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Jurisprudência


REsp 1480881 / PIRECURSO ESPECIAL2014/0207538-0

Ementa
RECURSO ESPECIAL. PROCESSAMENTO SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC. RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. FATO POSTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 12.015/09. CONSENTIMENTO DA VÍTIMA. IRRELEVÂNCIA. ADEQUAÇÃO SOCIAL. REJEIÇÃO. PROTEÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que, sob a normativa anterior à Lei nº 12.015/09, era absoluta a presunção de violência no estupro e no atentado violento ao pudor (referida na antiga redação do art. 224, "a", do CPB), quando a vítima não fosse maior de 14 anos de idade, ainda que esta anuísse voluntariamente ao ato sexual (EREsp 762.044/SP, Rel. Min. Nilson Naves, Rel. para o acórdão Ministro Felix Fischer, 3ª Seção, DJe 14/4/2010). 2. No caso sob exame, já sob a vigência da mencionada lei, o recorrido manteve inúmeras relações sexuais com a ofendida, quando esta ainda era uma criança com 11 anos de idade, sendo certo, ainda, que mantinham um namoro, com troca de beijos e abraços, desde quando a ofendida contava 8 anos. 3. Os fundamentos empregados no acórdão impugnado para absolver o recorrido seguiram um padrão de comportamento tipicamente patriarcal e sexista, amiúde observado em processos por crimes dessa natureza, nos quais o julgamento recai inicialmente sobre a vítima da ação delitiva, para, somente a partir daí, julgar-se o réu. 4. A vítima foi etiquetada pelo "seu grau de discernimento", como segura e informada sobre os assuntos da sexualidade, que "nunca manteve relação sexual com o acusado sem a sua vontade". Justificou-se, enfim, a conduta do réu pelo "discernimento da vítima acerca dos fatos e o seu consentimento", não se atribuindo qualquer relevo, no acórdão vergastado, sobre o comportamento do réu, um homem de idade, então, superior a 25 anos e que iniciou o namoro - "beijos e abraços" - com a ofendida quando esta ainda era uma criança de 8 anos. 5. O exame da história das ideias penais - e, em particular, das opções de política criminal que deram ensejo às sucessivas normatizações do Direito Penal brasileiro - demonstra que não mais se tolera a provocada e precoce iniciação sexual de crianças e adolescentes por adultos que se valem da imaturidade da pessoa ainda em formação física e psíquica para satisfazer seus desejos sexuais. 6. De um Estado ausente e de um Direito Penal indiferente à proteção da dignidade sexual de crianças e adolescentes, evoluímos, paulatinamente, para uma Política Social e Criminal de redobrada preocupação com o saudável crescimento, físico, mental e emocional do componente infanto-juvenil de nossa população, preocupação que passou a ser, por comando do constituinte (art. 226 da C.R.), compartilhada entre o Estado, a sociedade e a família, com inúmeros reflexos na dogmática penal. 7. A modernidade, a evolução moral dos costumes sociais e o acesso à informação não podem ser vistos como fatores que se contrapõem à natural tendência civilizatória de proteger certos segmentos da população física, biológica, social ou psiquicamente fragilizados. No caso de crianças e adolescentes com idade inferior a 14 anos, o reconhecimento de que são pessoas ainda imaturas - em menor ou maior grau - legitima a proteção penal contra todo e qualquer tipo de iniciação sexual precoce a que sejam submetidas por um adulto, dados os riscos imprevisíveis sobre o desenvolvimento futuro de sua personalidade e a impossibilidade de dimensionar as cicatrizes físicas e psíquicas decorrentes de uma decisão que um adolescente ou uma criança de tenra idade ainda não é capaz de livremente tomar. 8. Não afasta a responsabilização penal de autores de crimes a aclamada aceitação social da conduta imputada ao réu por moradores de sua pequena cidade natal, ou mesmo pelos familiares da ofendida, sob pena de permitir-se a sujeição do poder punitivo estatal às regionalidades e diferenças socioculturais existentes em um país com dimensões continentais e de tornar írrita a proteção legal e constitucional outorgada a específicos segmentos da população. 9. Recurso especial provido, para restabelecer a sentença proferida nos autos da Ação Penal n. 0001476-20.2010.8.0043, em tramitação na Comarca de Buriti dos Lopes/PI, por considerar que o acórdão recorrido contrariou o art. 217-A do Código Penal, assentando-se, sob o rito do Recurso Especial Repetitivo (art. 543-C do CPC), a seguinte tese: Para a caracterização do crime de estupro de vulnerável previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos. O consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime. (REsp 1480881/PI, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 10/09/2015)
Acórdão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial representativo da controvérsia, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, assentando-se a seguinte tese: para a caracterização do crime de estupro de vulnerável previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos. O consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime. Os Srs. Ministros Nefi Cordeiro, Gurgel de Faria, Reynaldo Soares da Fonseca, Newton Trisotto (Desembargador Convocado do TJ/SC), Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ/SP), Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador convocado do TJ/PE), Felix Fischer e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior.

