrou-se acordo de acionistas no qual foi mantida a participação do Estado do Paraná e, em tese, preservado o seu controle acionário com 60% do capital votante. O Ministério Público sustenta que o referido pacto entre acionistas foi, na verdade, conluio para esvaziar completamente o controle estatal, uma vez que, de forma indireta, todo o poder decisório foi, de fato, transferido à iniciativa privada. A ilicitude estaria justamente no ponto em que o domínio central da empresa seria do Estado apenas de modo formal. Na prática, a venda de parte minoritária foi fictícia, somente para viabilizar a compra das ações por menor preço, sendo certo que os interesses privados predominaram, segundo se alega.
PONTOS DISCUTIDOS NO RECURSO ESPECIAL 3. Os principais temas abordados no Recurso Especial são: a) violação do art. 535 do CPC;
b) inépcia da inicial; c) existência de cláusula compromissória a dispor que as discussões sobre o próprio acordo de acionistas seriam resolvidas perante a jurisdição arbitral e impediriam o ajuizamento da presente ação, nos termos do art. 267, VII, do CPC; d) legitimidade passiva da recorrente (pessoa jurídica), mesmo sem a presença dos sócios; e) prescrição, tendo em vista o fim do primeiro mandato eletivo de um dos requeridos; f) prova indiciária do elemento subjetivo no momento em que se recebe a inicial de improbidade administrativa; g) (im)propriedade da análise da gradação de culpa, com base em doutrina civilista; e h) (des)necessidade de prova de dano ao Erário. Como foi alegado fato novo superveniente, verifica-se suposta perda de objeto da presente Ação de Improbidade, visto ter ocorrido transação já homologada entre as partes em outro processo, no qual se discutia a anulação do acordo de acionistas (a respeito disso, vide itens 9 e 10).
TESE PRINCIPAL INDICADA NA INICIAL 4. Pode-se resumir a causa de pedir, veiculada na inicial, no ponto em que se alega o esvaziamento do controle estatal da Sanepar, porque, por vias transversas, o acordo de acionistas teria transmitido o poder decisório sobre as questões gerenciais mais importantes ao sócio minoritário (particular), em clara ofensa ao interesse público.
5. O Parquet ingressou com a presente Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa, apontando, em suma: "Contudo, como será visto adiante, o teor deste ACORDO DE ACIONISTAS viola o interesse público, a Constituição da República, a legislação federal e a Lei Estadual que autorizou a venda das ações, a qual permitiu a alienação parcial delas, desde que não ocorresse a disposição do poder-dever de gestão da SANEPAR pelo ESTADO DO PARANÁ, o que se deu, entretanto, de forma ilícita, por via oblíqua, através da celebração do mencionado ACORDO" (fl. 69) - destaques do original.
AÇÃO ADMITIDA NA ORIGEM 6. Após as respectivas defesas prévias (art.
17, § 7º, da Lei de Improbidade Administrativa) e um primeiro recurso de Agravo de Instrumento (contra uma primeira decisão que recebeu a inicial), o juiz proferiu decisão e recebeu a inicial da Ação de Improbidade (art. 17, § 8º, conforme decisão de fls.
3217-3221, 16º Volume), o que gerou o novo recurso de Agravo julgado às fls. 3432/3453 e contra o qual se apresentou o presente Recurso Especial.
VOTO DO MINISTRO RELATOR 7. O Exmo. Sr. Min. Relator, Cesar Asfor Rocha, conheceu em parte do REsp e, nessa fração, proveu-o para o fim de afastar, liminarmente, a ocorrência de ato de improbidade no caso. Em suma, recusou as alegações de violação do art. 535 do CPC, a ilegitimidade passiva da empresa Dominó Holdings S/A (recorrente) e a ocorrência de prescrição. Porém, concluiu que não há caracterização de ato ímprobo na espécie, no seguinte sentido: "A falta de justa causa da ação de improbidade administrativa pode constituir questão de mérito, somente solucionável após a instrução probatória, mas quando resta evidenciada, de imediato, pela análise das próprias condições da ação, é razão jurídica bastante, por si só, para acarretar o trancamento do processo, por meio de agravo de instrumento (art. 17, §§ 8º e 10 da Lei n. 8.429/1992), dada a natureza sancionatória dessa ação". Com isso, conforme se vê no item a seguir, haveria trancamento da Ação Civil Pública por Ato de Improbidade, que tramita no primeiro grau desde 2.12.2004.
ANDAMENTO DA AÇÃO DE IMPROBIDADE E DA AÇÃO CÍVEL ANULATÓRIA DO ACORDO DE ACIONISTAS 8. Em consulta aos sistemas processuais do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, percebe-se que a Ação Civil Pública por Ato de Improbidade ainda não foi sentenciada no primeiro grau de jurisdição. O último andamento data de 25.2.2014. A fase atual é de produção de provas.
9. No que concerne à Ação Anulatória do acordo de acionistas proposta pelo próprio Estado do Paraná contra a ora recorrente e outros, houve transação, já devidamente homologada pelo TJPR, em 26.11.2003. Tal negócio jurídico foi firmado nos autos dos Embargos Infringentes 484.291-9/03.
10. A transação formulada nos autos da Ação Anulatória, por tratar de interesses mais econômicos (acionistas envolvidos), tanto que admitida a negociação (viés privado), não pode impedir o julgamento da Ação de Improbidade, cuja causa de pedir está assentada em fundamento próprio, qual seja, o resguardo do interesse público.
Esse ponto é importante, porque, na sessão do dia 21.6.2012, os Ministros integrantes desta Segunda Turma discutiram se a base do negócio jurídico já tinha sido apreciada definitivamente, inclusive pelo STJ. Como se vê, não houve análise do mérito propriamente dito.
INEXISTÊNCIA DE OMISSÕES E CONTRADIÇÕES NO ACÓRDÃO HOSTILIZADO 11.
