REsp 1324760 / SPRECURSO ESPECIAL2011/0153653-7
RECURSO ESPECIAL. PROCESSO PENAL. REVISÃO CRIMINAL. PUBLICAÇÃO DE ACÓRDÃO QUE NÃO CORRESPONDE AO JULGAMENTO DO ÓRGÃO COLEGIADO. COISA JULGADA. NÃO OCORRÊNCIA. PERCEPÇÃO DO EQUÍVOCO PELO TRIBUNAL APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO. DESCONSIDERAÇÃO DA PUBLICAÇÃO. POSSIBILIDADE.
SEGURANÇA JURÍDICA. LEALDADE E ÉTICA PROCESSUAIS. PRETENDIDAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DECORRENTES DE ATOS ILÍCITOS.
DESCONSIDERAÇÃO. SUSPEIÇÃO DE JULGADORES. UTILIZAÇÃO DE EXPRESSÕES INADEQUADAS. CIRCUNSTÂNCIA INSUFICIENTE A CONFIGURAR PARCIALIDADE NO JULGAMENTO.
1. O processo, em sua atual fase de desenvolvimento, é reforçado por valores éticos, com especial atenção ao papel desempenhado pelas partes, cabendo-lhes, além da participação para construção do provimento da causa, cooperar para a efetivação, a observância e o respeito à veracidade, à integralidade e à integridade do que se decidiu, conforme diretrizes do Estado Democrático de Direito.
2. A publicação intencional de acórdão ideologicamente falso - que não retrata, em nenhum aspecto, o julgamento realizado - com o objetivo de beneficiar uma das partes, mesmo após o trânsito em julgado, não pode reclamar a proteção de nenhum instituto do sistema processual (coisa julgada, segurança jurídica etc.) 3. Ao sistema de invalidades processuais aplicam-se todas as noções da teoria do direito acerca do plano de validade dos atos jurídicos de maneira geral. No processo, a validade do ato processual, tal como ocorre com os fatos jurídicos, também diz respeito à adequação do suporte fático que lhe subjaz e lhe serve de lastro.
4. A manutenção dos efeitos da publicação ilícita, eventualmente pretendida pelas partes, refoge à própria finalidade da revisão criminal que, ao superar a intangibilidade da sentença transitada em julgado, cede espaço aos impetrativos da justiça substancial.
5. É bem verdade que a revisão criminal encontra limitações no direito brasileiro, e a principal delas diz respeito à modalidade de decisão que pode desconstituir. Desde que instituída a revisão criminal na Constituição de 1891, é tradição do processo penal brasileiro reconhecer - tomando o princípio do favor rei como referência - que somente as sentenças de condenação podem ser revistas.
6. A revisão pro societate, cumpre dizer, reclamaria a mesma lógica que explica a revisão pro reo, qual seja, a necessidade de preservar a verdade e a justiça material, sobretudo quando o tempo demonstra a falsidade das provas sobre as quais se assentou a decisão absolutória, de modo a comprometer a legitimidade da sentença perante a comunhão social.
7. Embora entre nós não se preveja, normativamente, ainda que em caráter excepcional, a possibilidade de revisão do julgado favorável ao réu, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal autoriza desconstituir decisão terminativa de mérito em que se declarou extinta a punibilidade do acusado, em conformidade com os arts. 61 e 62 do Código de Processo Penal, tendo em vista a comprovação, posterior ao trânsito em julgado daquela decisão, de que o atestado de óbito motivador do decisum fora falsificado.
8. Ainda que a hipótese em exame não reproduza o caso de certidão de óbito falsa, retrata a elaboração de acórdão de conteúdo ideologicamente falsificado sobre o qual se pretende emprestar os efeitos da coisa julgada, da segurança jurídica e da inércia da jurisdição, o que ressoa incongruente com a própria natureza da revisão criminal que é a de fazer valer a verdade.
9. A desconstituição do acórdão falso não significa que houve rejulgamento da revisão criminal, muito menos se está a admitir uma revisão criminal pro societate. Trata-se de simples decisão interlocutória por meio da qual o Judiciário, dada a constatação de flagrante ilegalidade na proclamação do resultado de seu julgado, porquanto sedimentado em realidade fática inexistente e em correspondente documentação fraudada, corrige o ato e proclama o resultado verdadeiro (veredicto). Pensar de modo diverso (é que) ensejaria ofensa ao princípio do devido processo legal, aqui analisado sob o prisma dos deveres de lealdade, cooperação, probidade e confiança, que constituem pilares de sustentação do sistema jurídico-processual.
