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Jurisprudência


REsp 1414884 / RSRECURSO ESPECIAL2013/0071709-1

Ementa
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. 1. ALEGAÇÃO DE RELAÇÃO DURADOURA, CONTÍNUA, NOTÓRIA, COM PROPÓSITO DE CONSTITUIR FAMÍLIA SUPOSTAMENTE ESTABELECIDA ENTRE PESSOA ABSOLUTAMENTE INCAPAZ, INTERDITADA CIVILMENTE, E A DEMANDANTE, CONTRATADA PARA PRESTAR SERVIÇOS À FAMÍLIA DO REQUERIDO. 2. ENFERMIDADE MENTAL INCAPACITANTE, HÁ MUITO DIAGNOSTICADA, ANTERIOR E CONTEMPORÂNEA AO CONVÍVIO DAS PARTES LITIGANTES. VERIFICAÇÃO. INTUITU FAMILIAE. NÃO VERIFICAÇÃO. MANIFESTAÇÃO DO PROPÓSITO DE CONSTITUIR FAMÍLIA, DE MODO DELIBERADO E CONSCIENTE PELO ABSOLUTAMENTE INCAPAZ. IMPOSSIBILIDADE. 3. REGRAMENTO AFETO À CAPACIDADE CIVIL PARA O INDIVÍDUO CONTRAIR NÚPCIAS. APLICAÇÃO ANALÓGICA À UNIÃO ESTÁVEL. 4. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Controverte-se no presente recurso especial sobre a configuração de união estável entre o demandado, pessoa acometida de esquizofrenia progressiva, cujo diagnóstico fora constatado já no ano de 1992, e que, em ação própria, ensejou a declaração judicial de sua interdição (em 24.5.2006), e a demandante, contratada, em 1985, pelos pais do requerido para prestar serviços à família. Discute-se, nesse contexto, se, a despeito do estreitamento do convívio entre as partes, que se deu sob a mesma residência, na companhia dos pais do requerido, por aproximadamente vinte anos, seria possível inferir o propósito de constituir família, pressuposto subjetivo para a configuração da união estável. 2. Ressai evidenciado dos autos que a sentença de interdição, transitada em julgado, reconheceu, cabalmente, ser o ora recorrente absolutamente incapaz de discernir e compreender os atos da vida civil, o que, por consectário legal, o torna inabilitado, por si, de gerir sua pessoa, assim como seu patrimônio, nos termos do artigo 3º, II, da lei substantiva civil 2.1. Sem adentrar na discussão doutrinária, e até jurisprudencial, acerca da natureza da sentença de interdição civil, se constitutiva ou se declaratória, certo é que a decisão judicial não cria o estado de incapacidade. Este é, por óbvio, preexistente ao reconhecimento judicial. Nessa medida, reputar-se-ão nulos os atos e negócios jurídicos praticados pelo incapaz anteriores à sentença de interdição, em se comprovando que o estado da incapacidade é contemporâneo ao ato ou negócio a que se pretende anular. Em relação aos atos e negócios jurídicos praticados pessoalmente pelo incapaz na constância da curadoria, estes afiguram-se nulos, independente de prova. 2.2. Transportando-se o aludido raciocínio à hipótese dos autos, em que se pretende o reconhecimento do estabelecimento de união entre as partes litigantes, a constatação do estado de absoluta incapacidade do demandado durante o período de convivência em que a suposta relação teria perdurado enseja a improcedência da ação. 2.3. Sobressai dos autos, a partir do que restou apurado na presente ação, assim como na ação de interdição, que a enfermidade mental incapacitante do recorrente, cujo diagnóstico há muito fora efetuado, não é apenas contemporânea à suposta relação estabelecida entre os litigantes, mas também anterior a ela, circunstância consabida por todos os familiares do demandado, e, especialmente, pela demandante. 2.4. Nesse contexto, encontrando-se o indivíduo absolutamente inabilitado para compreender e discernir os atos da vida civil, também estará, necessariamente, para vivenciar e entender, em toda a sua extensão, uma relação marital, cujo propósito de constituir família, por tal razão, não pode ser manifestado de modo voluntário e consciente. 3. Especificamente sobre a capacidade para o estabelecimento de união estável, a lei substantiva civil não dispôs qualquer regramento. Trata-se, na verdade, de omissão deliberada do legislador, pois as normas relativas à capacidade civil para contrair núpcias, exaustivamente delineadas no referido diploma legal, são in totum aplicáveis à união estável. Assim, aplicando-se analogicamente o disposto no artigo 1.548, I, do Código Civil, afigurar-se-ia inválido e, por isso, não comportaria o correlato reconhecimento judicial, o suposto estabelecimento de união estável por pessoa acometida de enfermidade mental, sem ostentar o necessário discernimento para os atos da vida civil. 4. Recurso provido, restabelecendo-se a sentença de improcedência. (REsp 1414884/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/02/2015, DJe 13/02/2015)
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, João Otávio de Noronha, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Data do Julgamento : 03/02/2015
Data da Publicação : DJe 13/02/2015
Órgão Julgador : T3 - TERCEIRA TURMA
Relator(a) : Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE (1150)
Referência legislativa : LEG:FED LEI:010406 ANO:2002***** CC-02 CÓDIGO CIVIL DE 2002 ART:00003 INC:00002 ART:01548 INC:00001
Veja : STJ - REsp 1201462-MG
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