REsp 1478274 / MTRECURSO ESPECIAL2013/0236178-9
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE. NEGATIVA DE FORNECIMENTO, POR PARTE DE EX-PREFEITO MUNICIPAL, DE CÓPIAS DE DOCUMENTOS DA ADMINISTRAÇÃO À ENTÃO VICE-PREFEITA. ELEMENTO SUBJETIVO. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7/STJ.
1. O Ministério Público do Estado do Mato Grosso ajuizou Ação Civil Pública por ato de improbidade contra o ex-Prefeito da cidade de Tangará da Serra/MT, alegando, em suma, que a conduta ímproba "consistiu na negativa em fornecer cópias de atos e contratos administrativos requisitados pela então vice-prefeita do município de Tangará da Serra/MT. O mais relevante é que a pretensão da vice-prefeita só foi atendida por força de decisão judicial na via do mandado de segurança" (fl. 588).
2. O Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso entendeu que, no caso, não havia dolo na postura do então Prefeito, conforme as seguintes passagens, a saber (fls. 543-544): a) "Da detida análise dos autos e da verificação da documentação anexada ao feito, verifico que a conduta ímproba - assim entendida pelo parquet - se resume no fato de o apelante não fornecer cópias de documentos solicitados pela então vice-prefeita municipal, tendo esta que impetrar um mandado de segurança para ver seu pedido atendido"; b) "De se anotar que tal conduta do alcaide foi objeto de ação penal que tramitou neste egrégio Tribunal, na qual foi julgada improcedente a denúncia para absolver o apelante do crime tipificado no art. 1º, XIV, do Decreto-Lei n. 201/67, por 02 (duas) vezes c/c o art. 69 do Código Penal, com fundamento no art. 386, VI, do Código de Processo Penal (fls. 360)"; c) "Na ocasião do julgamento da ação penal ficou assentado que inexistiam prova do dolo ou má-fé do apelante, ou seja, absoluta ausência de dolo que levou a improcedência da ação penal"; d) "Pelos fatos narrados, mesmo que o apelante tenha se negado a fornecer cópias de documentos que deveriam ser de conhecimento público, tal fato, por si só, não justifica a punição deste por improbidade administrativa, vez que se encontra ausente o elemento subjetivo, ou seja, não se verifica a culpa, muito menos o dolo. Portanto, não é possível no caso dos a condenação do apelante, nos moldes do artigo 11, da Lei Federal n.
8.429/92, uma vez que inexistente o dolo ou má-fé, o que foi inclusive já reconhecido pelo egrégio Tribunal de Justiça de Mato Grosso ao analisar uma ação penal sobre os mesmos fatos".
3. Em ato subsequente, o Ministério Público do Estado de Mato Grosso opôs Embargos de Declaração, mas estes foram rejeitados sob o fundamento de que os Embargos não se prestavam à revisão de matéria já apreciada. O Parquet, então, apresentou Recurso Especial sem alegar negativa de vigência ao art. 535 do CPC. Sustentou-a somente quanto aos artigos 11, caput, inciso IV, e 21, inc. I, todos da Lei 8.429/1992.
4. É certo que a negativa em fornecer cópias de documentos públicos a outros agentes públicos e aos cidadãos em geral pode configurar ato de improbidade, porque o princípio da publicidade impõe plena transparência na prática dos atos administrativos. Entretanto, para que seja configurada a improbidade administrativa, é necessário demonstrar o intento de realmente violar o princípio acima, porque o art. 11 da Lei de Improbidade exige dolo para a sua incidência. Ou seja, deve-se evidenciar o intuito de manter encoberto o que devia ser público de forma deliberada.
5. "A jurisprudência do STJ rechaça a responsabilidade objetiva na aplicação da Lei 8.429/1992, exigindo a presença de dolo nos casos dos arts. 9º e 11 - que coíbem o enriquecimento ilícito e o atentado aos princípios administrativos, respectivamente - e ao menos de culpa nos termos do art. 10, que censura os atos de improbidade por dano ao Erário" (REsp 414.697/RO, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 25/5/2010, DJe 16/9/2010).
