REsp 1237752 / PRRECURSO ESPECIAL2011/0034566-4
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPARAÇÃO DE DANOS - USO DE VOCÁBULO "CURITIBA", INTEGRANTE DE MARCA MISTA DEVIDAMENTE REGISTRADA NO INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL (INPI), POR EMPRESA CONCORRENTE, QUE O AGREGOU AO SEU NOME COMERCIAL - TRIBUNAL A QUO QUE REPUTA VIOLADO O ART. 129 DA LEI DE PROPRIEDADE INTELECTUAL (LEI Nº 9.279/1996) E DETERMINA SEJAM ADOTADAS PROVIDÊNCIAS PARA FAZER CESSAR TODA E QUALQUER REFERÊNCIA AO VOCÁBULO "CURITIBA" ANTE O FATO DE A REPRODUÇÃO PARCIAL DA MARCA PRÉ-REGISTRADA CAUSAR DÚVIDA AOS CONSUMIDORES - PLEITO INDENIZATÓRIO NÃO ACOLHIDO EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE PROVA QUANTO AO PREJUÍZO - INSURGÊNCIA DA PARTE RÉ - RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
Hipótese: A controvérsia relaciona-se à possibilidade de uso de vocábulo constante de marca mista registrada e a eventual configuração de concorrência desleal.
1. O elemento característico ou diferenciador de nome de empresa ou de título de estabelecimento será óbice ao registro da marca (art.
124, inciso V, da Lei nº 9.279/1996 - LPI), quando a proteção ao nome empresarial for conferida em âmbito nacional.
2. A vedação à registrabilidade de vocábulos ou sinais de caráter genérico ou de uso comum deve ser analisada à luz de sua aplicabilidade ao produto ou serviço que se pretende identificar, e não com vistas à própria palavra ou sinal examinados isoladamente.
Na hipótese, o termo "Curitiba" não se relaciona diretamente com o serviço cuja individualização se busca com o registro da marca - venda de veículos - tampouco com as características inerentes ao serviço identificado, motivo pelo qual não incide a vedação prevista no art. 124, inciso VI, da Lei nº 9.279/1996.
3. O vocábulo "Curitiba" não ostenta as características próprias de indicação de procedência ou denominação de origem cujo registro é vedado pela lei, pois a disciplina legal da registrabilidade de indicações geográficas pressupõe a notoriedade da região na elaboração de produtos ou prestação de serviços, nos termos do art.
182 da LPI, o que não se evidencia nestes autos.
4. A marca mista é aquela constituída pela combinação de elementos nominativos e figurativos ou de elementos nominativos, cuja grafia se apresente de forma estilizada. Embora, em principio, seja admissível o registro de uma mesma marca nominativa para produtos de classes diversas, o mesmo já não se dá com as marcas mistas, pois nessas a imagem de um produto passa necessariamente para o outro na percepção visual do consumidor, ou seja, no caso de marca mista, a parte figurativa e estilizada não pode coincidir com a do produto/serviço em confronto.
4.1 A proteção que o registro marcário visa a conferir ao titular da marca comercial é quanto ao seu conjunto. A despeito de o aproveitamento parasitário ser repelido pelo ordenamento jurídico pátrio, independentemente de registro, tal circunstância é de ser aferida a partir do cotejo, pelo conjunto, das marcas comerciais, sendo desimportante o elemento nominativo, individualmente considerado, sobretudo nas marcas de configuração mista, como é a que foi registrada pela autora.
4.2 No caso, apesar de as empresas (autora e ré) atuarem em ramos comerciais próximos, inocorreu a contrafação, senão a mera aplicação do vocábulo "Curitiba", que por si só não é capaz de ensejar o reconhecimento de utilização descabida de marca mista alheia.
5. Independentemente do registro da marca conter o radical comum, os atos dos concorrentes sempre poderão ser avaliados à luz das regras sobre concorrência desleal, pois o princípio da liberdade de concorrência - pedra angular do impulso e desenvolvimento do mercado - encontra baliza na lealdade negocial, dever decantado da boa-fé objetiva e que deve nortear o agir das empresas no âmbito comercial.
