REsp 1475580 / RJRECURSO ESPECIAL2014/0108779-3
RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC/1973. NÃO VIOLAÇÃO. ART. 109, III e X, CF/1988. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. NÃO CONFIGURAÇÃO.
REGISTRO CIVIL. NASCIMENTOS OCORRIDOS NO TERRITÓRIO NACIONAL.
CRIANÇA REFUGIADA. IMPOSSIBILIDADE. CONVENÇÃO DE REFUGIADOS 1951.
LEI N. 9.474/1997. LEI N. 6.815/1980. IDENTIDADE DE ESTRANGEIRO.
EQUIVALÊNCIA COM O REGISTRO PLEITEADO PARA OS FINS ALMEJADOS. 1. Não há violação ao artigo 535, II do CPC/1973, quando embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da recorrente.
2. Não havendo nos autos relatos de crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiros ou de questões referentes à naturalização ou opção por nacionalidade, mas, ao revés, tratando a ação originária de aplicação de medidas protetivas, consistente, principalmente, no pedido de registro civil de criança estrangeira refugiada, não há falar em competência da Justiça Federal, ditada pelo art. 109, III ou X da CF/1988. 3. O Registro Civil é forma de conferir identidade à pessoa natural nascida em território brasileiro, é documento de cidadania, capaz de constatar qualidades pessoais e comprovar situações jurídicas do sujeito, cujo nascimento ocorreu em território nacional, dando-lhes publicidade e garantindo-lhes oponibilidade, salvo as execeções da própria legislação: filhos de brasileiros nascidos no exterior (art. 50, § 5º) e os nascidos a bordo (art. 51).
4. Todas as crianças têm direito a uma identidade, inclusive formal, principalmente por serem seres humanos vulneráveis dada sua condição psíquica e física, que ainda em desenvolvimento, requerem cuidado especial. A promoção dessa identidade encontra respaldo em inúmeros diplomas normativos, dentre ele, a Convenção sobre os Direitos da Criança (Decreto 99.710 de 21 de novembro de 1990).
5. Apesar de a Lei de Registros Públicos possibilitar o Registro de Nascimento apenas para pessoas nascidas em território brasileiro, o ordenamento jurídico nacional previu solução adequada e eficiente para as situações em que os que necessitam de registro são estrangeiros, principalmente em condição de refúgio, como nos autos, não deixando desamparados esses cidadãos desenraizados.
6. No âmbito internacional, o Brasil, no que respeita à legislação protetiva dos refugiados, tendo sido o primeiro país a aprovar a Convenção de 1951, ocorrido em 1960, a aderir ao Protocolo de 1967, em 1972; e o primeiro a elaborar uma lei específica sobre refugiados, a Lei Federal n. 9.474, em 1997. E, embora não tenha assinado a Declaração de Cartagena de 1984, passou a aplicar a definição ampliada de refugiado contida nesse instrumento desde 1989. 7. Na mesma linha, a Lei n. 9.474/1997 é considerada uma das mais modernas legislações sobre o refúgio do mundo, trazendo conceito amplo de refugiado em seu art. 1º e estendendo, em seu art.
2º, os efeitos da condição de refugiado ao cônjuge, aos ascendentes e descendentes, assim como aos demais membros do grupo familiar que do refugiado dependerem economicamente, desde que se encontrem em território nacional.
8. A Lei n. 9.474/1997 prevê, como forma de identificação, que o refugiado terá direito, nos termos da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, a cédula de identidade comprobatória de sua condição jurídica, carteira de trabalho e documento de viagem (art.
6º) 9. Nesse mesmo rumo, o art. 21 estabelece que será emitido um protocolo do requerimento quando o interessado solicita refúgio em favor do requerente e de seu grupo familiar, que autoriza sua estada no território nacional até a decisão final do processo, com possibilidade de expedição de carteira de trabalho provisória e serão averbados os nomes dos menores de quatorze anos, que serão titulares dos mesmo benefícios que seus responsáveis.
10. Registre-se, ainda, que a Lei n. 6.815/1980 - legislação que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil-, assegura ao estrangeiro residente no Brasil todos os direitos reconhecidos aos brasileiros, nos termos da Constituição e das leis e, dentre esses direitos, a matrícula em estabelecimento de ensino seria permitida ao estrangeiro com as restrições estabelecidas nesta Lei e no seu Regulamento (art. 97).
11. É assegurado aos estrangeiros refugiados a emissão do Registro Nacional de Estrangeiro (RNE), documento idôneo, definitivo e garantidor de direitos fundamentais iguais aos de brasileiros, contendo todos dados que qualificam o portador. O Registro Nacional de Estrangeiro é documento de identidade equivalente ao registro civil de pessoas naturais.