Basicamente todos as questões supostamente omissas estão na ementa do acórdão a quo, em sintonia com o que consta na fundamentação do voto do Desembargador Relator, a evidenciar que, mesmo que de forma sucinta, houve, sim, enfrentamento pelo TJPR.
12. A única questão que não está bem definida na ementa do acórdão é a que diz respeito à existência de cláusula compromissória a impedir a análise do caso pelo Poder Judiciário (submissão apenas ao juízo arbitral). Não obstante isso, nota-se que o TJPR não deixou propriamente de apreciá-la. O voto do relator é claro no sentido de que essa discussão, entre outras (vide fl. 3452), confundir-se-ia com o mérito, de tal maneira que, por isso, o Tribunal rejeitava o recurso nessa parte.
13. O que deve ficar registrado é que a Corte de Apelação apreciou o tema. Se essa decisão está, ou não, correta, isso é questão de mérito deste Recurso Especial e será apreciado mais à frente, em momento oportuno. Contudo, de omissão não se há de falar.
14. Por outro enfoque, também não se pode falar em contradição.
Conforme o STJ decide, a contradição que autoriza o manejo dos Embargos de Declaração é aquela interna ao julgado. Sobre o tema, os seguintes precedentes: a) EDcl no REsp 1.215.297/ES, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 6.5.2014, DJe 14.5.2014; b) EDcl no AgRg no REsp 1.402.655/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 17.12.2013, DJe 19.12.2013; c) EDcl no AgRg no Ag 1.401.862/RS, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Quinta Turma, julgado em 7.11.2013, DJe 12.11.2013; d) REsp 218.528/SP, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julgado em 7.2.2002; d) EDcl nos EDcl no REsp 938.602/SC, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 6.11.2014, DJe 21.11.2014; e) EDcl no AgRg nos EREsp 1.341.709/PI, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, julgado em 5.11.2014, DJe 16.12.2014.
15. No caso, de uma maneira ou de outra, a fundamentação é coerente com as conclusões do acórdão. Segundo o TJPR, existem indícios de irregularidades no referido acordo. Ou seja, a ação deve prosseguir.
Não enxergo as apontadas contradições.
RECONHECIMENTO DE INÉPCIA DA INICIAL: SÚMULA 83/STJ 16. O Ministério Público requereu, primeiramente, a condenação dos requeridos nas sanções do art. 12, II, da Lei 8.429/1992, e, subsidiriamente, nas penalidades do inc. III daquele mesmo dispositivo, caso não acolhido o primeiro pedido. Esses requerimentos são compatíveis com as causas de pedir expostas na petição inicial. Não há, pois, a alegada inépcia.
17. O STJ já teve oportunidade de decidir que "Não se configura inépcia da inicial se a petição contiver a narrativa dos fatos configuradores, em tese, da improbidade administrativa e, para o que importa nesta demanda, do prejuízo aos cofres públicos" (REsp 964.920/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 28.10.2008, DJe 13.03.2009). Nessa mesma linha, o seguinte precedente: "No tocante à alegativa de ofensa ao art. 282, IV, do CPC, não há falar em ausência de delimitação da pretensão na exordial. Isso porque se formulou pedido certo na peça introdutória, em que requerida a condenação do recorrente às sanções previstas no art. 12 da Lei n. 8.429/92, inclusive na forma de tópicos, em decorrência da prática de ato suficientemente narrado, subsumível em tese ao tipo previsto no art. 11, I, do mesmo diploma normativo" (AgRg no REsp 1.294.456/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 4.9.2014, DJe 18.9.2014).
EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA: NÃO REPERCUSSÃO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE 18. A empresa Dominó Holdings S/A (recorrente) alega que a cláusula 15ª do acordo de acionistas, ao dispor que as discussões acerca do próprio ato seriam resolvidas perante a jurisdição arbitral, impediria o ajuizamento da presente ação, nos termos do art. 267, VII, do CPC. Em suma, o Tribunal de Apelação entendeu que, como a própria validade da cláusula está sendo impugnada na inicial da ACP, o tema seria propriamente de mérito, a demandar análise mais completa do caso, após a dilação probatória. O Min. Cesar Asfor Rocha, Relator, concordou com essa posição e foi além, para dizer que, de todo modo, a referida disposição do acordo seria voltada apenas a solucionar questões entre as partes ali signatárias e não poderia vincular a atuação do Ministério Público.
19. Mesmo que se avalie a questão pelo ângulo estrito, como requerido pela parte, e se admita que o tema seria meramente preliminar, cujo acolhimento ensejaria a extinção do feito sem resolução do mérito, a cláusula compromissória, ainda que válida (algo que é um dos fundamentos da própria inicial), seria vinculante somente daqueles que participaram do negócio jurídico. Jamais em relação a terceiros, no caso, ao Ministério Público.
20. Por outro lado, por vias transversas, haveria ainda violação ao art. 17, caput e § 1º, da Lei 8.429/1992 c/c o art. 1º da Lei 9.307/1996, ao dispor que a legitimidade ativa da Ação de Improbidade é privativa do Ministério Público e da pessoa jurídica interessada, além de ser proibida a transação sobre o objeto das respectivas ações, justamente porque indisponível. Enfim, relembre-se que a "jurisdição" arbitral só pode ser exercida em se tratando de interesses puramente privados: "As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis" (art. 1º da Lei 9.307/1996).
LEGITIMIDADE PASSIVA DA RECORRENTE. PESSOA JURÍDICA. SÚMULAS 7 E 83, AMBAS DO STJ 21. O acórdão recorrido, acerca do tema, assim se expressou: "A agravante possui legitimidade para integrar o pólo passivo, vez que há indícios suficientes da prática de conduta administrativa ímproba, pois participou do acordo de acionistas em litígio, sendo questionável as regras nele pactuadas (forma de distribuição de dividendos, de deliberação e de exercício do direito de voto)", fl.
3433.