5.1 Com esteio no art. 195 da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96), configura-se a concorrência desleal diante de imitação de marca passível de despertar confusão no consumidor, na medida em que a similitude visual de produtos/serviços, por meio da justaposição de cores e estilização coincidente, conjugada com a identidade de público-alvo, promove inquestionável tumulto por promover no consumidor a falsa idéia de estar adquirindo produto/serviço outro.
5.2 O cenário fático-jurídico de concorrência desleal reclama o desenho de um comportamento - patrocinado por um operador econômico e diagnosticado no terreno negocial de certo produto ou serviço - que contrarie a conduta-dever que necessita ser observada no duelo pela clientela, via expedientes que desafiem sua idoneidade no mercado e, efetivamente, ou em potência, causem danos ao concorrente, uma vez que a caracterização da concorrência desleal/aproveitamento parasitário, que tem por base a noção de enriquecimento sem causa prevista no artigo 884 do Código Civil, é fundada nos elementos probatórios, devendo ser avaliada diante de cada caso concreto.
5.3 Não se afigura adequada a utilização do óbice da súmula 7/STJ, pois, além de a autora deter tão somente o direito exclusivo de uso da marca mista "Curitiba Multimarcas", que nenhum silogismo guarda com o nome comercial "Auto Shopping Curitiba", semântica ou figurativamente, haja vista a diferenciação clara entre os seus logotipos - o que afasta de plano o alegado uso indevido de marca alheia -, o próprio Tribunal de origem afirmou, categoricamente, ter a parte autora se descurado do munus processual de comprovar o fato constitutivo de seu direito (art. 333, I, do CPC) no que tange aos eventuais prejuízos decorrentes da utilização do mesmo vocábulo "Curitiba" pela ré (confusão do público e proveito econômico).
5.4 O Tribunal a quo afirmou não ter restado provado o fato constitutivo do direito do autor relativamente à real existência de elementos fático-jurídicos caracterizadores de proveito parasitário que evidenciassem ter a empresa ré, por meio fraudulento, criado confusão entre serviços no mercado com o objetivo de desviar a clientela de outrem em proveito próprio ou alheio.
5.5 Face a aplicação da legislação correlata (incisos XIX e XXIII do art. 124, e inciso III e IV do art. 195 da Lei 9.279/96), em não tendo sido verificado, na presente hipótese, a existência de provas quanto à reprodução/imitação, no todo ou em parte, de marca alheia registrada, "suscetível de causar confusão ou associação com aquela marca alheia", inviável a manutenção do acórdão recorrido.
6. Recurso especial provido para reformar o acórdão recorrido e julgar improcedente a demanda.
(REsp 1237752/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 05/03/2015, DJe 27/05/2015)
Ementa
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPARAÇÃO DE DANOS - USO DE VOCÁBULO "CURITIBA", INTEGRANTE DE MARCA MISTA DEVIDAMENTE REGISTRADA NO INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL (INPI), POR EMPRESA CONCORRENTE, QUE O AGREGOU AO SEU NOME COMERCIAL - TRIBUNAL A QUO QUE REPUTA VIOLADO O ART. 129 DA LEI DE PROPRIEDADE INTELECTUAL (LEI Nº 9.279/1996) E DETERMINA SEJAM ADOTADAS PROVIDÊNCIAS PARA FAZER CESSAR TODA E QUALQUER REFERÊNCIA AO VOCÁBULO "CURITIBA" ANTE O FATO DE A REPRODUÇÃO PARCIAL DA MARCA PRÉ-REGISTRADA CAUSAR DÚVIDA AOS CONSUMIDORES - PLEITO INDENIZATÓRIO NÃO ACOLHIDO EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE PROVA QUANTO AO PREJUÍZO - INSURGÊNCIA DA PARTE RÉ - RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
Hipótese: A controvérsia relaciona-se à possibilidade de uso de vocábulo constante de marca mista registrada e a eventual configuração de concorrência desleal.
