REsp 1403272 / RSRECURSO ESPECIAL2013/0304135-1
RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO RESCISÓRIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DESTINADA A REPARAR OS PREJUÍZOS DECORRENTES DA EXTINÇÃO DO CONTRATO VERBAL DE DISTRIBUIÇÃO DE BEBIDAS (CONCESSÃO COMERCIAL) ESTABELECIDO ENTRE AS PARTES DURANTE QUASE DUAS DÉCADAS. CONDENAÇÃO, TRANSITADA EM JULGADO, DA FORNECEDORA A RESTITUIR AO DISTRIBUIDOR, DENTRE OUTROS, OS VALORES DISCRIMINADOS NAS NOTAS FISCAIS DE COMPRA E VENDA, SOB A RUBRICA 'FRETES'. ERRO DE FATO E VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO QUE PRECONIZAM A BOA-FÉ CONTRATUAL E A VEDAÇÃO DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. VERIFICAÇÃO. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO RESCISÓRIA. NECESSIDADE. 1. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
NÃO OCORRÊNCIA. 2. ERRO DE FATO. CONCEITUAÇÃO PARA EFEITO DE RESCINDIBILIDADE DO JULGADO. 3. CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL.
PACTO DE COLABORAÇÃO. AJUSTE REALIZADO ENTRE PROFISSIONAIS, COM AUTONOMIA JURÍDICA E LIBERDADE PARA CONTRATAR. 4. DESCONSIDERAÇÃO DE FATOS EXISTENTES (RELACIONADOS À NATUREZA, ÀS CARACTERÍSTICAS, AO OBJETO E À FINALIDADE DO AJUSTE) E ADMISSÃO DE FATOS INEXISTENTES (PREJUÍZO DO DISTRIBUIDOR). VERIFICAÇÃO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO RESCISÓRIO. NECESSIDADE. 5. RECURSO ESPECIAL DA FORNECEDORA PROVIDO;
INSURGÊNCIA RECURSAL DO DISTRIBUIDOR PREJUDICADA.
1. O Tribunal de origem, ao julgar improcedente a ação rescisória, considerou que o acórdão rescindendo conferiu pronunciamento judicial suficiente à causa, na medida em que reconheceu o dever do fornecedor de restituir ao distribuidor os valores cobrados a título de fretes, constantes nas notas fiscais de aquisição das mercadorias, ante a constatação de que quem fazia o transporte era justamente o distribuidor. Segundo o entendimento adotado, o enfrentamento da questão na ação rescindenda evidencia o descabido propósito inserto na ação rescisória de, em verdade, reexaminar as questões de fato e provas devidamente analisadas na ação indenizatória. Este entendimento - ainda que não se revele correto -, não encerra, a toda evidência, negativa de prestação jurisdicional.
2. Na esteira da sedimentada jurisprudência desta Corte de Justiça e de autorizada doutrina nacional sobre o tema, o erro de fato que confere lastro à rescisão de um julgado pressupõe que a sentença rescindenda admita um fato inexistente ou considere inexistente um fato efetivamente ocorrido, essencial ao deslinde da causa, sendo indispensável, em qualquer dos casos, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial a esse respeito.
3. No contrato de distribuição (concessão comercial), concebido, inegavelmente, como um destacado pacto de colaboração (destinando- se a conferir maior efetividade à cadeia de consumo dos produtos fabricados pela concedente, tornando ainda mais viável a atividade econômica desenvolvida pela fabricante), o distribuidor desempenha relevante função, consistente na efetiva aquisição - e não na mera intermediação, ressalta-se -, das mercadorias produzidas pela fabricante com a exclusiva finalidade de, numa determinada localidade, revendê-las, extraindo-se daí (da diferença entre o valor da compra e o obtido com a revenda) sua margem de lucro.
3.1 Trata-se de contrato celebrado entre empresários, a fim de dar consecução a operações comerciais de compra e venda, para posterior revenda, a viabilizar o desenvolvimento da atividade econômica empreendida por cada contratante. Deve-se, pois, peremptoriamente, afastar a ideia de hipossuficiência do distribuidor (concessionário), ou mesmo de dependência jurídica deste em relação ao fabricante (concedente). O que há, nessa relação contratual, na verdade, é um justificado e, portanto, legítimo poder de controle exercido pela fornecedora quanto à atividade desempenhada pelo distribuidor, a considerar o seu envolvimento direto com a clientela, a imagem e a marca daquela, com repercussão no próprio êxito de seu negócio. Tampouco a existência de dependência econômica, inegavelmente ocorrente em ajustes dessa natureza, própria das inter-relações empresariais, encerra desequilíbrio contratual.