6. No caso dos autos, o Tribunal de Apelação afastou de forma categórica a existência de dolo, até porque aquela Corte já tinha absolvido o requerido da mesma imputação na esfera penal. Por oportuno, cabe registrar que o julgamento do Recurso de Apelação nestes autos faz menção expressa ao acórdão proferido pelo mesmo Tribunal de Mato de Grosso na análise do caso na esfera penal. No julgamento criminal, concluiu-se pela ausência de dolo, porque os depoimentos testemunhais colhidos no curso da Ação Penal indicavam realmente dificuldades no fornecimento da documentação, além de que os fatos teriam ocorrido apenas em razão de divergências políticas entre o recorrido, então Prefeito, e a Vice-Prefeita à época.
7. Ora, para rever esse entendimento, o STJ teria que reavaliar todo o contexto que ocorreu ao tempo dos fatos para concluir de forma contrária. Por exemplo, num simples manuseio dos autos, verifica-se que o requerido, então Prefeito, apresentou justificativas para a sua postura. Disse que solicitou fundamento para a apresentação das cópias, porque, entre outros motivos, o volume de documentos era muito grande. À fl. 130, na sua defesa preliminar, informou que, ao todo, eram 2.300 cópias de documentos e mais 7.500 folhas de relatórios impressos.
8. Por isso, defendeu que em momento algum se negou a fornecer as cópias e os relatórios solicitados. Apenas tentou, segundo suas próprias ponderações em defesa preliminar (fls. 125 e ss.), fazer com que a então Vice-Prefeita explicasse os motivos pelos quais requeria tamanha documentação, a fim de avaliar a conveniência do pedido, até porque, na qualidade de integrante da administração municipal, poderia ter acesso direto ao que desejava.
9. Não se avalia, neste âmbito especial, o acerto, ou desacerto, da postura do Prefeito. Deve-se apenas deixar claro que fatos relevantes foram invocados no curso desta Ação de Improbidade e o STJ não pode, sob pena de afrontar sua Súmula 7, afastar a conclusão a que chegou a Corte a quo sem reexaminar fatos e provas.
10. Já tive oportunidade de me expressar no sentido de que a referida Súmula deve incidir em casos nos quais os Tribunais de Apelação afirmam categoricamente a inexistência de dolo ou culpa. A título de exemplo, listo o seguinte julgado: AgRg no REsp 1.430.761/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 1/4/2014, DJe 15/4/2014.
11. Sob outro enfoque, é certo, cabe registrar, que o Ministério Público apresentou Embargos de Declaração para fins de prequestionamento (fls. 554 e ss.), os quais foram rejeitados pelo acórdão de fls. 572-576. Mas ali apenas sustentou que o Tribunal originário "deixou de fazer uma análise percuciente nos dispositivos existentes na legislação pátria" (fl. 557). Ou seja, não requereu, entre outras coisas, que o acórdão fosse mais explícito sobre o contexto fático.
12. Esse aparte afinal é relevante para expressar que, se houvesse maior detalhamento das sutilezas do caso no acórdão, até seria possível pensar numa mera revaloração dos fatos e das provas consideradas pelo Tribunal de Mato Grosso. Sucede que isso não ocorreu. O Ministério Público, ao opor Embargos de Declaração apenas em relação aos contornos jurídicos, se conformou com a análise do contexto probatório já posto no julgamento do Recurso de Apelação e tornou a matéria preclusa.
13. Nesse cenário e sabendo que o Recurso Especial nem sequer veicula possível violação do art. 535 do CPC, não há como concluir de forma diversa, senão que as linhas do acórdão hostilizado, as quais afirmaram categoricamente a ausência de dolo, são insuperáveis no Apelo Nobre. Mais que mera revaloração de contexto probatório, no caso, seria imperativo um reexame dos fatos e das provas carreadas aos autos para superar as conclusões do aresto a quo.
14. Recurso Especial não conhecido.
(REsp 1478274/MT, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/03/2015, DJe 31/03/2015)
Ementa
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE. NEGATIVA DE FORNECIMENTO, POR PARTE DE EX-PREFEITO MUNICIPAL, DE CÓPIAS DE DOCUMENTOS DA ADMINISTRAÇÃO À ENTÃO VICE-PREFEITA. ELEMENTO SUBJETIVO. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7/STJ.
