REsp 1475532 / GORECURSO ESPECIAL2014/0201896-2
RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO. VÍTIMA MENOR DE QUATORZE ANOS. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE VIOLÊNCIA. DELITO PERPETRADO PELO PADRASTO DA VÍTIMA.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A jurisprudência majoritária do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça assentou-se no sentido de que é absoluta a presunção de violência no estupro e no atentado violento ao pudor (referida na antiga redação do art. 224, "a", do CPB) quando a vítima não for maior de 14 anos de idade.
2. No caso, o recorrido praticou, por diversas vezes, conjunção carnal com a ofendida, com 13 anos de idade à época dos fatos, sob o argumento de que as relações sexuais seriam consentidas.
3. É entendimento consolidado desta Corte Superior de Justiça que a aquiescência da adolescente e o fato de a ofendida já ter mantido relações sexuais ou eventual relacionamento afetivo entre agente e vítima não possuem relevância jurídico-penal (EREsp. n.
1.152.864/SC, Rel. Ministra Laurita Vaz, 3ª S., DJe 1º/4/2014 e REsp. n. 1.480.881/PI, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, de minha relatoria, 3ª Seção, DJe 10/9/2015).
4. Repudiáveis os fundamentos empregados no acórdão impugnado para absolver o recorrido, reproduzindo um padrão de comportamento judicial tipicamente patriarcal, amiúde observado em processos por crimes dessa natureza, nos quais o julgamento recai inicialmente sobre a vítima da ação delitiva, para, somente a partir daí, julgar-se o réu.
5. No caso em exame, a vítima foi etiquetada como uma adolescente que manteve com o réu "relacionamento amoroso escondido advindo de atos sexuais consentidos", a ponto de concluir que estaria muito segura e informada sobre os assuntos da sexualidade, pois "gostava do ato sexual" e que, na audiência de instrução e julgamento, quando já possuía idade acima de 14 anos, "já vivia maritalmente com outro homem". Julgou-se a vítima, pois, afinal, "apreciou o ato". Desse modo, tangenciou-se a tarefa precípua do Juiz de direito criminal - aqui, um Desembargador - que é a de julgar o réu, ou, antes, o fato delituoso a ele atribuído para, posteriormente concluir que "os atos sexuais não derivaram de violência ou grave ameaça por parte do recorrente, mas do desenrolar de um relacionamento amoroso, e sobretudo da ausência de lesão psíquica, é de se afastar a presunção de violência e permitir a absolvição pela atipicidade da conduta".
6. Igualmente frágil seria qualquer fundamentação em que se considerasse o "desenvolvimento da sociedade e dos costumes" como fator que permitisse relativizar a presunção legal de violência de que cuidava o art. 224, "a", do CPB. Basta um rápido exame da história das ideias penais - e, em particular, das opções de política criminal que deram ensejo às sucessivas normatizações do Direito Penal brasileiro - para se constatar que o caminho da "modernidade" é antípoda ao sustentado no voto hostilizado. De um Estado ausente e de um Direito Penal indiferente à proteção da dignidade sexual de crianças e adolescentes, evoluímos, paulatinamente, para uma Política Social e Criminal de redobrada preocupação com o saudável crescimento, físico, mental e afetivo, do componente infanto-juvenil de nossa população, preocupação que passou a ser compartilhada entre o Estado, a sociedade e a família, com reflexos na dogmática penal.
7. É anacrônico, a seu turno, qualquer discurso que procura associar a modernidade, a evolução moral dos costumes sociais e o acesso à informação como fatores que se contrapõem à natural tendência civilizatória de proteger certas minorias, física, biológica, social ou psiquicamente fragilizadas. A sobrevivência de uma tal doxa - despida, pois, de qualquer lastro científico - acaba por desproteger e expor pessoas ainda imaturas - em menor ou maior grau, não importa - a todo e qualquer tipo de iniciação sexual precoce, nomeadamente quando promovida por quem tem o dever legal e/ou moral de proteger, de orientar, de acalentar, de instruir a criança e o adolescente sob seus cuidados, para que atinjam a idade adulta sem traumas, sem medos, sem desconfianças, sem, enfim, cicatrizes físicas e psíquicas que jamais poderão ser dimensionadas, porque muitas vezes escondidas no silêncio das palavras não ditas e na sombra de pensamentos perturbadores de almas marcadas pela infância roubada.
8. Recurso especial provido para restabelecer a sentença condenatória.
(REsp 1475532/GO, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 15/10/2015, DJe 05/11/2015)
Ementa
RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO. VÍTIMA MENOR DE QUATORZE ANOS. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE VIOLÊNCIA. DELITO PERPETRADO PELO PADRASTO DA VÍTIMA.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A jurisprudência majoritária do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça assentou-se no sentido de que é absoluta a presunção de violência no estupro e no atentado violento ao pudor (referida na antiga redação do art. 224, "a", do CPB) quando a vítima não for maior de 14 anos de idade.