12. A Lei de Refúgio é clara quanto aos direitos das crianças e adolescentes dependentes dos refugiados no Brasil, pelo que a Certidão de Nascimento brasileira não é requisito para o reconhecimento da identidade formal da criança dependente de refugiado, nem mesmo para que essa criança seja matriculada em estabelecimento de ensino ou, ainda, que receba atendimento médico pela rede pública de saúde, tendo em vista a existência de documento equivalente viabilizador desses direitos (Registro Nacional de Estrangeiro).
13. Recurso especial parcialmente provido para determinar o cancelamento do registro civil de nascimento e negar o pleito formulado na inicial.
(REsp 1475580/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/05/2017, DJe 19/05/2017)
Ementa
RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC/1973. NÃO VIOLAÇÃO. ART. 109, III e X, CF/1988. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. NÃO CONFIGURAÇÃO.
REGISTRO CIVIL. NASCIMENTOS OCORRIDOS NO TERRITÓRIO NACIONAL.
CRIANÇA REFUGIADA. IMPOSSIBILIDADE. CONVENÇÃO DE REFUGIADOS 1951.
LEI N. 9.474/1997. LEI N. 6.815/1980. IDENTIDADE DE ESTRANGEIRO.
EQUIVALÊNCIA COM O REGISTRO PLEITEADO PARA OS FINS ALMEJADOS. 1. Não há violação ao artigo 535, II do CPC/1973, quando embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da recorrente.
2. Não havendo nos autos relatos de crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiros ou de questões referentes à naturalização ou opção por nacionalidade, mas, ao revés, tratando a ação originária de aplicação de medidas protetivas, consistente, principalmente, no pedido de registro civil de criança estrangeira refugiada, não há falar em competência da Justiça Federal, ditada pelo art. 109, III ou X da CF/1988. 3. O Registro Civil é forma de conferir identidade à pessoa natural nascida em território brasileiro, é documento de cidadania, capaz de constatar qualidades pessoais e comprovar situações jurídicas do sujeito, cujo nascimento ocorreu em território nacional, dando-lhes publicidade e garantindo-lhes oponibilidade, salvo as execeções da própria legislação: filhos de brasileiros nascidos no exterior (art. 50, § 5º) e os nascidos a bordo (art. 51).
4. Todas as crianças têm direito a uma identidade, inclusive formal, principalmente por serem seres humanos vulneráveis dada sua condição psíquica e física, que ainda em desenvolvimento, requerem cuidado especial. A promoção dessa identidade encontra respaldo em inúmeros diplomas normativos, dentre ele, a Convenção sobre os Direitos da Criança (Decreto 99.710 de 21 de novembro de 1990).
5. Apesar de a Lei de Registros Públicos possibilitar o Registro de Nascimento apenas para pessoas nascidas em território brasileiro, o ordenamento jurídico nacional previu solução adequada e eficiente para as situações em que os que necessitam de registro são estrangeiros, principalmente em condição de refúgio, como nos autos, não deixando desamparados esses cidadãos desenraizados.
6. No âmbito internacional, o Brasil, no que respeita à legislação protetiva dos refugiados, tendo sido o primeiro país a aprovar a Convenção de 1951, ocorrido em 1960, a aderir ao Protocolo de 1967, em 1972; e o primeiro a elaborar uma lei específica sobre refugiados, a Lei Federal n. 9.474, em 1997. E, embora não tenha assinado a Declaração de Cartagena de 1984, passou a aplicar a definição ampliada de refugiado contida nesse instrumento desde 1989. 7. Na mesma linha, a Lei n. 9.474/1997 é considerada uma das mais modernas legislações sobre o refúgio do mundo, trazendo conceito amplo de refugiado em seu art. 1º e estendendo, em seu art.
2º, os efeitos da condição de refugiado ao cônjuge, aos ascendentes e descendentes, assim como aos demais membros do grupo familiar que do refugiado dependerem economicamente, desde que se encontrem em território nacional.
8. A Lei n. 9.474/1997 prevê, como forma de identificação, que o refugiado terá direito, nos termos da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, a cédula de identidade comprobatória de sua condição jurídica, carteira de trabalho e documento de viagem (art.
6º) 9. Nesse mesmo rumo, o art. 21 estabelece que será emitido um protocolo do requerimento quando o interessado solicita refúgio em favor do requerente e de seu grupo familiar, que autoriza sua estada no território nacional até a decisão final do processo, com possibilidade de expedição de carteira de trabalho provisória e serão averbados os nomes dos menores de quatorze anos, que serão titulares dos mesmo benefícios que seus responsáveis.
10. Registre-se, ainda, que a Lei n. 6.815/1980 - legislação que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil-, assegura ao estrangeiro residente no Brasil todos os direitos reconhecidos aos brasileiros, nos termos da Constituição e das leis e, dentre esses direitos, a matrícula em estabelecimento de ensino seria permitida ao estrangeiro com as restrições estabelecidas nesta Lei e no seu Regulamento (art. 97).
