REsp 1299900 / RJRECURSO ESPECIAL2011/0302811-8
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. CONTAMINAÇÃO DE HEMOFÍLICOS COM O VÍRUS HIV (AIDS) E HCV (HEPATITE C). OMISSÃO ESTATAL NO CONTROLE DO SANGUE.
DANO MORAL. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO E DO ESTADO. DECISÃO EXTRA PETITA. LEI 4.701/65.
1. Recursos especiais provenientes de ação ordinária ajuizada contra a União e o Estado do Rio de Janeiro, objetivando o pagamento de indenização em virtude de os recorridos terem contraído HIV e Hepatite C quando realizaram tratamento para hemofilia no Centro de Hematologia Santa Catarina. O Tribunal de origem deu parcial provimento ao apelo para reformar a sentença que havia reconhecido a prescrição - condenando o Estado e a União a pagar a quantia de R$ 465.000,00 (quatrocentos e sessenta e cinco mil reais) para cada apelante, ficando cada ente federativo devedor da metade da cota de cada apelante.
2. Inexiste a alegada violação do art. 535 do CPC, pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, conforme se depreende da análise do acórdão recorrido.
3. A tese acolhida pelo acórdão recorrido para afastar a prescrição faz um paralelo com a de relações de trato sucessivo, em decorrência da extensão do dano causado pelo decurso do tempo.
Porém, o caso é de prescrição de fundo de direito.
4. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o termo inicial para a contagem do prazo quinquenal, nesses casos, inicia-se na data do conhecimento do resultado revelado pelo exame técnico laboratorial (REsp 140.158/SC, Rel. Ministro Milton Luiz Pereira, 1ª Turma, j. 28/08/1997). Termo inicial e data do ajuizamento da ação não prequestionados no acórdão impugnado. Os embargos declaratórios opostos trataram de matéria diversa.
Reconhecer a prescrição encontra óbice da Súmula 211/STJ.
5. O Estado do Rio de Janeiro e a União possuem legitimidade passiva, nos termos da Lei 4.701/65, para responder pelos danos causados aos hemofílicos contaminados, em transfusões de sangue, por HIV e Hepatite C, na década de 1980. Precedentes: REsp 1423483/PE, Rel. Ministro Humberto Martins, 2ª Turma, j. 25/11/2014, DJe 05/12/2014; REsp 1479358/PE, Rel. Ministro Og Fernandes, 2ª Turma, j. 02/10/2014.
6. Responsabilidade objetiva do Estado, com base na teoria do risco administrativo, por contaminação com o vírus HIV e HCV (hepatite C), em decorrência de transfusão de sangue. Dano e nexo causal reconhecidos pelo Tribunal de Origem. Não se observa excludente de culpabilidade no caso em análise. Reconhece-se a conduta danosa da Administração Pública ao não tomar as medidas cabíveis para o controle da pandemia. No início da década de 80, já era notícia no mundo científico de que a AIDS poderia ser transmitida pelas transfusões de sangue. O desconhecimento acerca do vírus transmissor (HIV) não exonera o Poder Público de adotar medidas para mitigar os efeitos de uma pandemia ou epidemia. Princípio da Precaução no âmbito do Direito Administrativo.
7. Consoante entendimento sedimentado no STJ, não ocorre julgamento extra petita se o Tribunal local decide questão que é reflexo do pedido na exordial. "O pleito inicial deve ser interpretado em consonância com a pretensão deduzida na exordial como um todo, sendo certo que o acolhimento da pretensão extraído da interpretação lógico-sistemática da peça inicial não implica julgamento extra petita" (AgRg no AREsp 322.510/BA, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, j. 11/06/2013, DJe 25/06/2013).
8. A Corte Regional, com base na situação fática do caso, procedeu à análise dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade para fixar a o valor dos danos morais. Portanto, para modificar tal entendimento, como requerem os agravantes, seria imprescindível exceder os fundamentos colacionados no acórdão recorrido, pois demandaria incursão no contexto fático-probatório dos autos, defeso em recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ.