3.2 Infere-se, no ponto, a adoção, pelo Tribunal de origem, de premissa fática absolutamente inexistente, ao assentar que o distribuidor não teria alternativa ao ajustar o valor da compra dos produtos da fornecedora, no que estaria indevidamente inserido o custo pelo frete. Tal compreensão, além de desconsiderar a aludida liberdade de contratação, própria das relações empresariais, afasta-se, sobremaneira, do próprio objeto efetivamente ajustado pelas partes (compra e venda, para revenda), no que, é certo, não se insere o serviço de transporte.
3.3 A partir do momento em que o distribuidor/comprador adquire as mercadorias produzidas pela fabricante, com a efetiva tradição (ocasião em que o vendedor não mais se responsabiliza pela higidez da coisa vendida), cabe a ele (distribuidor) envidar todos os esforços necessários para concretizar a revenda, valendo-se, para tanto, de sua expertise e de sua estrutura empresarial, no que se insere, naturalmente, o transporte de tais mercadorias. Portanto, a obrigação do distribuidor cinge-se a pagar o preço pela aquisição da mercadoria, para posteriormente revenda, em observância aos comandos do fornecedor.
3.4 Na hipótese dos autos, era, e sempre foi, consabido pelas partes contratantes, em especial pelo próprio distribuidor, que o valor por ele despendido, independente da discriminação inserta na nota fiscal da correlata operação (de compra e venda, ressalta-se), consubstanciava o preço pela aquisição da mercadoria. E, de acordo com a própria dinâmica do contrato de distribuição, os gastos com a aquisição da mercadoria efetuados pelo distribuidor, assim como os da revenda são naturalmente repassados aos setores varejistas ou atacadistas, extraindo-se dessa operação, como assinalado, a sua margem de lucro, e não de prejuízo. Eventual discriminação de serviços nas notas fiscais, especificamente aquela sob a rubrica de frete (pairando a discussão, inclusive, se este seria o valor cobrado pela carga e descarga feita nos caminhões do distribuidor), com o questionável propósito de fazer incidir menor carga tributária à operação, a beneficiar os contratantes, de parte à parte, não tem o condão de modificar o objeto do contrato efetivamente estabelecido entre as partes, qual seja o de compra e venda, para a revenda.
3.5 A pretensão do distribuidor, após a extinção do contrato, de reaver parte dos valores expendidos pela aquisição dos produtos (e não por qualquer outro serviço, que, é certo, refugiria dos limites ajustados), consubstancia comportamento absolutamente contrário ao proceder contratual adotado por este, durante os quase vinte anos de relação, a revelar verdadeiro venire contra factum proprium, vertente do princípio da boa-fé objetiva, norteador da relação contratual como um todo (antes, durante e após a sua execução).
4. Ressai evidenciado, assim, que o Tribunal de origem, ao reconhecer o dever do fornecedor de indenizar o distribuidor por valores que compuseram o preço pago pela mercadoria adquirida, a um só momento, desconsiderou fatos existentes, incontroversos e absolutamente relevantes ao deslinde da controvérsia, relacionados ao objeto, à dinâmica, à natureza e à própria finalidade do contrato de distribuição, bem como admitiu fato inexistente, consistente na presunção de prejuízo do distribuidor, propiciando-lhe, desse modo, verdadeiro enriquecimento sem causa.
5. Recurso especial da Fornecedora provido, para julgar procedente a ação rescisória e desconstituir, em parte, o julgado rescindendo;
Recurso especial do Distribuidor prejudicado.