22. O STJ tem jurisprudência tranquila no sentido de que, "Considerando que as pessoas jurídicas podem ser beneficiadas e condenadas por atos ímprobos, é de se concluir que, de forma correlata, podem figurar no polo passivo de uma demanda de improbidade, ainda que desacompanhada de seus sócios" (REsp 970.393/CE, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 21.6.2012, DJe 29.6.2012). No mesmo rumo: a) REsp 1.122.177/MT, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 3.8.2010, DJe 27.4.2011; b) REsp 1.038.762/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18.8.2009, DJe 31.8.2009.
Incidência da Súmula 83 do STJ.
23. Por outro lado, quanto à alegação de que o TJPR deveria mais profundamente avaliar a existência, ou não, do elemento subjetivo, o Recurso encontra óbice na Súmula 7. O Tribunal paranaense afirmou expressamente que os agentes da empresa participaram do já mencionado acordo de acionistas e há que indícios de irregularidades. O STJ está vinculado a essas conclusões fáticas, nos termos daquele Enunciado.
PRESCRIÇÃO: SÚMULA 83/STJ 24. Em relação à prescrição, a análise do acórdão indica que o TJPR decidiu em sintonia com a pacífica jurisprudência do STJ em dois pontos: a) "Se particular, estranho ao serviço público, praticar, concorrer ou se beneficiar de ato de improbidade praticado por agente público no exercício de mandato eletivo, sujeitar-se-á ao mesmo regime prescricional deste"; e b) "Não há falar em prescrição quinquenal (art. 23, inciso I, da Lei nº 8.429/92), pois a reeleição implica na continuidade do exercício da função governamental, devendo o termo inicial da prescrição começar a fluir a partir da efetiva saída do cargo, o que se deu, no caso, após o término do segundo mandato do co-réu (ex-governador)".
25. "Tendo como escopo a aplicação das sanções previstas na Lei 8.429/1992, o particular submete-se ao mesmo prazo prescricional que o agente público que praticou o ato ímprobo. Precedentes do STJ" (EDcl no AgRg no REsp 1.066.838/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 7.4.2011, DJe 26.4.2011). No mesmo sentido: a) REsp 1.433.552/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 25.11.2014, DJe 5.12.2014; b) AgRg no REsp 1.197.967/ES, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 26.8.2010, DJe 8.9.2010; c) REsp 1.156.519/RO, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 18.6.2013, DJe 28.6.2013; e d) REsp 1.405.346/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel.
p/ Acórdão Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 15.5.2014, DJe 19.8.2014.
26. Sobre o início da contagem em si, a jurisprudência do STJ também não vacila. Firmou o entendimento de que o prazo prescricional se conta, em caso de reeleição de político, a partir do término do segundo mandato. Nessa linha: a) AgRg no AREsp 161.420/TO, Rel.
Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 3.4.2014, DJe 14.4.2014; b) AgRg no REsp 1.208.201/RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 8.4.2014, DJe 14.4.2014; c) REsp 1.290.824/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19.11.2013, DJe 29.11.2013; e d) AgRg no REsp 1.259.432/PB, Rel.
Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 6.12.2012, DJe 4.2.2013.
ELEMENTO SUBJETIVO: ANÁLISE INDICIÁRIA NO RECEBIMENTO 27. De início, deve-se salientar que, conforme orientação do STJ, nesse momento de recebimento da inicial, a lógica que impera é de aplicação do princípio in dubio pro societate. Precedentes: a) AgRg no AREsp 498.335/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 25.11.2014, DJe 4.12.2014; b) AgRg no AREsp 400.779/ES, Rel.
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 25.11.2014, DJe 17.12.2014; c) AgRg no REsp 1.384.970/RN, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 18.9.2014, DJe 29.9.2014; d) REsp 1.197.406/MS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 22.8.2013.
28. Com base nisso, o STJ está a dizer que bastam meros indícios, substrato mínimo a autorizar o prosseguimento da ação. A ideia é evitar demandas temerárias ou mesmo desvios flagrantes no manejo de tal tipo de processo. Tanto isso é verdade que este Tribunal Superior aceita decisões sucintas, desde que fundamentadas. Não há, pois, necessidade de análise exauriente nesta fase inicial, até mesmo porque impossível neste momento, considerando-se a futura dilação probatória. Sobre o assunto, os seguintes precedentes: a) AgRg no AREsp 479.898/MG, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 1º.4.2014, DJe 7.4.2014; b) REsp 1.357.838/GO, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 12.8.2014, DJe 25.9.2014.
29. Estabelecidas essas premissas, o STJ não poderia exigir mais da Corte de Apelação do que a análise indiciária das eventuais irregularidades a justificar o prosseguimento da Ação de Improbidade. Em várias partes do acórdão de fls. 3432/3453, inclusive na ementa, o TJPR deixa claro que os indícios existem. A partir desse quadro, o STJ, se seguisse posição contrária, estaria revolvendo matéria fática (existência de indícios) e indo em sentido oposto ao que sua própria jurisprudência tem estabelecido em relação ao tema, especialmente em se tratando de juízo meramente de recebimento da inicial.
30. Deve-se relembrar que o caso é complexo. Cuida-se de ação na qual se discute a privatização de empresa estatal cujas cifras, na década de 1990, remontavam a quase R$ 250.000.000,00. Os interesses envolvidos são múltiplos. A dificuldade probatória também existe, tanto que designada perícia no primeiro grau de jurisdição.
31. Por outro prisma, consoante orientação hoje segura, em relação ao elemento subjetivo, há necessidade de dolo nas situações do art.