1. O Ministério Público do Estado do Mato Grosso ajuizou Ação Civil Pública por ato de improbidade contra o ex-Prefeito da cidade de Tangará da Serra/MT, alegando, em suma, que a conduta ímproba "consistiu na negativa em fornecer cópias de atos e contratos administrativos requisitados pela então vice-prefeita do município de Tangará da Serra/MT. O mais relevante é que a pretensão da vice-prefeita só foi atendida por força de decisão judicial na via do mandado de segurança" (fl. 588).
2. O Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso entendeu que, no caso, não havia dolo na postura do então Prefeito, conforme as seguintes passagens, a saber (fls. 543-544): a) "Da detida análise dos autos e da verificação da documentação anexada ao feito, verifico que a conduta ímproba - assim entendida pelo parquet - se resume no fato de o apelante não fornecer cópias de documentos solicitados pela então vice-prefeita municipal, tendo esta que impetrar um mandado de segurança para ver seu pedido atendido"; b) "De se anotar que tal conduta do alcaide foi objeto de ação penal que tramitou neste egrégio Tribunal, na qual foi julgada improcedente a denúncia para absolver o apelante do crime tipificado no art. 1º, XIV, do Decreto-Lei n. 201/67, por 02 (duas) vezes c/c o art. 69 do Código Penal, com fundamento no art. 386, VI, do Código de Processo Penal (fls. 360)"; c) "Na ocasião do julgamento da ação penal ficou assentado que inexistiam prova do dolo ou má-fé do apelante, ou seja, absoluta ausência de dolo que levou a improcedência da ação penal"; d) "Pelos fatos narrados, mesmo que o apelante tenha se negado a fornecer cópias de documentos que deveriam ser de conhecimento público, tal fato, por si só, não justifica a punição deste por improbidade administrativa, vez que se encontra ausente o elemento subjetivo, ou seja, não se verifica a culpa, muito menos o dolo. Portanto, não é possível no caso dos a condenação do apelante, nos moldes do artigo 11, da Lei Federal n.
8.429/92, uma vez que inexistente o dolo ou má-fé, o que foi inclusive já reconhecido pelo egrégio Tribunal de Justiça de Mato Grosso ao analisar uma ação penal sobre os mesmos fatos".
3. Em ato subsequente, o Ministério Público do Estado de Mato Grosso opôs Embargos de Declaração, mas estes foram rejeitados sob o fundamento de que os Embargos não se prestavam à revisão de matéria já apreciada. O Parquet, então, apresentou Recurso Especial sem alegar negativa de vigência ao art. 535 do CPC. Sustentou-a somente quanto aos artigos 11, caput, inciso IV, e 21, inc. I, todos da Lei 8.429/1992.
4. É certo que a negativa em fornecer cópias de documentos públicos a outros agentes públicos e aos cidadãos em geral pode configurar ato de improbidade, porque o princípio da publicidade impõe plena transparência na prática dos atos administrativos. Entretanto, para que seja configurada a improbidade administrativa, é necessário demonstrar o intento de realmente violar o princípio acima, porque o art. 11 da Lei de Improbidade exige dolo para a sua incidência. Ou seja, deve-se evidenciar o intuito de manter encoberto o que devia ser público de forma deliberada.
5. "A jurisprudência do STJ rechaça a responsabilidade objetiva na aplicação da Lei 8.429/1992, exigindo a presença de dolo nos casos dos arts. 9º e 11 - que coíbem o enriquecimento ilícito e o atentado aos princípios administrativos, respectivamente - e ao menos de culpa nos termos do art. 10, que censura os atos de improbidade por dano ao Erário" (REsp 414.697/RO, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 25/5/2010, DJe 16/9/2010).
6. No caso dos autos, o Tribunal de Apelação afastou de forma categórica a existência de dolo, até porque aquela Corte já tinha absolvido o requerido da mesma imputação na esfera penal. Por oportuno, cabe registrar que o julgamento do Recurso de Apelação nestes autos faz menção expressa ao acórdão proferido pelo mesmo Tribunal de Mato de Grosso na análise do caso na esfera penal. No julgamento criminal, concluiu-se pela ausência de dolo, porque os depoimentos testemunhais colhidos no curso da Ação Penal indicavam realmente dificuldades no fornecimento da documentação, além de que os fatos teriam ocorrido apenas em razão de divergências políticas entre o recorrido, então Prefeito, e a Vice-Prefeita à época.