(REsp 1403272/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/03/2015, DJe 18/03/2015)
Ementa
RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO RESCISÓRIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DESTINADA A REPARAR OS PREJUÍZOS DECORRENTES DA EXTINÇÃO DO CONTRATO VERBAL DE DISTRIBUIÇÃO DE BEBIDAS (CONCESSÃO COMERCIAL) ESTABELECIDO ENTRE AS PARTES DURANTE QUASE DUAS DÉCADAS. CONDENAÇÃO, TRANSITADA EM JULGADO, DA FORNECEDORA A RESTITUIR AO DISTRIBUIDOR, DENTRE OUTROS, OS VALORES DISCRIMINADOS NAS NOTAS FISCAIS DE COMPRA E VENDA, SOB A RUBRICA 'FRETES'. ERRO DE FATO E VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO QUE PRECONIZAM A BOA-FÉ CONTRATUAL E A VEDAÇÃO DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. VERIFICAÇÃO. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO RESCISÓRIA. NECESSIDADE. 1. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
NÃO OCORRÊNCIA. 2. ERRO DE FATO. CONCEITUAÇÃO PARA EFEITO DE RESCINDIBILIDADE DO JULGADO. 3. CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL.
PACTO DE COLABORAÇÃO. AJUSTE REALIZADO ENTRE PROFISSIONAIS, COM AUTONOMIA JURÍDICA E LIBERDADE PARA CONTRATAR. 4. DESCONSIDERAÇÃO DE FATOS EXISTENTES (RELACIONADOS À NATUREZA, ÀS CARACTERÍSTICAS, AO OBJETO E À FINALIDADE DO AJUSTE) E ADMISSÃO DE FATOS INEXISTENTES (PREJUÍZO DO DISTRIBUIDOR). VERIFICAÇÃO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO RESCISÓRIO. NECESSIDADE. 5. RECURSO ESPECIAL DA FORNECEDORA PROVIDO;
INSURGÊNCIA RECURSAL DO DISTRIBUIDOR PREJUDICADA.
1. O Tribunal de origem, ao julgar improcedente a ação rescisória, considerou que o acórdão rescindendo conferiu pronunciamento judicial suficiente à causa, na medida em que reconheceu o dever do fornecedor de restituir ao distribuidor os valores cobrados a título de fretes, constantes nas notas fiscais de aquisição das mercadorias, ante a constatação de que quem fazia o transporte era justamente o distribuidor. Segundo o entendimento adotado, o enfrentamento da questão na ação rescindenda evidencia o descabido propósito inserto na ação rescisória de, em verdade, reexaminar as questões de fato e provas devidamente analisadas na ação indenizatória. Este entendimento - ainda que não se revele correto -, não encerra, a toda evidência, negativa de prestação jurisdicional.
2. Na esteira da sedimentada jurisprudência desta Corte de Justiça e de autorizada doutrina nacional sobre o tema, o erro de fato que confere lastro à rescisão de um julgado pressupõe que a sentença rescindenda admita um fato inexistente ou considere inexistente um fato efetivamente ocorrido, essencial ao deslinde da causa, sendo indispensável, em qualquer dos casos, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial a esse respeito.
3. No contrato de distribuição (concessão comercial), concebido, inegavelmente, como um destacado pacto de colaboração (destinando- se a conferir maior efetividade à cadeia de consumo dos produtos fabricados pela concedente, tornando ainda mais viável a atividade econômica desenvolvida pela fabricante), o distribuidor desempenha relevante função, consistente na efetiva aquisição - e não na mera intermediação, ressalta-se -, das mercadorias produzidas pela fabricante com a exclusiva finalidade de, numa determinada localidade, revendê-las, extraindo-se daí (da diferença entre o valor da compra e o obtido com a revenda) sua margem de lucro.
3.1 Trata-se de contrato celebrado entre empresários, a fim de dar consecução a operações comerciais de compra e venda, para posterior revenda, a viabilizar o desenvolvimento da atividade econômica empreendida por cada contratante. Deve-se, pois, peremptoriamente, afastar a ideia de hipossuficiência do distribuidor (concessionário), ou mesmo de dependência jurídica deste em relação ao fabricante (concedente). O que há, nessa relação contratual, na verdade, é um justificado e, portanto, legítimo poder de controle exercido pela fornecedora quanto à atividade desempenhada pelo distribuidor, a considerar o seu envolvimento direto com a clientela, a imagem e a marca daquela, com repercussão no próprio êxito de seu negócio. Tampouco a existência de dependência econômica, inegavelmente ocorrente em ajustes dessa natureza, própria das inter-relações empresariais, encerra desequilíbrio contratual.