11, e ao menos culpa na hipótese do art. 10, sendo que "o elemento subjetivo, necessário à configuração de improbidade administrativa censurada nos termos do art. 11 da Lei 8.429/1992, é o dolo genérico de realizar conduta que atente contra os princípios da Administração Pública, não se exigindo a presença de dolo específico" (REsp 951.389/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 4.5.2011). A respeito do tema, os seguintes precedentes: a) AgRg no AREsp 533.862/MS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 20.11.2014, DJe 4.12.2014; b) AgRg no AREsp 532.421/PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 21.8.2014, DJe 28.8.2014; c) AgRg no AREsp 560.613/ES, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 20.11.2014, DJe 9.12.2014; d) AgRg no AgRg no AREsp 533.495/MS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 6.11.2014, DJe 17.11.2014.
32. Forte nisso, por um lado, parece sem sentido estabelecer no caso um paradigma perigoso a respeito da necessidade de se buscar culpa "grave", parâmetro não previsto pelo legislador, para fins da condenação com base no art. 10. É que, de toda sorte, há neste processo a alegação subsidiária de violação ao art. 11, que exigirá somente dolo genérico. Ou seja, de qualquer maneira, desconsiderada a imputação relativa àquele artigo, haver-se-ia ainda de analisar a outra subsequente.
33. Em síntese, quanto ao elemento subjetivo, no geral, o posicionamento do Tribunal a quo está em perfeita sintonia com a orientação do STJ (Súmula 83), além do que a revisão das premissas fáticas do acórdão hostilizado implica revolvimento de matéria fática (Súmula 7).
GRADAÇÃO DE CULPA: IMPROPRIEDADE 34. Por outro lado, o STJ não tem estabelecido gradação de culpas, com base em tão antiga como criticável doutrina civilista, a fim de que se tenha a condenação com fundamento no art. 10. O que se exige, conforme os julgados acima, é ao menos culpa, e isso deve ser visto após instrução processual e de acordo com o caso concreto. Deve-se afastar, de plano, qualquer possibilidade de gradação fantasiosa de culpa, a partir de noções civilistas ultrapassadas, no campo da improbidade administrativa.
35. De qualquer maneira, ainda que se admitisse essa "gradação", o próprio grau da culpa somente poderia ser avaliado após a instrução processual. Ou seja, por qualquer ângulo que se analise, inconveniente se mostra a discussão neste momento processual.
36. Com base nisso, pode-se dizer que o reconhecimento da inexistência de justa causa por ausência de culpa grave, tanto na ementa quanto no corpo do voto do e. Min. Relator, contrariou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
DANO/PREJUÍZO ERÁRIO: SÚMULAS 7 E 83 DO STJ 37. No que se refere a esse aspecto, a pacífica jurisprudência do STJ fixou a orientação de que o dano ou prejuízo só é necessário para o tipo previsto no art.
10 da Lei de Improbidade Administrativa. Nessa linha: a) AgRg no AREsp 560.613/ES, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 20.11.2014, DJe 9.12.2014; b) REsp 1.091.420/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 23.10.2014, DJe 5.11.2014.
38. Em sendo assim, inconveniente buscar eventual prova de dano ou prejuízo neste momento processual. Por um lado, se há o pedido condenatório com base no art. 11 da LIA, não faz sentido discutir a matéria; a ação deveria prosseguir em relação ao pedido subsidiário.
Por outra perspectiva, cabe ponderar ainda que a própria existência do dano ou prejuízo também será examinada após o término da instrução processual, consoante os seguinte julgados: a) AgRg no AREsp 400.779/ES, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 25.11.2014, DJe 17.12.2014; e) REsp 1.220.256/MT, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 12.4.2011, DJe 27.4.2011.
39. Partindo dessas premissas, constata-se que o voto do e. Min.
Relator se afastou da sólida orientação jurisprudencial do STJ.
CONCLUSÕES 40. Resumindo: a) inexiste omissão ou contradição no acórdão recorrido, razão pela qual o recurso não merece provimento pela alegação de negativa de prestação jurisdicional; b) não há a apontada inépcia da inicial, porque o TJPR decidiu em consonância com a orientação do STJ, no sentido de que os fatos e fundamentos jurídicos estão bem postos na peça introdutória, e os pedidos em sintonia com o que dispõe a Lei de Improbidade; c) a existência de cláusula compromissória no acordo de acionistas não limita a atuação do Ministério Público, que, além de não ser parte do negócio, vela por interesses públicos indisponíveis e não simplesmente econômicos;
d) a pessoa jurídica, se for supostamente beneficiária de ato ímprobo, tem legitimidade para figurar no polo passivo de Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa; e) o prazo prescricional, nos casos que envolvam políticos e pessoas privadas, é regido pelos lapsos aplicáveis àqueles, e, em caso de reeleição, a contagem se inicia terminado o segundo mandato; f) as questões afetas à ausência de justa causa esbarram, neste feito, nas Súmula 7 e 83 do STJ, porque, na fase inicial de recebimento da ação, bastam meros indícios, sendo desnecessária ainda a incursão mais profunda em provas relativas ao elemento subjetivo; g) tendo em vista que há imputação inicial concernente a possível incidência do art. 11 da LIA no caso, esvaziada se torna a discussão atinente à existência do dano/prejuízo neste momento, além do que essa temática encontraria óbice na Súmula 7 desta Corte.
41. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.
(REsp 1186389/PR, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/04/2015, DJe 07/11/2016)
Ementa
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DECISÃO QUE RECEBE A INICIAL. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO SOCIETATE. EXIGÊNCIA SOMENTE DA PRESENÇA DE INDÍCIOS. PROVA DO ELEMENTO SUBJETIVO. SÚMULA 7. TEMAS COMO INÉPCIA DA INICIAL, LEGITIMIDADE PASSIVA DE PESSOA JURÍDICA E CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL EM SINTONIA COM A ORIENTAÇÃO DO STJ. SÚMULA 83.
CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA NÃO REPERCUTE NAS ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
OBJETO DA LIDE 1. O presente feito trata de fatos que remontam ao Edital de Leilão Público de alienação de ações ordinárias nominativas de emissão da Companhia de Saneamento do Paraná - Sanepar. A empresa recorrente (Dominó Holdings S.A.) se sagrou vencedora da licitação e realizou o pagamento da quantia de R$ 249.780.612,41 (junho de 1998) pelas ações leiloadas, segundo a própria autora afirma à fl. 3530. A fim de se ter parâmetro mais atualizado das cifras, considerando-se esse valor pelo INPC de junho de 1998 a janeiro de 2015, a quantia hoje seria de, aproximadamente, R$ 706.155.848,79. Pelo IPCA, no mesmo período, chegar-se-ia ao patamar de R$ 691.260.887,89.
2. Em cumprimento ao referido edital (item 1.2), celebrou-se acordo de acionistas no qual foi mantida a participação do Estado do Paraná e, em tese, preservado o seu controle acionário com 60% do capital votante. O Ministério Público sustenta que o referido pacto entre acionistas foi, na verdade, conluio para esvaziar completamente o controle estatal, uma vez que, de forma indireta, todo o poder decisório foi, de fato, transferido à iniciativa privada. A ilicitude estaria justamente no ponto em que o domínio central da empresa seria do Estado apenas de modo formal. Na prática, a venda de parte minoritária foi fictícia, somente para viabilizar a compra das ações por menor preço, sendo certo que os interesses privados predominaram, segundo se alega.
PONTOS DISCUTIDOS NO RECURSO ESPECIAL 3. Os principais temas abordados no Recurso Especial são: a) violação do art. 535 do CPC;
b) inépcia da inicial; c) existência de cláusula compromissória a dispor que as discussões sobre o próprio acordo de acionistas seriam resolvidas perante a jurisdição arbitral e impediriam o ajuizamento da presente ação, nos termos do art. 267, VII, do CPC; d) legitimidade passiva da recorrente (pessoa jurídica), mesmo sem a presença dos sócios; e) prescrição, tendo em vista o fim do primeiro mandato eletivo de um dos requeridos; f) prova indiciária do elemento subjetivo no momento em que se recebe a inicial de improbidade administrativa; g) (im)propriedade da análise da gradação de culpa, com base em doutrina civilista; e h) (des)necessidade de prova de dano ao Erário. Como foi alegado fato novo superveniente, verifica-se suposta perda de objeto da presente Ação de Improbidade, visto ter ocorrido transação já homologada entre as partes em outro processo, no qual se discutia a anulação do acordo de acionistas (a respeito disso, vide itens 9 e 10).
TESE PRINCIPAL INDICADA NA INICIAL 4. Pode-se resumir a causa de pedir, veiculada na inicial, no ponto em que se alega o esvaziamento do controle estatal da Sanepar, porque, por vias transversas, o acordo de acionistas teria transmitido o poder decisório sobre as questões gerenciais mais importantes ao sócio minoritário (particular), em clara ofensa ao interesse público.
5. O Parquet ingressou com a presente Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa, apontando, em suma: "Contudo, como será visto adiante, o teor deste ACORDO DE ACIONISTAS viola o interesse público, a Constituição da República, a legislação federal e a Lei Estadual que autorizou a venda das ações, a qual permitiu a alienação parcial delas, desde que não ocorresse a disposição do poder-dever de gestão da SANEPAR pelo ESTADO DO PARANÁ, o que se deu, entretanto, de forma ilícita, por via oblíqua, através da celebração do mencionado ACORDO" (fl. 69) - destaques do original.
AÇÃO ADMITIDA NA ORIGEM 6. Após as respectivas defesas prévias (art.
17, § 7º, da Lei de Improbidade Administrativa) e um primeiro recurso de Agravo de Instrumento (contra uma primeira decisão que recebeu a inicial), o juiz proferiu decisão e recebeu a inicial da Ação de Improbidade (art. 17, § 8º, conforme decisão de fls.
3217-3221, 16º Volume), o que gerou o novo recurso de Agravo julgado às fls. 3432/3453 e contra o qual se apresentou o presente Recurso Especial.
VOTO DO MINISTRO RELATOR 7. O Exmo. Sr. Min. Relator, Cesar Asfor Rocha, conheceu em parte do REsp e, nessa fração, proveu-o para o fim de afastar, liminarmente, a ocorrência de ato de improbidade no caso. Em suma, recusou as alegações de violação do art. 535 do CPC, a ilegitimidade passiva da empresa Dominó Holdings S/A (recorrente) e a ocorrência de prescrição. Porém, concluiu que não há caracterização de ato ímprobo na espécie, no seguinte sentido: "A falta de justa causa da ação de improbidade administrativa pode constituir questão de mérito, somente solucionável após a instrução probatória, mas quando resta evidenciada, de imediato, pela análise das próprias condições da ação, é razão jurídica bastante, por si só, para acarretar o trancamento do processo, por meio de agravo de instrumento (art. 17, §§ 8º e 10 da Lei n. 8.429/1992), dada a natureza sancionatória dessa ação". Com isso, conforme se vê no item a seguir, haveria trancamento da Ação Civil Pública por Ato de Improbidade, que tramita no primeiro grau desde 2.12.2004.
ANDAMENTO DA AÇÃO DE IMPROBIDADE E DA AÇÃO CÍVEL ANULATÓRIA DO ACORDO DE ACIONISTAS 8. Em consulta aos sistemas processuais do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, percebe-se que a Ação Civil Pública por Ato de Improbidade ainda não foi sentenciada no primeiro grau de jurisdição. O último andamento data de 25.2.2014. A fase atual é de produção de provas.
9. No que concerne à Ação Anulatória do acordo de acionistas proposta pelo próprio Estado do Paraná contra a ora recorrente e outros, houve transação, já devidamente homologada pelo TJPR, em 26.11.2003. Tal negócio jurídico foi firmado nos autos dos Embargos Infringentes 484.291-9/03.
10. A transação formulada nos autos da Ação Anulatória, por tratar de interesses mais econômicos (acionistas envolvidos), tanto que admitida a negociação (viés privado), não pode impedir o julgamento da Ação de Improbidade, cuja causa de pedir está assentada em fundamento próprio, qual seja, o resguardo do interesse público.