1. O elemento característico ou diferenciador de nome de empresa ou de título de estabelecimento será óbice ao registro da marca (art.
124, inciso V, da Lei nº 9.279/1996 - LPI), quando a proteção ao nome empresarial for conferida em âmbito nacional.
2. A vedação à registrabilidade de vocábulos ou sinais de caráter genérico ou de uso comum deve ser analisada à luz de sua aplicabilidade ao produto ou serviço que se pretende identificar, e não com vistas à própria palavra ou sinal examinados isoladamente.
Na hipótese, o termo "Curitiba" não se relaciona diretamente com o serviço cuja individualização se busca com o registro da marca - venda de veículos - tampouco com as características inerentes ao serviço identificado, motivo pelo qual não incide a vedação prevista no art. 124, inciso VI, da Lei nº 9.279/1996.
3. O vocábulo "Curitiba" não ostenta as características próprias de indicação de procedência ou denominação de origem cujo registro é vedado pela lei, pois a disciplina legal da registrabilidade de indicações geográficas pressupõe a notoriedade da região na elaboração de produtos ou prestação de serviços, nos termos do art.
182 da LPI, o que não se evidencia nestes autos.
4. A marca mista é aquela constituída pela combinação de elementos nominativos e figurativos ou de elementos nominativos, cuja grafia se apresente de forma estilizada. Embora, em principio, seja admissível o registro de uma mesma marca nominativa para produtos de classes diversas, o mesmo já não se dá com as marcas mistas, pois nessas a imagem de um produto passa necessariamente para o outro na percepção visual do consumidor, ou seja, no caso de marca mista, a parte figurativa e estilizada não pode coincidir com a do produto/serviço em confronto.
4.1 A proteção que o registro marcário visa a conferir ao titular da marca comercial é quanto ao seu conjunto. A despeito de o aproveitamento parasitário ser repelido pelo ordenamento jurídico pátrio, independentemente de registro, tal circunstância é de ser aferida a partir do cotejo, pelo conjunto, das marcas comerciais, sendo desimportante o elemento nominativo, individualmente considerado, sobretudo nas marcas de configuração mista, como é a que foi registrada pela autora.
4.2 No caso, apesar de as empresas (autora e ré) atuarem em ramos comerciais próximos, inocorreu a contrafação, senão a mera aplicação do vocábulo "Curitiba", que por si só não é capaz de ensejar o reconhecimento de utilização descabida de marca mista alheia.
5. Independentemente do registro da marca conter o radical comum, os atos dos concorrentes sempre poderão ser avaliados à luz das regras sobre concorrência desleal, pois o princípio da liberdade de concorrência - pedra angular do impulso e desenvolvimento do mercado - encontra baliza na lealdade negocial, dever decantado da boa-fé objetiva e que deve nortear o agir das empresas no âmbito comercial.
5.1 Com esteio no art. 195 da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96), configura-se a concorrência desleal diante de imitação de marca passível de despertar confusão no consumidor, na medida em que a similitude visual de produtos/serviços, por meio da justaposição de cores e estilização coincidente, conjugada com a identidade de público-alvo, promove inquestionável tumulto por promover no consumidor a falsa idéia de estar adquirindo produto/serviço outro.
5.2 O cenário fático-jurídico de concorrência desleal reclama o desenho de um comportamento - patrocinado por um operador econômico e diagnosticado no terreno negocial de certo produto ou serviço - que contrarie a conduta-dever que necessita ser observada no duelo pela clientela, via expedientes que desafiem sua idoneidade no mercado e, efetivamente, ou em potência, causem danos ao concorrente, uma vez que a caracterização da concorrência desleal/aproveitamento parasitário, que tem por base a noção de enriquecimento sem causa prevista no artigo 884 do Código Civil, é fundada nos elementos probatórios, devendo ser avaliada diante de cada caso concreto.