3.2 Infere-se, no ponto, a adoção, pelo Tribunal de origem, de premissa fática absolutamente inexistente, ao assentar que o distribuidor não teria alternativa ao ajustar o valor da compra dos produtos da fornecedora, no que estaria indevidamente inserido o custo pelo frete. Tal compreensão, além de desconsiderar a aludida liberdade de contratação, própria das relações empresariais, afasta-se, sobremaneira, do próprio objeto efetivamente ajustado pelas partes (compra e venda, para revenda), no que, é certo, não se insere o serviço de transporte.
3.3 A partir do momento em que o distribuidor/comprador adquire as mercadorias produzidas pela fabricante, com a efetiva tradição (ocasião em que o vendedor não mais se responsabiliza pela higidez da coisa vendida), cabe a ele (distribuidor) envidar todos os esforços necessários para concretizar a revenda, valendo-se, para tanto, de sua expertise e de sua estrutura empresarial, no que se insere, naturalmente, o transporte de tais mercadorias. Portanto, a obrigação do distribuidor cinge-se a pagar o preço pela aquisição da mercadoria, para posteriormente revenda, em observância aos comandos do fornecedor.
3.4 Na hipótese dos autos, era, e sempre foi, consabido pelas partes contratantes, em especial pelo próprio distribuidor, que o valor por ele despendido, independente da discriminação inserta na nota fiscal da correlata operação (de compra e venda, ressalta-se), consubstanciava o preço pela aquisição da mercadoria. E, de acordo com a própria dinâmica do contrato de distribuição, os gastos com a aquisição da mercadoria efetuados pelo distribuidor, assim como os da revenda são naturalmente repassados aos setores varejistas ou atacadistas, extraindo-se dessa operação, como assinalado, a sua margem de lucro, e não de prejuízo. Eventual discriminação de serviços nas notas fiscais, especificamente aquela sob a rubrica de frete (pairando a discussão, inclusive, se este seria o valor cobrado pela carga e descarga feita nos caminhões do distribuidor), com o questionável propósito de fazer incidir menor carga tributária à operação, a beneficiar os contratantes, de parte à parte, não tem o condão de modificar o objeto do contrato efetivamente estabelecido entre as partes, qual seja o de compra e venda, para a revenda.
3.5 A pretensão do distribuidor, após a extinção do contrato, de reaver parte dos valores expendidos pela aquisição dos produtos (e não por qualquer outro serviço, que, é certo, refugiria dos limites ajustados), consubstancia comportamento absolutamente contrário ao proceder contratual adotado por este, durante os quase vinte anos de relação, a revelar verdadeiro venire contra factum proprium, vertente do princípio da boa-fé objetiva, norteador da relação contratual como um todo (antes, durante e após a sua execução).
4. Ressai evidenciado, assim, que o Tribunal de origem, ao reconhecer o dever do fornecedor de indenizar o distribuidor por valores que compuseram o preço pago pela mercadoria adquirida, a um só momento, desconsiderou fatos existentes, incontroversos e absolutamente relevantes ao deslinde da controvérsia, relacionados ao objeto, à dinâmica, à natureza e à própria finalidade do contrato de distribuição, bem como admitiu fato inexistente, consistente na presunção de prejuízo do distribuidor, propiciando-lhe, desse modo, verdadeiro enriquecimento sem causa.
5. Recurso especial da Fornecedora provido, para julgar procedente a ação rescisória e desconstituir, em parte, o julgado rescindendo;
Recurso especial do Distribuidor prejudicado.
(REsp 1403272/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/03/2015, DJe 18/03/2015)Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos
votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar
provimento ao recurso especial de Vonpar Refrescos S.A. e julgar
prejudicado o recurso especial de Mauro José Schuck, nos termos do
voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Paulo de Tarso Sanseverino e
Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
Data do Julgamento
:
10/03/2015
Data da Publicação
:
DJe 18/03/2015
Órgão Julgador
:
T3 - TERCEIRA TURMA
Relator(a)
:
Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE (1150)
Referência legislativa
:
LEG:FED LEI:005869 ANO:1973***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 ART:00535
Veja
:
(AÇÃO RESCISÓRIA - ERRO DE FATO) STJ - REsp 1066182-MS, AR 4187-SC, REsp 975014-ES(SERVIÇOS DE FRETES - FORNECEDORA INCORPORADA DA CONTRATANTEORIGINÁRIA - INEXISTÊNCIA DO DEVER DE RESSARCIMENTO) STJ - REsp 1297847-RS
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