Esse ponto é importante, porque, na sessão do dia 21.6.2012, os Ministros integrantes desta Segunda Turma discutiram se a base do negócio jurídico já tinha sido apreciada definitivamente, inclusive pelo STJ. Como se vê, não houve análise do mérito propriamente dito.
INEXISTÊNCIA DE OMISSÕES E CONTRADIÇÕES NO ACÓRDÃO HOSTILIZADO 11.
Basicamente todos as questões supostamente omissas estão na ementa do acórdão a quo, em sintonia com o que consta na fundamentação do voto do Desembargador Relator, a evidenciar que, mesmo que de forma sucinta, houve, sim, enfrentamento pelo TJPR.
12. A única questão que não está bem definida na ementa do acórdão é a que diz respeito à existência de cláusula compromissória a impedir a análise do caso pelo Poder Judiciário (submissão apenas ao juízo arbitral). Não obstante isso, nota-se que o TJPR não deixou propriamente de apreciá-la. O voto do relator é claro no sentido de que essa discussão, entre outras (vide fl. 3452), confundir-se-ia com o mérito, de tal maneira que, por isso, o Tribunal rejeitava o recurso nessa parte.
13. O que deve ficar registrado é que a Corte de Apelação apreciou o tema. Se essa decisão está, ou não, correta, isso é questão de mérito deste Recurso Especial e será apreciado mais à frente, em momento oportuno. Contudo, de omissão não se há de falar.
14. Por outro enfoque, também não se pode falar em contradição.
Conforme o STJ decide, a contradição que autoriza o manejo dos Embargos de Declaração é aquela interna ao julgado. Sobre o tema, os seguintes precedentes: a) EDcl no REsp 1.215.297/ES, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 6.5.2014, DJe 14.5.2014; b) EDcl no AgRg no REsp 1.402.655/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 17.12.2013, DJe 19.12.2013; c) EDcl no AgRg no Ag 1.401.862/RS, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Quinta Turma, julgado em 7.11.2013, DJe 12.11.2013; d) REsp 218.528/SP, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julgado em 7.2.2002; d) EDcl nos EDcl no REsp 938.602/SC, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 6.11.2014, DJe 21.11.2014; e) EDcl no AgRg nos EREsp 1.341.709/PI, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, julgado em 5.11.2014, DJe 16.12.2014.
15. No caso, de uma maneira ou de outra, a fundamentação é coerente com as conclusões do acórdão. Segundo o TJPR, existem indícios de irregularidades no referido acordo. Ou seja, a ação deve prosseguir.
Não enxergo as apontadas contradições.
RECONHECIMENTO DE INÉPCIA DA INICIAL: SÚMULA 83/STJ 16. O Ministério Público requereu, primeiramente, a condenação dos requeridos nas sanções do art. 12, II, da Lei 8.429/1992, e, subsidiriamente, nas penalidades do inc. III daquele mesmo dispositivo, caso não acolhido o primeiro pedido. Esses requerimentos são compatíveis com as causas de pedir expostas na petição inicial. Não há, pois, a alegada inépcia.
17. O STJ já teve oportunidade de decidir que "Não se configura inépcia da inicial se a petição contiver a narrativa dos fatos configuradores, em tese, da improbidade administrativa e, para o que importa nesta demanda, do prejuízo aos cofres públicos" (REsp 964.920/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 28.10.2008, DJe 13.03.2009). Nessa mesma linha, o seguinte precedente: "No tocante à alegativa de ofensa ao art. 282, IV, do CPC, não há falar em ausência de delimitação da pretensão na exordial. Isso porque se formulou pedido certo na peça introdutória, em que requerida a condenação do recorrente às sanções previstas no art. 12 da Lei n. 8.429/92, inclusive na forma de tópicos, em decorrência da prática de ato suficientemente narrado, subsumível em tese ao tipo previsto no art. 11, I, do mesmo diploma normativo" (AgRg no REsp 1.294.456/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 4.9.2014, DJe 18.9.2014).
EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA: NÃO REPERCUSSÃO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE 18. A empresa Dominó Holdings S/A (recorrente) alega que a cláusula 15ª do acordo de acionistas, ao dispor que as discussões acerca do próprio ato seriam resolvidas perante a jurisdição arbitral, impediria o ajuizamento da presente ação, nos termos do art. 267, VII, do CPC. Em suma, o Tribunal de Apelação entendeu que, como a própria validade da cláusula está sendo impugnada na inicial da ACP, o tema seria propriamente de mérito, a demandar análise mais completa do caso, após a dilação probatória. O Min. Cesar Asfor Rocha, Relator, concordou com essa posição e foi além, para dizer que, de todo modo, a referida disposição do acordo seria voltada apenas a solucionar questões entre as partes ali signatárias e não poderia vincular a atuação do Ministério Público.
19. Mesmo que se avalie a questão pelo ângulo estrito, como requerido pela parte, e se admita que o tema seria meramente preliminar, cujo acolhimento ensejaria a extinção do feito sem resolução do mérito, a cláusula compromissória, ainda que válida (algo que é um dos fundamentos da própria inicial), seria vinculante somente daqueles que participaram do negócio jurídico. Jamais em relação a terceiros, no caso, ao Ministério Público.
20. Por outro lado, por vias transversas, haveria ainda violação ao art. 17, caput e § 1º, da Lei 8.429/1992 c/c o art. 1º da Lei 9.307/1996, ao dispor que a legitimidade ativa da Ação de Improbidade é privativa do Ministério Público e da pessoa jurídica interessada, além de ser proibida a transação sobre o objeto das respectivas ações, justamente porque indisponível. Enfim, relembre-se que a "jurisdição" arbitral só pode ser exercida em se tratando de interesses puramente privados: "As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis" (art. 1º da Lei 9.307/1996).
