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Jurisprudência


REsp 1362084 / RJRECURSO ESPECIAL2013/0005792-1

Ementa
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TV A CABO. CLÁUSULA DE FIDELIZAÇÃO. COBRANÇA INTEGRAL DA MULTA DE FIDELIDADE INDEPENDENTEMENTE DO CUMPRIMENTO PARCIAL DO PRAZO DE CARÊNCIA. 1. A cláusula de fidelização em contrato de serviços de telecomunicação (como o serviço de TV a cabo) revela-se lícita, tendo em vista os benefícios concedidos pelas operadoras aos assinantes que optam por tal pacto e a necessária estipulação de prazo mínimo para a recuperação do investimento realizado. Precedentes. 2. A referida modalidade contratual tem previsão de cláusula penal (pagamento de multa) caso o consumidor opte pela rescisão antecipada e injustificada do contrato. Tem-se, assim, por escopo principal, o necessário ressarcimento dos investimentos financeiros realizados por uma das partes para a celebração ou execução do contrato (parágrafo único do artigo 473 do Código Civil). De outro lado, sobressai seu caráter coercitivo, objetivando constranger o devedor a cumprir o prazo estipulado no contrato e, consequentemente, viabilizar o retorno financeiro calculado com o pagamento das mensalidades a serem vertidas durante a continuidade da relação jurídica programada. 3. Nada obstante, em que pese ser elemento oriundo de convenção entre os contratantes, a fixação da cláusula penal não pode estar indistintamente ao alvedrio destes, já que o ordenamento jurídico prevê normas imperativas e cogentes, que possuem a finalidade de resguardar a parte mais fraca do contrato, como é o caso do artigo 412 do Código Civil ("O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal."). 4. A citada preocupação reverbera, com maior intensidade, em se tratando de contrato de adesão, como o de prestação de serviços de telecomunicações, o que motivou a ANATEL a expedir a Resolução 632/2014, a fim de regular a forma de cálculo da multa a ser cobrada em caso de resilição antecipada dos contratos com fidelização. 5. O referido regulamento entrou em vigor em 07 de julho de 2014 e, a partir de então, as prestadoras de serviço de TV a cabo (assim como as demais prestadoras de serviços de telecomunicações) são obrigadas a oferecer contratos de permanência aos consumidores - vinculados aos contratos de prestação de serviços com cláusula de fidelização - e a calcular a multa fidelidade proporcionalmente ao valor do benefício concedido e ao período restante para o decurso do prazo mínimo estipulado. 6. Contudo, mesmo antes da vigência do citado normativo, revelava-se abusiva a prática comercial adotada pela prestadora do serviço de TV a cabo, que, até 2011, cobrava a multa fidelidade integral dos consumidores, independentemente do tempo faltante para o término da relação de fidelização. 7. Isso porque a cobrança integral da multa, sem computar o prazo de carência parcialmente cumprido pelo consumidor, coloca o fornecedor em vantagem exagerada, caracterizando conduta iníqua, incompatível com a equidade, consoante disposto no § 1º e inciso IV do artigo 51 do código consumerista. 8. Nesse panorama, sobressai o direito básico do consumidor à proteção contra práticas e cláusulas abusivas, que consubstanciem prestações desproporcionais, cuja adequação deve ser realizada pelo Judiciário, a fim de garantir o equilíbrio contratual entre as partes, afastando-se o ônus excessivo e o enriquecimento sem causa porventura detectado (artigos 6º, incisos IV e V, e 51, § 2º, do CDC), providência concretizadora do princípio constitucional de defesa do consumidor, sem olvidar, contudo, o princípio da conservação dos contratos. 9. Assim, infere-se que o custo arcado pelo prestador do serviço é, efetivamente, recuperado a cada mês da manutenção do vínculo contratual com o tomador, não sendo razoável a cobrança da mesma multa àquele que incorre na quebra do pacto no início do prazo de carência e àquele que, no meio ou ao final, demonstra o seu desinteresse no serviço prestado. 10. Como é cediço no âmbito do direito consumerista, a alegação de boa-fé (culpa) do causador do dano não configura óbice à ampla reparação do consumidor, mas apenas afasta a sanção de repetição em dobro prevista no parágrafo único do artigo 42 do CDC, nos termos da jurisprudência consagrada pelas Turmas de Direito Privado. 11. Em observado o prazo prescricional quinquenal da pretensão executiva individual, afigurar-se-á hígida a pretensão ressarcitória dos consumidores que, entre 2003 (cinco anos antes do ajuizamento da ação civil pública) e 2011 (período em que a operadora deixou de proceder à cobrança abusiva), foram obrigados a efetuar o pagamento integral da multa fidelidade, independentemente do prazo de carência cumprido. 12. Sopesando-se o valor da cláusula penal estipulada, a relevância da defesa do direito do consumidor e a capacidade econômica da recorrente, afigura-se razoável a redução das astreintes para R$ 500,00 (quinhentos reais), a cada descumprimento da ordem exarada na tutela antecipada, o que deverá ser objeto de apuração em liquidação de sentença. 13. Por critério de simetria, a parte vencida na ação civil pública movida pelo Ministério Público não deve ser condenada ao pagamento de honorários advocatícios. Precedentes. 14. Recurso especial parcialmente provido apenas para reduzir a multa cominatória para R$ 500,00 (quinhentos reais) por descumprimento comprovado da determinação judicial exarada em tutela antecipada e afastar a condenação da parte vencida ao pagamento de honorários advocatícios em favor do parquet. (REsp 1362084/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/05/2017, DJe 01/08/2017)
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por maioria, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Relator. Vencida, em parte, a Ministra Maria Isabel Gallotti (Presidente) que dava parcial provimento em maior extensão. Os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Raul Araújo. Dra. ISABELA BRAGA POMPILIO, pela parte RECORRENTE: NET RIO LTDA Dr. MARCELO ANTONIO MOSCOGLIATO, Subprocurador-Geral da República, manifestação pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Data do Julgamento : 16/05/2017
Data da Publicação : DJe 01/08/2017
Órgão Julgador : T4 - QUARTA TURMA
Relator(a) : Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO (1140)
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