10. O processo, sob a ótica de qualquer de seus escopos, não pode tolerar o abuso do direito ou qualquer outra forma de atuação que dê azo à litigância de má-fé. Logo, condutas contrárias à verdade, fraudulentas ou procrastinatórias conspurcam o objetivo publicístico e social do processo, a merecer uma resposta inibitória exemplar do Judiciário.
11. Portanto, visto sob esse prisma, não há como se tolerar, como argumento de defesa, suposta inobservância à segurança jurídica quando a estabilidade da decisão que se pretende seja obedecida é assentada justamente em situação de fato e em comportamento processual que o ordenamento jurídico visa coibir.
12. A seu turno, o emprego, por desembargador que oficiou nos autos, de expressões inadequadas ou de linguajar não compatível com a nobre função de julgar não significa, por si só, a ocorrência de julgamento parcial. A suspeição se comprova pelo laço íntimo de afeição ou de desafeição e não pela ausência de técnica escorreita de linguagem.
13. Recurso Especial não provido.
(REsp 1324760/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 18/02/2015)
Ementa
RECURSO ESPECIAL. PROCESSO PENAL. REVISÃO CRIMINAL. PUBLICAÇÃO DE ACÓRDÃO QUE NÃO CORRESPONDE AO JULGAMENTO DO ÓRGÃO COLEGIADO. COISA JULGADA. NÃO OCORRÊNCIA. PERCEPÇÃO DO EQUÍVOCO PELO TRIBUNAL APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO. DESCONSIDERAÇÃO DA PUBLICAÇÃO. POSSIBILIDADE.
SEGURANÇA JURÍDICA. LEALDADE E ÉTICA PROCESSUAIS. PRETENDIDAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DECORRENTES DE ATOS ILÍCITOS.
DESCONSIDERAÇÃO. SUSPEIÇÃO DE JULGADORES. UTILIZAÇÃO DE EXPRESSÕES INADEQUADAS. CIRCUNSTÂNCIA INSUFICIENTE A CONFIGURAR PARCIALIDADE NO JULGAMENTO.
1. O processo, em sua atual fase de desenvolvimento, é reforçado por valores éticos, com especial atenção ao papel desempenhado pelas partes, cabendo-lhes, além da participação para construção do provimento da causa, cooperar para a efetivação, a observância e o respeito à veracidade, à integralidade e à integridade do que se decidiu, conforme diretrizes do Estado Democrático de Direito.
2. A publicação intencional de acórdão ideologicamente falso - que não retrata, em nenhum aspecto, o julgamento realizado - com o objetivo de beneficiar uma das partes, mesmo após o trânsito em julgado, não pode reclamar a proteção de nenhum instituto do sistema processual (coisa julgada, segurança jurídica etc.) 3. Ao sistema de invalidades processuais aplicam-se todas as noções da teoria do direito acerca do plano de validade dos atos jurídicos de maneira geral. No processo, a validade do ato processual, tal como ocorre com os fatos jurídicos, também diz respeito à adequação do suporte fático que lhe subjaz e lhe serve de lastro.
4. A manutenção dos efeitos da publicação ilícita, eventualmente pretendida pelas partes, refoge à própria finalidade da revisão criminal que, ao superar a intangibilidade da sentença transitada em julgado, cede espaço aos impetrativos da justiça substancial.
5. É bem verdade que a revisão criminal encontra limitações no direito brasileiro, e a principal delas diz respeito à modalidade de decisão que pode desconstituir. Desde que instituída a revisão criminal na Constituição de 1891, é tradição do processo penal brasileiro reconhecer - tomando o princípio do favor rei como referência - que somente as sentenças de condenação podem ser revistas.
6. A revisão pro societate, cumpre dizer, reclamaria a mesma lógica que explica a revisão pro reo, qual seja, a necessidade de preservar a verdade e a justiça material, sobretudo quando o tempo demonstra a falsidade das provas sobre as quais se assentou a decisão absolutória, de modo a comprometer a legitimidade da sentença perante a comunhão social.
7. Embora entre nós não se preveja, normativamente, ainda que em caráter excepcional, a possibilidade de revisão do julgado favorável ao réu, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal autoriza desconstituir decisão terminativa de mérito em que se declarou extinta a punibilidade do acusado, em conformidade com os arts. 61 e 62 do Código de Processo Penal, tendo em vista a comprovação, posterior ao trânsito em julgado daquela decisão, de que o atestado de óbito motivador do decisum fora falsificado.