LEGITIMIDADE PASSIVA DA RECORRENTE. PESSOA JURÍDICA. SÚMULAS 7 E 83, AMBAS DO STJ 21. O acórdão recorrido, acerca do tema, assim se expressou: "A agravante possui legitimidade para integrar o pólo passivo, vez que há indícios suficientes da prática de conduta administrativa ímproba, pois participou do acordo de acionistas em litígio, sendo questionável as regras nele pactuadas (forma de distribuição de dividendos, de deliberação e de exercício do direito de voto)", fl.
3433.
22. O STJ tem jurisprudência tranquila no sentido de que, "Considerando que as pessoas jurídicas podem ser beneficiadas e condenadas por atos ímprobos, é de se concluir que, de forma correlata, podem figurar no polo passivo de uma demanda de improbidade, ainda que desacompanhada de seus sócios" (REsp 970.393/CE, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 21.6.2012, DJe 29.6.2012). No mesmo rumo: a) REsp 1.122.177/MT, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 3.8.2010, DJe 27.4.2011; b) REsp 1.038.762/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18.8.2009, DJe 31.8.2009.
Incidência da Súmula 83 do STJ.
23. Por outro lado, quanto à alegação de que o TJPR deveria mais profundamente avaliar a existência, ou não, do elemento subjetivo, o Recurso encontra óbice na Súmula 7. O Tribunal paranaense afirmou expressamente que os agentes da empresa participaram do já mencionado acordo de acionistas e há que indícios de irregularidades. O STJ está vinculado a essas conclusões fáticas, nos termos daquele Enunciado.
PRESCRIÇÃO: SÚMULA 83/STJ 24. Em relação à prescrição, a análise do acórdão indica que o TJPR decidiu em sintonia com a pacífica jurisprudência do STJ em dois pontos: a) "Se particular, estranho ao serviço público, praticar, concorrer ou se beneficiar de ato de improbidade praticado por agente público no exercício de mandato eletivo, sujeitar-se-á ao mesmo regime prescricional deste"; e b) "Não há falar em prescrição quinquenal (art. 23, inciso I, da Lei nº 8.429/92), pois a reeleição implica na continuidade do exercício da função governamental, devendo o termo inicial da prescrição começar a fluir a partir da efetiva saída do cargo, o que se deu, no caso, após o término do segundo mandato do co-réu (ex-governador)".
25. "Tendo como escopo a aplicação das sanções previstas na Lei 8.429/1992, o particular submete-se ao mesmo prazo prescricional que o agente público que praticou o ato ímprobo. Precedentes do STJ" (EDcl no AgRg no REsp 1.066.838/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 7.4.2011, DJe 26.4.2011). No mesmo sentido: a) REsp 1.433.552/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 25.11.2014, DJe 5.12.2014; b) AgRg no REsp 1.197.967/ES, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 26.8.2010, DJe 8.9.2010; c) REsp 1.156.519/RO, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 18.6.2013, DJe 28.6.2013; e d) REsp 1.405.346/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel.
p/ Acórdão Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 15.5.2014, DJe 19.8.2014.
26. Sobre o início da contagem em si, a jurisprudência do STJ também não vacila. Firmou o entendimento de que o prazo prescricional se conta, em caso de reeleição de político, a partir do término do segundo mandato. Nessa linha: a) AgRg no AREsp 161.420/TO, Rel.
Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 3.4.2014, DJe 14.4.2014; b) AgRg no REsp 1.208.201/RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 8.4.2014, DJe 14.4.2014; c) REsp 1.290.824/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19.11.2013, DJe 29.11.2013; e d) AgRg no REsp 1.259.432/PB, Rel.
Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 6.12.2012, DJe 4.2.2013.
ELEMENTO SUBJETIVO: ANÁLISE INDICIÁRIA NO RECEBIMENTO 27. De início, deve-se salientar que, conforme orientação do STJ, nesse momento de recebimento da inicial, a lógica que impera é de aplicação do princípio in dubio pro societate. Precedentes: a) AgRg no AREsp 498.335/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 25.11.2014, DJe 4.12.2014; b) AgRg no AREsp 400.779/ES, Rel.
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 25.11.2014, DJe 17.12.2014; c) AgRg no REsp 1.384.970/RN, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 18.9.2014, DJe 29.9.2014; d) REsp 1.197.406/MS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 22.8.2013.
28. Com base nisso, o STJ está a dizer que bastam meros indícios, substrato mínimo a autorizar o prosseguimento da ação. A ideia é evitar demandas temerárias ou mesmo desvios flagrantes no manejo de tal tipo de processo. Tanto isso é verdade que este Tribunal Superior aceita decisões sucintas, desde que fundamentadas. Não há, pois, necessidade de análise exauriente nesta fase inicial, até mesmo porque impossível neste momento, considerando-se a futura dilação probatória. Sobre o assunto, os seguintes precedentes: a) AgRg no AREsp 479.898/MG, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 1º.4.2014, DJe 7.4.2014; b) REsp 1.357.838/GO, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 12.8.2014, DJe 25.9.2014.
29. Estabelecidas essas premissas, o STJ não poderia exigir mais da Corte de Apelação do que a análise indiciária das eventuais irregularidades a justificar o prosseguimento da Ação de Improbidade. Em várias partes do acórdão de fls. 3432/3453, inclusive na ementa, o TJPR deixa claro que os indícios existem. A partir desse quadro, o STJ, se seguisse posição contrária, estaria revolvendo matéria fática (existência de indícios) e indo em sentido oposto ao que sua própria jurisprudência tem estabelecido em relação ao tema, especialmente em se tratando de juízo meramente de recebimento da inicial.
30. Deve-se relembrar que o caso é complexo. Cuida-se de ação na qual se discute a privatização de empresa estatal cujas cifras, na década de 1990, remontavam a quase R$ 250.000.000,00. Os interesses envolvidos são múltiplos. A dificuldade probatória também existe, tanto que designada perícia no primeiro grau de jurisdição.
