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Jurisprudência


REsp 1467888 / GORECURSO ESPECIAL2014/0158982-0

Ementa
Controvérsia: dizer se o manejo de habeas corpus, pelo recorrido, com o fito de impedir a interrupção da gestação da primeira recorrente, que tinha sido judicialmente deferida, caracteriza-se como abuso do direito de ação e/ou ação passível de gerar responsabilidade civil de sua parte, pelo manejo indevido de tutela de urgência. Diploma legal aplicável à espécie: Código Civil - arts. 186, 187, 188 e 927. Inconteste a existência de dano aos recorrentes, na espécie, porquanto a interrupção da gestação do feto com síndrome de Body Stalk, que era uma decisão pensada e avalizada por médicos e pelo Poder Judiciário, e ainda assim, de impactos emocionais incalculáveis, foi sustada pela atuação do recorrido. Necessidade de perquirir sobre a ilicitude do ato praticado pelo recorrido, buscando, na existência ou não - de amparo legal ao procedimento de interrupção de gestação, na hipótese de ocorrência da síndrome de body stalk e na possibilidade de responsabilização, do recorrido, pelo exercício do direito de ação - dizer da existência do ilícito compensável; Reproduzidas, salvo pela patologia em si, todos efeitos deletérios da anencefalia, hipótese para qual o STF, no julgamento da ADPF 54, afastou a possibilidade de criminalização da interrupção da gestação, também na síndrome de body-stalk, impõe-se dizer que a interrupção da gravidez, nas circunstâncias que experimentou a recorrente, era direito próprio, do qual poderia fazer uso, sem risco de persecução penal posterior e, principalmente, sem possibilidade de interferências de terceiros, porquanto, ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio. (Onde existe a mesma razão, deve haver a mesma regra de Direito) Nessa linha, e sob a égide da laicidade do Estado, aquele que se arrosta contra o direito à liberdade, à intimidade e a disposição do próprio corpo por parte de gestante, que busca a interrupção da gravidez de feto sem viabilidade de vida extrauterina, brandindo a garantia constitucional ao próprio direito de ação e à defesa da vida humana, mesmo que ainda em estágio fetal e mesmo com um diagnóstico de síndrome incompatível com a vida extrauterina, exercita, abusivamente, seu direito de ação. A sôfrega e imprudente busca por um direito, em tese, legítimo, que, no entanto, faz perecer no caminho, direito de outrem, ou mesmo uma toldada percepção do próprio direito, que impele alguém a avançar sobre direito alheio, são considerados abuso de direito, porque o exercício regular do direito, não pode se subverter, ele mesmo, em uma transgressão à lei, na modalidade abuso do direito, desvirtuando um interesse aparentemente legítimo, pelo excesso. A base axiológica de quem defende uma tese comportamental qualquer, só tem terreno fértil, dentro de um Estado de Direito laico, no campo das próprias ideias ou nos Órgãos legislativos competentes, podendo neles defender todo e qualquer conceito que reproduza seus postulados de fé, ou do seu imo, havendo aí, não apenas liberdade, mas garantia estatal de que poderá propagar o que entende por correto, não possibilitando contudo, essa faculdade, o ingresso no círculo íntimo de terceiro para lhe ditar, ou tentar ditar, seus conceitos ou preconceitos. Esse tipo de ação faz medrar, em seara imprópria, o corpo de valores que defende - e isso caracteriza o abuso de direito - pois a busca, mesmo que por via estatal, da imposição de particulares conceitos a terceiros, tem por escopo retirar de outrem, a mesma liberdade de ação que vigorosamente defende para si. Dessa forma, assentado que foi, anteriormente, que a interrupção da gestação da recorrente, no cenário apresentado, era lídimo, sendo opção do casal - notadamente da gestante - assumir ou descontinuar a gestação de feto sem viabilidade de vida extrauterina, há uma vinculada remissão à proteção constitucional aos valores da intimidade, da vida privada, da honra e da própria imagem dos recorrentes (art. 5º, X, da CF), fato que impõe, para aquele que invade esse círculo íntimo e inviolável, responsabilidade pelos danos daí decorrentes. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1467888/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/10/2016, DJe 25/10/2016)
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr(a). LEONARDO ALMEIDA LAGE, pela parte RECORRENTE: TATIELLE GOMES DA SILVA e JOSE RICARDO DIAS LOMEU.

Data do Julgamento : 20/10/2016
Data da Publicação : DJe 25/10/2016
Órgão Julgador : T3 - TERCEIRA TURMA
Relator(a) : Ministra NANCY ANDRIGHI (1118)
Notas : Indenização por dano moral: R$ 60.000,00 (sessenta mil reais).
Referência legislativa : LEG:FED LEI:010406 ANO:2002***** CC-02 CÓDIGO CIVIL DE 2002 ART:00186 ART:00187 ART:00188 INC:00001 ART:00927LEG:FED CFB:****** ANO:1988***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ART:00005 INC:00010LEG:FED LEI:005869 ANO:1973***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 ART:00273 PAR:00003 ART:0475O INC:00001 ART:00811
Veja : (ABORTO - INVIABILIDADE DA VIDA EXTRAUTERINA) STF - ADPF 54(DIREITO DE AÇÃO - RESPONSABILIDADE DE PROPONENTE DE MEDIDA DEURGÊNCIA) STJ - REsp 1011733-MG, RMS 27570-SP, AgInt no REsp 1604218-RS
Sucessivos : EDcl no REsp 1467888 GO 2014/0158982-0 Decisão:14/02/2017 DJe DATA:17/02/2017
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