2. No caso, o recorrido praticou, por diversas vezes, conjunção carnal com a ofendida, com 13 anos de idade à época dos fatos, sob o argumento de que as relações sexuais seriam consentidas.
3. É entendimento consolidado desta Corte Superior de Justiça que a aquiescência da adolescente e o fato de a ofendida já ter mantido relações sexuais ou eventual relacionamento afetivo entre agente e vítima não possuem relevância jurídico-penal (EREsp. n.
1.152.864/SC, Rel. Ministra Laurita Vaz, 3ª S., DJe 1º/4/2014 e REsp. n. 1.480.881/PI, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, de minha relatoria, 3ª Seção, DJe 10/9/2015).
4. Repudiáveis os fundamentos empregados no acórdão impugnado para absolver o recorrido, reproduzindo um padrão de comportamento judicial tipicamente patriarcal, amiúde observado em processos por crimes dessa natureza, nos quais o julgamento recai inicialmente sobre a vítima da ação delitiva, para, somente a partir daí, julgar-se o réu.
5. No caso em exame, a vítima foi etiquetada como uma adolescente que manteve com o réu "relacionamento amoroso escondido advindo de atos sexuais consentidos", a ponto de concluir que estaria muito segura e informada sobre os assuntos da sexualidade, pois "gostava do ato sexual" e que, na audiência de instrução e julgamento, quando já possuía idade acima de 14 anos, "já vivia maritalmente com outro homem". Julgou-se a vítima, pois, afinal, "apreciou o ato". Desse modo, tangenciou-se a tarefa precípua do Juiz de direito criminal - aqui, um Desembargador - que é a de julgar o réu, ou, antes, o fato delituoso a ele atribuído para, posteriormente concluir que "os atos sexuais não derivaram de violência ou grave ameaça por parte do recorrente, mas do desenrolar de um relacionamento amoroso, e sobretudo da ausência de lesão psíquica, é de se afastar a presunção de violência e permitir a absolvição pela atipicidade da conduta".
6. Igualmente frágil seria qualquer fundamentação em que se considerasse o "desenvolvimento da sociedade e dos costumes" como fator que permitisse relativizar a presunção legal de violência de que cuidava o art. 224, "a", do CPB. Basta um rápido exame da história das ideias penais - e, em particular, das opções de política criminal que deram ensejo às sucessivas normatizações do Direito Penal brasileiro - para se constatar que o caminho da "modernidade" é antípoda ao sustentado no voto hostilizado. De um Estado ausente e de um Direito Penal indiferente à proteção da dignidade sexual de crianças e adolescentes, evoluímos, paulatinamente, para uma Política Social e Criminal de redobrada preocupação com o saudável crescimento, físico, mental e afetivo, do componente infanto-juvenil de nossa população, preocupação que passou a ser compartilhada entre o Estado, a sociedade e a família, com reflexos na dogmática penal.
7. É anacrônico, a seu turno, qualquer discurso que procura associar a modernidade, a evolução moral dos costumes sociais e o acesso à informação como fatores que se contrapõem à natural tendência civilizatória de proteger certas minorias, física, biológica, social ou psiquicamente fragilizadas. A sobrevivência de uma tal doxa - despida, pois, de qualquer lastro científico - acaba por desproteger e expor pessoas ainda imaturas - em menor ou maior grau, não importa - a todo e qualquer tipo de iniciação sexual precoce, nomeadamente quando promovida por quem tem o dever legal e/ou moral de proteger, de orientar, de acalentar, de instruir a criança e o adolescente sob seus cuidados, para que atinjam a idade adulta sem traumas, sem medos, sem desconfianças, sem, enfim, cicatrizes físicas e psíquicas que jamais poderão ser dimensionadas, porque muitas vezes escondidas no silêncio das palavras não ditas e na sombra de pensamentos perturbadores de almas marcadas pela infância roubada.
8. Recurso especial provido para restabelecer a sentença condenatória.
(REsp 1475532/GO, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 15/10/2015, DJe 05/11/2015)Acórdão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Sexta Turma, por unanimidade, dar provimento
ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs.
Ministros Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ/SP) e Maria
Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes,
justificadamente, os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior e Nefi
Cordeiro.
Data do Julgamento
:
15/10/2015
Data da Publicação
:
DJe 05/11/2015
Órgão Julgador
:
T6 - SEXTA TURMA
Relator(a)
:
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ (1158)
Referência legislativa
:
LEG:FED DEL:002848 ANO:1940***** CP-40 CÓDIGO PENAL ART:00224 LET:A
Veja
:
(ESTUPRO - MENOR DE 14 ANOS - PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE VIOLÊNCIA) STJ - EREsp 762044-SP EREsp 1152864-SC REsp 897734-PR AgRg no REsp 1458495-MT AgRg no REsp 1418582-SC STF - HC 119091-SP RHC 97664-DF
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