Data do Julgamento : 26/08/2015
Data da Publicação : DJe 10/09/2015
Órgão Julgador : S3 - TERCEIRA SEÇÃO
Relator(a) : Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ (1158)
Notas : Julgado conforme procedimento previsto para os Recursos Repetitivos no âmbito do STJ.
Informações adicionais : É tempestivo o recurso especial interposto pelo Ministério Público em prazo superior ao estabelecido na norma processual quando existir dúvida quanto à data precisa do recebimento do processo pelo membro do "Parquet". Isso porque, no caso de dúvida quanto ao dia da efetiva ciência por parte do representante do Parquet, com fins à demarcação do termo "a quo" para a contagem do prazo recursal, conclui-se em favor da parte recorrente. O mesmo procedimento se dá quando o recurso é interposto pela Defensoria Pública, pois a entidade representada não pode ser prejudicada pela ausência de indicação nos autos quanto ao dia do efetivo recebimento do processo. "As circunstâncias fáticas do crime foram descritas no acórdão estadual, ou seja, não há necessidade de se buscarem documentos, depoimentos, laudos ou qualquer outro material probatório acostado aos autos para que se aplique o direito à espécie, motivo pelo qual afasto a alegação, trazida nas contrarrazões, de incidência do Enunciado Sumular n. 7 desta Corte".
Veja : (ESTUPRO DE VULNERÁVEL - ARTIGO 224, "A", DO CP - REDAÇÃO ANTERIOR ÀLEI 12.015/2009 - PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA - CARÁTER ABSOLUTO) STJ - EREsp 1152864-SC, EREsp 762044-SP STF - HC 119091-SP, RHC-AgRg 97664-DF, HC 105558-PR(ESTUPRO DE VULNERÁVEL - PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA - RELATIVIZAÇÃO DOCONSENTIMENTO DO MENOR - IMPOSSIBILIDADE) STJ - EREsp 762044-SP(ESTUPRO DE VULNERÁVEL - ARTIGO 217-A DO CP - CARACTERIZAÇÃO DOCRIME - CRITÉRIO OBJETIVO) STJ - AgRg nos EDcl no AREsp 191197-MS, AgRg no REsp 1435416-SC, AgRg no REsp 1418859-GO
Referência legislativa : LEG:FED CFB:****** ANO:1988***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ART:00227 PAR:00004LEG:FED DEL:002848 ANO:1940***** CP-40 CÓDIGO PENAL ART:00071 ART:0217A ART:00224 LET:A(ART. 217-A ACRESCENTADO PELA LEI 12.015/2009 E ART. 224 COM AREDAÇÃO ANTERIOR À LEI 12.015/2009)LEG:FED LEI:012015 ANO:2009LEG:FED LEI:008069 ANO:1990***** ECA-90 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ART:00003 ART:00004LEG:INT CVC:****** ANO:1989***** CIDC CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DACRIANÇA ART:00019LEG:FED LEI:005869 ANO:1973***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 ART:0543CLEG:FED SUM:*********** SUM(STJ) SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SUM:000007LEG:FED RES:000008 ANO:2008(SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ)
Referência legislativa : LEG:FED CFB:****** ANO:1988***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ART:00227 PAR:00004LEG:FED DEL:002848 ANO:1940***** CP-40 CÓDIGO PENAL ART:00071 ART:0217A ART:00224 LET:A(ART. 217-A ACRESCENTADO PELA LEI 12.015/2009 E ART. 224 COM AREDAÇÃO ANTERIOR À LEI 12.015/2009)LEG:FED LEI:012015 ANO:2009LEG:FED LEI:008069 ANO:1990***** ECA-90 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ART:00003 ART:00004LEG:INT CVC:****** ANO:1989***** CIDC CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DACRIANÇA ART:00019LEG:FED LEI:005869 ANO:1973***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 ART:0543CLEG:FED SUM:*********** SUM(STJ) SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SUM:000007LEG:FED RES:000008 ANO:2008(SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ)
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