7. Ora, para rever esse entendimento, o STJ teria que reavaliar todo o contexto que ocorreu ao tempo dos fatos para concluir de forma contrária. Por exemplo, num simples manuseio dos autos, verifica-se que o requerido, então Prefeito, apresentou justificativas para a sua postura. Disse que solicitou fundamento para a apresentação das cópias, porque, entre outros motivos, o volume de documentos era muito grande. À fl. 130, na sua defesa preliminar, informou que, ao todo, eram 2.300 cópias de documentos e mais 7.500 folhas de relatórios impressos.
8. Por isso, defendeu que em momento algum se negou a fornecer as cópias e os relatórios solicitados. Apenas tentou, segundo suas próprias ponderações em defesa preliminar (fls. 125 e ss.), fazer com que a então Vice-Prefeita explicasse os motivos pelos quais requeria tamanha documentação, a fim de avaliar a conveniência do pedido, até porque, na qualidade de integrante da administração municipal, poderia ter acesso direto ao que desejava.
9. Não se avalia, neste âmbito especial, o acerto, ou desacerto, da postura do Prefeito. Deve-se apenas deixar claro que fatos relevantes foram invocados no curso desta Ação de Improbidade e o STJ não pode, sob pena de afrontar sua Súmula 7, afastar a conclusão a que chegou a Corte a quo sem reexaminar fatos e provas.
10. Já tive oportunidade de me expressar no sentido de que a referida Súmula deve incidir em casos nos quais os Tribunais de Apelação afirmam categoricamente a inexistência de dolo ou culpa. A título de exemplo, listo o seguinte julgado: AgRg no REsp 1.430.761/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 1/4/2014, DJe 15/4/2014.
11. Sob outro enfoque, é certo, cabe registrar, que o Ministério Público apresentou Embargos de Declaração para fins de prequestionamento (fls. 554 e ss.), os quais foram rejeitados pelo acórdão de fls. 572-576. Mas ali apenas sustentou que o Tribunal originário "deixou de fazer uma análise percuciente nos dispositivos existentes na legislação pátria" (fl. 557). Ou seja, não requereu, entre outras coisas, que o acórdão fosse mais explícito sobre o contexto fático.
12. Esse aparte afinal é relevante para expressar que, se houvesse maior detalhamento das sutilezas do caso no acórdão, até seria possível pensar numa mera revaloração dos fatos e das provas consideradas pelo Tribunal de Mato Grosso. Sucede que isso não ocorreu. O Ministério Público, ao opor Embargos de Declaração apenas em relação aos contornos jurídicos, se conformou com a análise do contexto probatório já posto no julgamento do Recurso de Apelação e tornou a matéria preclusa.
13. Nesse cenário e sabendo que o Recurso Especial nem sequer veicula possível violação do art. 535 do CPC, não há como concluir de forma diversa, senão que as linhas do acórdão hostilizado, as quais afirmaram categoricamente a ausência de dolo, são insuperáveis no Apelo Nobre. Mais que mera revaloração de contexto probatório, no caso, seria imperativo um reexame dos fatos e das provas carreadas aos autos para superar as conclusões do aresto a quo.
14. Recurso Especial não conhecido.
(REsp 1478274/MT, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/03/2015, DJe 31/03/2015)Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA Turma do Superior
Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, não conheceu do
recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os
Srs. Ministros Mauro Campbell Marques (Presidente), Assusete
Magalhães e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Og Fernandes.
Data do Julgamento
:
03/03/2015
Data da Publicação
:
DJe 31/03/2015
Órgão Julgador
:
T2 - SEGUNDA TURMA
Relator(a)
:
Ministro HERMAN BENJAMIN (1132)
Referência legislativa
:
LEG:FED LEI:008429 ANO:1992***** LIA-92 LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVALEG:FED SUM:*********** SUM(STJ) SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SUM:000007
Veja
:
(IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - RESPONSABILIDADE OBJETIVA) STJ - REsp 414697-RO(IMPROBIDADE - OCORRÊNCIA DE DOLO OU CULPA - REEXAME DE PROVA) STJ - AgRg no REsp 1430761-SP
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