9. No tocante ao termo inicial dos juros de mora, ressalta-se que só são devidos após o prazo do § 5° do art. 100 da Constituição Federal. Não poderia o Tribunal de origem fixar juros a partir da data da publicação do acórdão.
Recursos especiais conhecidos em parte e parcialmente providos.
(REsp 1299900/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/03/2015, DJe 13/03/2015)
Ementa
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. CONTAMINAÇÃO DE HEMOFÍLICOS COM O VÍRUS HIV (AIDS) E HCV (HEPATITE C). OMISSÃO ESTATAL NO CONTROLE DO SANGUE.
DANO MORAL. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO E DO ESTADO. DECISÃO EXTRA PETITA. LEI 4.701/65.
1. Recursos especiais provenientes de ação ordinária ajuizada contra a União e o Estado do Rio de Janeiro, objetivando o pagamento de indenização em virtude de os recorridos terem contraído HIV e Hepatite C quando realizaram tratamento para hemofilia no Centro de Hematologia Santa Catarina. O Tribunal de origem deu parcial provimento ao apelo para reformar a sentença que havia reconhecido a prescrição - condenando o Estado e a União a pagar a quantia de R$ 465.000,00 (quatrocentos e sessenta e cinco mil reais) para cada apelante, ficando cada ente federativo devedor da metade da cota de cada apelante.
2. Inexiste a alegada violação do art. 535 do CPC, pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, conforme se depreende da análise do acórdão recorrido.
3. A tese acolhida pelo acórdão recorrido para afastar a prescrição faz um paralelo com a de relações de trato sucessivo, em decorrência da extensão do dano causado pelo decurso do tempo.
Porém, o caso é de prescrição de fundo de direito.
4. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o termo inicial para a contagem do prazo quinquenal, nesses casos, inicia-se na data do conhecimento do resultado revelado pelo exame técnico laboratorial (REsp 140.158/SC, Rel. Ministro Milton Luiz Pereira, 1ª Turma, j. 28/08/1997). Termo inicial e data do ajuizamento da ação não prequestionados no acórdão impugnado. Os embargos declaratórios opostos trataram de matéria diversa.
Reconhecer a prescrição encontra óbice da Súmula 211/STJ.
5. O Estado do Rio de Janeiro e a União possuem legitimidade passiva, nos termos da Lei 4.701/65, para responder pelos danos causados aos hemofílicos contaminados, em transfusões de sangue, por HIV e Hepatite C, na década de 1980. Precedentes: REsp 1423483/PE, Rel. Ministro Humberto Martins, 2ª Turma, j. 25/11/2014, DJe 05/12/2014; REsp 1479358/PE, Rel. Ministro Og Fernandes, 2ª Turma, j. 02/10/2014.
6. Responsabilidade objetiva do Estado, com base na teoria do risco administrativo, por contaminação com o vírus HIV e HCV (hepatite C), em decorrência de transfusão de sangue. Dano e nexo causal reconhecidos pelo Tribunal de Origem. Não se observa excludente de culpabilidade no caso em análise. Reconhece-se a conduta danosa da Administração Pública ao não tomar as medidas cabíveis para o controle da pandemia. No início da década de 80, já era notícia no mundo científico de que a AIDS poderia ser transmitida pelas transfusões de sangue. O desconhecimento acerca do vírus transmissor (HIV) não exonera o Poder Público de adotar medidas para mitigar os efeitos de uma pandemia ou epidemia. Princípio da Precaução no âmbito do Direito Administrativo.
7. Consoante entendimento sedimentado no STJ, não ocorre julgamento extra petita se o Tribunal local decide questão que é reflexo do pedido na exordial. "O pleito inicial deve ser interpretado em consonância com a pretensão deduzida na exordial como um todo, sendo certo que o acolhimento da pretensão extraído da interpretação lógico-sistemática da peça inicial não implica julgamento extra petita" (AgRg no AREsp 322.510/BA, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, j. 11/06/2013, DJe 25/06/2013).
