main-banner

Jurisprudência


REsp 1396925 / MGRECURSO ESPECIAL2013/0257182-9

Ementa
NA QUESTÃO DE ORDEM QUESTÃO DE ORDEM. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. FORNECIMENTO DE ÁGUA CONTAMINADA PELA PRESENÇA DE OSSADA E RESTOS VISCERAIS DE CADÁVER HUMANO. LITÍGIO QUE ENVOLVE PERQUIRIÇÃO SOBRE A ADEQUAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO. PREPONDERÂNCIA DAS NORMAS DE DIREITO PÚBLICO. COMPETÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ. ART. 9.º, § 1.º, INCISO XIV, DO RISTJ. 1. Cuida-se, na origem, de pretensão indenizatória contra a concessionária de serviço público Companhia de Saneamento de Minas Gerais - Copasa MG em virtude de abalo moral decorrente do consumo de água contaminada pela presença de ossada e de órgãos viscerais de cadáver humano encontrado dentro do principal reservatório de água mantido pela recorrida para o abastecimento de água na localidade de São Franscisco/MG. 2. Para a definição da competência, o art. 9º do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça direciona ao exame da "natureza da relação jurídica litigiosa". 3. No caso concreto, o debate gira, precisamente, em torno da (in)adequação do serviço público prestado pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais - Copasa MG, que, na condição de concessionária de serviço público essencial - fornecimento de água -, sujeita-se ao regramento estabelecido pela Lei 8.987/65, que não se limita à disciplina da relação jurídica mantida entre o poder concedente e a concessionária de serviço público, mas também se dedica à tutela do usuário, como se vê: "Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários (...)"; "§ 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas." § 2º A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço"; Art. 7º. "Sem prejuízo do disposto na Lei nº 8.078 (...) "são direitos e obrigações dos usuários" (inciso I) "receber serviço adequado"; "Art. 31. Incumbe à concessionária: (inciso I) "prestar serviço adequado, na forma prevista nesta Lei, nas normas técnicas aplicáveis e no contrato"; (inciso IV) "permitir aos encarregados da fiscalização livre acesso, em qualquer época, às obras, aos equipamentos e às instalações integrantes do serviço, bem como a seus registros contábeis"; (inciso VII) "zelar pela integridade dos bens vinculados à prestação do serviço". 4. Ainda que, por vezes, efetuados por pessoas jurídicas de direito privado, os serviços públicos são prestados em nome do Estado - que é seu titular (art. 175 CF/88) - com a precípua finalidade de atendimento do interesse público. É por essa razão que os concessionários se sujeitam a um especial regime jurídico de direito público que estabelece deveres e sujeições não presentes nas relações exclusivamente privadas. 5. Apenas a título de exemplo da preponderância do regime público sobre as concessionárias, estão elas sujeitas: a) à responsabilidade objetiva de que trata o art. 37, § 6º, da Constituição Federal (REsp 1.095.575/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 3/11/2011, REsp 506.099/MT, Rel. Ministro Castro Filho, Terceira Turma, DJ 10/2/2004, p. 249); b) regra geral, à impossibilidade de descontinuar a prestação do serviço público por inadimplência do Poder concedente ou invocar a exceção do contrato não cumprido em relação a ele (art. 39, parágrafo único, da Lei 8.987/65); c) à modificação e rescisão unilateral do contrato e à aplicação de sanções pelo Poder concedente (arts. 58, 65 e 67 da Lei 8.666/93); d) à promoção de desapropriações e à constituição de servidões autorizadas pelo poder concedente (art. 31, VI, Lei 8.987/65); e) à fiscalização pelo Poder concedente ou por suas agências reguladoras (arts. 3º, 29, I, 30, parágrafo único, e 31, V, da Lei 8.987/65); f) à intervenção do Poder concedente visando assegurar a adequada prestação do serviço público (arts. 29, III, e 32 da Lei 8.987/65). 6. Por outro lado, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos litígios entre usuários e concessionárias de serviço público, conforme admite a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não arreda a natureza jurídica de direito público envolvida no debate em questão, pois o CDC em momento algum restringe o foco de sua tutela às relações jurídicas de natureza privada; pelo contrário, seu campo de atuação ou incidência é dado pela simples definição dos conceitos de "consumidor" (art. 2º), "fornecedor" (art. 3º), "produto" (art. 3º, § 1º) e "serviço" (art. 3º, § 2º), dos quais não se podem, a priori, excluir os serviços públicos prestados pelas concessionárias com fundamento no art. 175 da CF/88. 