11. É assegurado aos estrangeiros refugiados a emissão do Registro Nacional de Estrangeiro (RNE), documento idôneo, definitivo e garantidor de direitos fundamentais iguais aos de brasileiros, contendo todos dados que qualificam o portador. O Registro Nacional de Estrangeiro é documento de identidade equivalente ao registro civil de pessoas naturais.
12. A Lei de Refúgio é clara quanto aos direitos das crianças e adolescentes dependentes dos refugiados no Brasil, pelo que a Certidão de Nascimento brasileira não é requisito para o reconhecimento da identidade formal da criança dependente de refugiado, nem mesmo para que essa criança seja matriculada em estabelecimento de ensino ou, ainda, que receba atendimento médico pela rede pública de saúde, tendo em vista a existência de documento equivalente viabilizador desses direitos (Registro Nacional de Estrangeiro).
13. Recurso especial parcialmente provido para determinar o cancelamento do registro civil de nascimento e negar o pleito formulado na inicial.
(REsp 1475580/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/05/2017, DJe 19/05/2017)Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta
Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos
votos e das notas taquigráficas Prosseguindo no julgamento, após o
voto-vista do Ministro Raul Araújo acolhendo a preliminar de
incompetência e determinando a remessa dos autos à Justiça Federal,
e os votos dos Ministros Luis Felipe Salomão (relator), Ministra
Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi
rejeitando a preliminar, a Quarta, por maiorira, rejeitar a
preliminar de incompetência e, quanto ao mérito, por unanimidade,
dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do relator. A
Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti (Presidente) e os Srs. Ministros
Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Data do Julgamento
:
04/05/2017
Data da Publicação
:
DJe 19/05/2017
Órgão Julgador
:
T4 - QUARTA TURMA
Relator(a)
:
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO (1140)
Informações adicionais
:
"[...] ressalta dos autos [...] a inexistência de
prequestionamento, pois as questões agitadas apenas em sede de
embargos de declaração mostram-se inadequadas para ensejá-lo,
caracterizando-se, assim, pós-questionamento, nos termos dos
julgados deste Tribunal".
(VOTO VENCIDO) (MIN. RAUL ARAÚJO)
"[...] foi requerida perante o Juízo da Vara da Infância, da
Juventude e do Idoso da Comarca do Rio de Janeiro a aplicação de
medida protetiva [...] objetivando a expedição de documento de
identificação da criança nascida no Congo em 17/01/2006 e residente
no Brasil desde 20/01/2011, com fundamento na Convenção sobre
Direitos da Criança - Decreto nº 99.710/90 e Convenção sobre os
Refugiados de 1951.
Verifica-se que a presente ação foi proposta com base em
tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Dessa
forma, nos termos do art. 109, III, da Constituição Federal, a
Justiça Federal é competente para processar e julgar a presente
causa".
"[...] a presente discussão acerca da possibilidade de emissão
de certidão de nascimento de criança estrangeira na condição de
refugiada conduz, necessariamente, à análise de questões relativas à
aquisição da nacionalidade brasileira.
Ressalta-se que o art. 109, X, da Constituição Federal
determina que as causas referentes à nacionalidade são de
competência da Justiça Federal, estando incluídas neste dispositivo
as questões relativas à nacionalidade originária (CF, art. 12, I) e
à secundária (CF, art. 12, II)".
Referência legislativa
:
LEG:FED CFB:****** ANO:1988***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ART:00012 INC:00001 INC:00002 ART:00109 INC:00003 INC:00010LEG:FED LEI:005869 ANO:1973***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 ART:00535 INC:00002LEG:FED LEI:006015 ANO:1973***** LRP-73 LEI DE REGISTROS PÚBLICOS ART:00050 PAR:00005LEG:FED DEC:099710 ANO:1990 ART:00007 ART:00008 ART:00022 ITEM:00001 ITEM:00002(CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA)LEG:FED LEI:009474 ANO:1997 ART:00001 ART:00002 ART:00006 ART:00021 ART:00022 ART:00095 ART:00097LEG:INT CES:****** ANO:1951(CONVENÇÃO RELATIVA AO ESTATUTO DOS REFUGIADOS)LEG:INT PLT:****** ANO:1967(PROTOCOLO SOBRE O ESTATUTO DOS REFUGIADOS)LEG:INT DCL:****** ANO:1984(DECLARAÇÃO DE CARTAGENA)
Veja
:
(VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC - ENFRENTAMENTO ADEQUADO DAS TESES) STJ - AgRg no AREsp 332457-RS(RECURSO ESPECIAL - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO) STJ - AgRg no AREsp 589275-PR(VOTO VENCIDO - COMPETÊNCIA - TRANSCRIÇÃO DE TERMO DE NASCIMENTO DEMENOR NASCIDO NO ESTRANGEIRO) STJ - CC 18074-DF