8. A Corte Regional, com base na situação fática do caso, procedeu à análise dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade para fixar a o valor dos danos morais. Portanto, para modificar tal entendimento, como requerem os agravantes, seria imprescindível exceder os fundamentos colacionados no acórdão recorrido, pois demandaria incursão no contexto fático-probatório dos autos, defeso em recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ.
9. No tocante ao termo inicial dos juros de mora, ressalta-se que só são devidos após o prazo do § 5° do art. 100 da Constituição Federal. Não poderia o Tribunal de origem fixar juros a partir da data da publicação do acórdão.
Recursos especiais conhecidos em parte e parcialmente providos.
(REsp 1299900/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/03/2015, DJe 13/03/2015)Acórdão
"A Turma, por unanimidade, conheceu em parte dos recursos e, nessa
parte, deu-lhes parcial provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a).
Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Mauro
Campbell Marques (Presidente) e Assusete Magalhães votaram com o Sr.
Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Og Fernandes.
Data do Julgamento
:
03/03/2015
Data da Publicação
:
DJe 13/03/2015
Órgão Julgador
:
T2 - SEGUNDA TURMA
Relator(a)
:
Ministro HUMBERTO MARTINS (1130)
Notas
:
Indenização por dano moral: R$ 465.000,00 (quatrocentos e sessenta e
cinco mil reais) para cada autor.
Informações adicionais
:
"[...] o ordenamento jurídico não excepciona os danos advindos
de atendimento em hospitais públicos como modalidade de Risco
Integral. Aplica-se aqui a Teoria do Risco Administrativo. A Teoria
do Risco Administrativo, aliada ao mandamento básico de
responsabilidade civil do Estado, determina que o Estado será
responsável pelo ressarcimento do dano, uma vez reconhecido o nexo
causal e o dano, independentemente de culpa ou dolo do agente.
Admitem-se, entretanto, as excludentes de responsabilidade, tais
como culpa exclusiva da vítima, força maior e caso fortuito".
A contaminação pelo vírus HIV não configura caso fortuito ou
força maior capaz de desconstituir a responsabilidade civil do
Estado. Isso porque, no início dos anos 80 já era conhecido que a
nova doença, denominada AIDS, poderia ser transmitida mediante
transfusões de sangue, o que afasta a imprevisibilidade da infecção.
Ademais, em relação à irresistibilidade, mesmo em caso de
dúvida ou incerteza, deveriam as autoridades governamentais
adotar todas as providências cabíveis para evitar o agravamento
do número de casos da doença no território brasileiro. Nesse
contexto, a ausência de certeza científica não pode justificar
atitudes negligentes da Administração Pública. Aplica-se,
nesse caso, o princípio da precaução, oriundo do Direito Ambiental.
Referência legislativa
:
LEG:FED SUM:*********** SUM(STJ) SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SUM:000007LEG:FED LEI:004701 ANO:1965 ART:00003 ART:00004 ART:00013 ART:00040LEG:FED CFB:****** ANO:1988***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ART:00100 PAR:00005LEG:FED SUM:*********** SUV(STF) SÚMULA VINCULANTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SUM:000017
Veja
:
(PRESCRIÇÃO - TERMO INICIAL - EXAME TÉCNICO LABORATORIAL) STJ - REsp 1423483-PE, REsp 140158-SC(LEGITIMIDADE PASSIVA - LEI 4.701/1965) STJ - REsp 1423483-PE, REsp 1479358-PE(RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - TRANSFUSÃO DE SANGUE) STJ - REsp 768574-RJ(JULGAMENTO EXTRA PETITA - QUESTÃO REFLEXA AO PEDIDO NA EXORDIAL) STJ - AgRg no AREsp 322510-BA(DANOS MORAIS - INCURSÃO NO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS -RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE) STJ - AgRg no REsp 1496290-AC
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