7. O próprio estatuto consumerista traz dispositivos expressos regrando a responsabilidade civil decorrente de serviço público: "Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores (...) atendidos os seguintes princípios: (inciso VII) racionalização e melhoria dos serviços públicos"; "Art. 6º. São direitos básicos do consumidor (inciso X) a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral"; "Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos". 8. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça já reconhecera a competência da Colenda Primeira Seção para apreciar litígios entre usuário e concessionária de serviço público, do que são exemplos o CC 102.588/RJ, Rel. Ministro Felix Fischer, Corte Especial, DJe 20/4/2009, o CC 102.589/RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, DJe 18/5/2009 e o CC 108.085/DF, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Corte Especial, DJe 17/12/2010. 9. A peculiaríssima controvérsia sobre a responsabilidade civil pelo fornecimento de água contaminada pela presença de ossada e de órgãos viscerais de cadáver humano já fora anteriormente enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamentos que, em sua esmagadora maioria, foram proferidos por uma das Turmas vinculadas à Primeira Seção, conforme se vê no REsp 1.416.978/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 3/12/2013; no AgRg no REsp 969.951/MG, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 3/2/2009; no AgRg no REsp 969.894/MG, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 27/11/2008; no AgRg no REsp 1.068.042/MG, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 12/11/2008; e no AgRg no Ag 985.416/MG, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJe 12/11/2008. 10. Desse modo, controvérsias idênticas com origem comum devem receber tratamento jurídico homogêneo e uniforme, especialmente quando se refere a fatos ocorridos em uma comunidade pequena, onde a disparidade de respostas jurisdicionais seria particularmente danosa. 11. Questão de ordem acolhida para reconhecer a competência da Primeira Seção. (REsp 1396925/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 05/11/2014, DJe 26/02/2015)
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da CORTE Especial do Superior Tribunal de Justiça: Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Og Fernandes e o voto da Sra. Ministra Laurita Vaz acompanhando a divergência, a Corte Especial, por maioria, decidiu, em questão de ordem, pela competência da Primeira Seção para o julgamento do feito. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Herman Benjamin. Votaram com o Sr. Ministro Herman Benjamin os Srs. Ministros Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Og Fernandes e Laurita Vaz. Vencidos a Sra. Ministra Relatora e os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima e Sidnei Beneti. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Francisco Falcão, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves e Raul Araújo. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha e Herman Benjamin. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Felix Fischer.

Data do Julgamento : 05/11/2014
Data da Publicação : DJe 26/02/2015RIP vol. 90 p. 241
Órgão Julgador : CE - CORTE ESPECIAL
Relator(a) : Ministro HERMAN BENJAMIN (1132)
Referência legislativa : LEG:FED RGI:****** ANO:1989***** RISTJ-89 REGIMENTO INTERNO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ART:00009 PAR:00001 INC:00014LEG:FED CFB:****** ANO:1988***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ART:00175LEG:FED LEI:008987 ANO:1965 ART:00002 INC:00002
Veja : STJ - CC 102588-RJ, CC 102589-RS, CC 108085-DF, REsp 1416978-MG, AgRg no REsp 969951-MG, AgRg no REsp 969894-MG, AgRg no REsp 1068042-MG, AgRg no Ag 985416-MG
Sucessivos : REsp 1399691 MG 2013/0278453-2 Decisão:05/11/2014 DJe DATA:26/02/2015REsp 1404045 MG 2013/0310810-5 Decisão:05/11/2014 DJe DATA:26/02/2015REsp 1414788 MG 2013/0308240-0 Decisão:05/11/2014 DJe DATA:26/02/2015
Mostrar discussão