8. Ainda que a hipótese em exame não reproduza o caso de certidão de óbito falsa, retrata a elaboração de acórdão de conteúdo ideologicamente falsificado sobre o qual se pretende emprestar os efeitos da coisa julgada, da segurança jurídica e da inércia da jurisdição, o que ressoa incongruente com a própria natureza da revisão criminal que é a de fazer valer a verdade.
9. A desconstituição do acórdão falso não significa que houve rejulgamento da revisão criminal, muito menos se está a admitir uma revisão criminal pro societate. Trata-se de simples decisão interlocutória por meio da qual o Judiciário, dada a constatação de flagrante ilegalidade na proclamação do resultado de seu julgado, porquanto sedimentado em realidade fática inexistente e em correspondente documentação fraudada, corrige o ato e proclama o resultado verdadeiro (veredicto). Pensar de modo diverso (é que) ensejaria ofensa ao princípio do devido processo legal, aqui analisado sob o prisma dos deveres de lealdade, cooperação, probidade e confiança, que constituem pilares de sustentação do sistema jurídico-processual.
10. O processo, sob a ótica de qualquer de seus escopos, não pode tolerar o abuso do direito ou qualquer outra forma de atuação que dê azo à litigância de má-fé. Logo, condutas contrárias à verdade, fraudulentas ou procrastinatórias conspurcam o objetivo publicístico e social do processo, a merecer uma resposta inibitória exemplar do Judiciário.
11. Portanto, visto sob esse prisma, não há como se tolerar, como argumento de defesa, suposta inobservância à segurança jurídica quando a estabilidade da decisão que se pretende seja obedecida é assentada justamente em situação de fato e em comportamento processual que o ordenamento jurídico visa coibir.
12. A seu turno, o emprego, por desembargador que oficiou nos autos, de expressões inadequadas ou de linguajar não compatível com a nobre função de julgar não significa, por si só, a ocorrência de julgamento parcial. A suspeição se comprova pelo laço íntimo de afeição ou de desafeição e não pela ausência de técnica escorreita de linguagem.
13. Recurso Especial não provido.
(REsp 1324760/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 18/02/2015)Acórdão
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma, prosseguindo no
julgamento após o voto-vista do Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz,
que negou provimento ao recurso especial, no que foi acompanhado
pelos Srs. Ministros Nefi Cordeiro e Maria Thereza de Assis Moura,
por maioria, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr.
Ministro Rogerio Schietti Cruz, que lavrará o acórdão, vencido o Sr.
Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nefi Cordeiro e Maria Thereza de
Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz.
Impedido o Sr. Ministro Ericson Maranho (Desembargador convocado do
TJ/SP).
Data do Julgamento
:
16/12/2014
Data da Publicação
:
DJe 18/02/2015
Órgão Julgador
:
T6 - SEXTA TURMA
Relator(a)
:
Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR (1148)
Relator a p acórdão
:
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ (1158)
Informações adicionais
:
(VOTO VENCIDO) (MIN. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR)
" [...]a atuação da Corte estadual afastou-se do devido
processo legal, ofendendo os princípios da legalidade, da segurança
jurídica, bem como violando a coisa julgada, porque, após a
proclamação do resultado do julgamento e encerrada a prestação
jurisdicional do Tribunal de origem, inclusive com intimação das
partes do acórdão acolhendo a revisão criminal, sem que qualquer
delas tenha interposto recurso, retificou o julgamento, modificando
o resultado proclamado. E o fez sem permitir às partes acesso à
sessão em que tal questão foi apreciada, uma vez que convocada
especificamente para essa finalidade, por meio de ofício expedido
aos Desembargadores, sem que dela tenha sido dada publicidade.
[...]a retificação da proclamação, no caso concreto, revogou a
absolvição anteriormente proclamada, constituindo numa revisão pro
societate, inadmitida no nosso ordenamento jurídico.".
Referência legislativa
:
LEG:FED LEI:005869 ANO:1973***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 ART:00463 ART:00471 ART:00556
Veja
:
(RETIFICAÇÃO DE JULGAMENTO - DECISÃO BASEADA EM FATO INEXISTENTE -POSSIBILIDADE) STF - HC 55901, HC 84525, HC 104998(VOTO VENCIDO - RETIFICAÇÃO DE JULGAMENTO - LIMITE TEMPORAL -PROCLAMAÇÃO DO RESULTADO) STJ - REsp 258649-PR(VOTO VENCIDO - RETIFICAÇÃO DE JULGAMENTO APÓS PROCLAMAÇÃO DORESULTADO - OFENSA À SEGURANÇA JURÍDICA) STJ - REsp 1370651-MG, REsp 1147274-RS, REsp 351881-PB
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