31. Por outro prisma, consoante orientação hoje segura, em relação ao elemento subjetivo, há necessidade de dolo nas situações do art.
11, e ao menos culpa na hipótese do art. 10, sendo que "o elemento subjetivo, necessário à configuração de improbidade administrativa censurada nos termos do art. 11 da Lei 8.429/1992, é o dolo genérico de realizar conduta que atente contra os princípios da Administração Pública, não se exigindo a presença de dolo específico" (REsp 951.389/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 4.5.2011). A respeito do tema, os seguintes precedentes: a) AgRg no AREsp 533.862/MS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 20.11.2014, DJe 4.12.2014; b) AgRg no AREsp 532.421/PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 21.8.2014, DJe 28.8.2014; c) AgRg no AREsp 560.613/ES, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 20.11.2014, DJe 9.12.2014; d) AgRg no AgRg no AREsp 533.495/MS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 6.11.2014, DJe 17.11.2014.
32. Forte nisso, por um lado, parece sem sentido estabelecer no caso um paradigma perigoso a respeito da necessidade de se buscar culpa "grave", parâmetro não previsto pelo legislador, para fins da condenação com base no art. 10. É que, de toda sorte, há neste processo a alegação subsidiária de violação ao art. 11, que exigirá somente dolo genérico. Ou seja, de qualquer maneira, desconsiderada a imputação relativa àquele artigo, haver-se-ia ainda de analisar a outra subsequente.
33. Em síntese, quanto ao elemento subjetivo, no geral, o posicionamento do Tribunal a quo está em perfeita sintonia com a orientação do STJ (Súmula 83), além do que a revisão das premissas fáticas do acórdão hostilizado implica revolvimento de matéria fática (Súmula 7).
GRADAÇÃO DE CULPA: IMPROPRIEDADE 34. Por outro lado, o STJ não tem estabelecido gradação de culpas, com base em tão antiga como criticável doutrina civilista, a fim de que se tenha a condenação com fundamento no art. 10. O que se exige, conforme os julgados acima, é ao menos culpa, e isso deve ser visto após instrução processual e de acordo com o caso concreto. Deve-se afastar, de plano, qualquer possibilidade de gradação fantasiosa de culpa, a partir de noções civilistas ultrapassadas, no campo da improbidade administrativa.
35. De qualquer maneira, ainda que se admitisse essa "gradação", o próprio grau da culpa somente poderia ser avaliado após a instrução processual. Ou seja, por qualquer ângulo que se analise, inconveniente se mostra a discussão neste momento processual.
36. Com base nisso, pode-se dizer que o reconhecimento da inexistência de justa causa por ausência de culpa grave, tanto na ementa quanto no corpo do voto do e. Min. Relator, contrariou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
DANO/PREJUÍZO ERÁRIO: SÚMULAS 7 E 83 DO STJ 37. No que se refere a esse aspecto, a pacífica jurisprudência do STJ fixou a orientação de que o dano ou prejuízo só é necessário para o tipo previsto no art.
10 da Lei de Improbidade Administrativa. Nessa linha: a) AgRg no AREsp 560.613/ES, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 20.11.2014, DJe 9.12.2014; b) REsp 1.091.420/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 23.10.2014, DJe 5.11.2014.
38. Em sendo assim, inconveniente buscar eventual prova de dano ou prejuízo neste momento processual. Por um lado, se há o pedido condenatório com base no art. 11 da LIA, não faz sentido discutir a matéria; a ação deveria prosseguir em relação ao pedido subsidiário.
Por outra perspectiva, cabe ponderar ainda que a própria existência do dano ou prejuízo também será examinada após o término da instrução processual, consoante os seguinte julgados: a) AgRg no AREsp 400.779/ES, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 25.11.2014, DJe 17.12.2014; e) REsp 1.220.256/MT, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 12.4.2011, DJe 27.4.2011.
39. Partindo dessas premissas, constata-se que o voto do e. Min.
Relator se afastou da sólida orientação jurisprudencial do STJ.
CONCLUSÕES 40. Resumindo: a) inexiste omissão ou contradição no acórdão recorrido, razão pela qual o recurso não merece provimento pela alegação de negativa de prestação jurisdicional; b) não há a apontada inépcia da inicial, porque o TJPR decidiu em consonância com a orientação do STJ, no sentido de que os fatos e fundamentos jurídicos estão bem postos na peça introdutória, e os pedidos em sintonia com o que dispõe a Lei de Improbidade; c) a existência de cláusula compromissória no acordo de acionistas não limita a atuação do Ministério Público, que, além de não ser parte do negócio, vela por interesses públicos indisponíveis e não simplesmente econômicos;
d) a pessoa jurídica, se for supostamente beneficiária de ato ímprobo, tem legitimidade para figurar no polo passivo de Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa; e) o prazo prescricional, nos casos que envolvam políticos e pessoas privadas, é regido pelos lapsos aplicáveis àqueles, e, em caso de reeleição, a contagem se inicia terminado o segundo mandato; f) as questões afetas à ausência de justa causa esbarram, neste feito, nas Súmula 7 e 83 do STJ, porque, na fase inicial de recebimento da ação, bastam meros indícios, sendo desnecessária ainda a incursão mais profunda em provas relativas ao elemento subjetivo; g) tendo em vista que há imputação inicial concernente a possível incidência do art. 11 da LIA no caso, esvaziada se torna a discussão atinente à existência do dano/prejuízo neste momento, além do que essa temática encontraria óbice na Súmula 7 desta Corte.
41. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.
(REsp 1186389/PR, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/04/2015, DJe 07/11/2016)
Data do Julgamento
:
07/04/2015
Data da Publicação
:
DJe 07/11/2016
Órgão Julgador
:
T2 - SEGUNDA TURMA
Relator(a)
:
Ministro CESAR ASFOR ROCHA (1098)
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