5.3 Não se afigura adequada a utilização do óbice da súmula 7/STJ, pois, além de a autora deter tão somente o direito exclusivo de uso da marca mista "Curitiba Multimarcas", que nenhum silogismo guarda com o nome comercial "Auto Shopping Curitiba", semântica ou figurativamente, haja vista a diferenciação clara entre os seus logotipos - o que afasta de plano o alegado uso indevido de marca alheia -, o próprio Tribunal de origem afirmou, categoricamente, ter a parte autora se descurado do munus processual de comprovar o fato constitutivo de seu direito (art. 333, I, do CPC) no que tange aos eventuais prejuízos decorrentes da utilização do mesmo vocábulo "Curitiba" pela ré (confusão do público e proveito econômico).
5.4 O Tribunal a quo afirmou não ter restado provado o fato constitutivo do direito do autor relativamente à real existência de elementos fático-jurídicos caracterizadores de proveito parasitário que evidenciassem ter a empresa ré, por meio fraudulento, criado confusão entre serviços no mercado com o objetivo de desviar a clientela de outrem em proveito próprio ou alheio.
5.5 Face a aplicação da legislação correlata (incisos XIX e XXIII do art. 124, e inciso III e IV do art. 195 da Lei 9.279/96), em não tendo sido verificado, na presente hipótese, a existência de provas quanto à reprodução/imitação, no todo ou em parte, de marca alheia registrada, "suscetível de causar confusão ou associação com aquela marca alheia", inviável a manutenção do acórdão recorrido.
6. Recurso especial provido para reformar o acórdão recorrido e julgar improcedente a demanda.
(REsp 1237752/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 05/03/2015, DJe 27/05/2015)Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal
de Justiça, após o voto-vista do Ministro Marco Buzzi, dando
provimento ao recurso especial, divergindo do relator, e os votos
dos Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos
Ferreira, acompanhando a divergência, por maioria, dar provimento
ao recurso especial, nos termos do voto divergente do Ministro Marco
Buzzi. Vencido o relator que negava provimento ao recurso especial.
Votaram com o Sr. Ministro Marco Buzzi os Srs. Ministros Raul Araújo
(Presidente), Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira.
Data do Julgamento
:
05/03/2015
Data da Publicação
:
DJe 27/05/2015
Órgão Julgador
:
T4 - QUARTA TURMA
Relator(a)
:
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO (1140)
Relator a p acórdão
:
Ministro MARCO BUZZI (1149)
Informações adicionais
:
(VOTO VENCIDO) (MIN. LUIS FELIPE SALOMÃO)
"[...] quando um nome isoladamente vulgar se une a um signo
ou atividade que não é por ele próprio sugerido,
tem-se a originalidade e distintividade que autorizam a proteção
da marca, de modo a conferir ao titular o direito de exclusividade
do uso".
" [...] saber se o uso da marca nominativa isoladamente ou o
logotipo da empresa autora - marca mista - teria o condão de
promover ou não a chamada associação parasitária, pela usurpação do
Trade Dress, demanda incursão aprofundada nas provas dos autos, o
que, mais uma vez, encontra óbice na Súmula n. 7/STJ".
Referência legislativa
:
LEG:FED LEI:009279 ANO:1996***** CPI-96 CÓDIGO DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL DE 1996 ART:00124 INC:00005 INC:00006 INC:00009 INC:00019 INC:00023 ART:00129 ART:00176 ART:00177 ART:00178 ART:00181 ART:00182 ART:00195 INC:00003 INC:00004LEG:FED LEI:010406 ANO:2002***** CC-02 CÓDIGO CIVIL DE 2002 ART:00884LEG:FED SUM:*********** SUM(STJ) SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SUM:000007
Veja
:
(NOME EMPRESARIAL - PROTEÇÃO DE ÂMBITO NACIONAL - VEDAÇÃO AOREGISTRO DE MARCA) STJ - REsp 1184867-SC, REsp 1191612-PA, REsp 1204488-RS(OFENSA AO DIREITO DE MARCA - CONCORRÊNCIA DESLEAL - NECESSIDADE DEUTILIZAÇÃO DE MEIO FRAUDULENTO QUE CAUSE PREJUÍZO AO CONCORRENTE) STJ - REsp 1376264-RJ
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