REsp 1510725 / ESRECURSO ESPECIAL2013/0217796-0
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973.
DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. REPETIÇÃO DE INDÉBITO.
CESSÃO DE CRÉDITO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA PROMOVIDA PELO CESSIONÁRIO.
POSSIBILIDADE. ANUÊNCIA DA FAZENDA PÚBLICA. DESNECESSIDADE. MATÉRIA JULGADA EM RECURSO REPETITIVO.
HISTÓRICO DA DEMANDA 1. A recorrente Rio Doce Café S/A Importadora e Exportadora ajuizou a Ação de Repetição de Indébito 98.0006293-9, na qual pleiteou e obteve a condenação da Fazenda Nacional à devolução dos valores pagos a título de cota de contribuição sobre a exportação de café, recolhidos nos termos do Decreto-Lei 2.295/1986.
Após o trânsito em julgado da decisão que lhe foi favorável, a empresa cedeu seus créditos à recorrente Cervejarias Kaiser Brasil S/A (operação essa comunicada à União por meio de Notificação Judicial).
2. Em sequência, a cessionária ingressou em juízo, nos autos da demanda acima referida, requerendo a alteração do polo ativo mediante inclusão de seu nome, e, nos termos do art. 730 do CPC, anexou a documentação que embasou o início da Execução de Sentença, estimada unilateralmente por ela em R$ 54.307.096,77 (cinquenta e quatro milhões, trezentos e sete mil e noventa e seis reais, e setenta e sete centavos - valor originário em 11.9.2003, cf. fl. 70, e-STJ).
3. O juízo de origem não seguiu a disciplina do art. 730 do CPC, segundo o qual a Fazenda Pública é citada para no prazo de trinta (30) dias opor Embargos à Execução. Pelo contrário, sem determinar a citação, apenas ordenou a intimação da União, fixando o singelo prazo de apenas três (3) dias para que ela se manifestasse sobre a petição e documentos apresentados pela Kaiser. Por dispor do exíguo prazo de três dias, o ente público limitou-se a opor resistência à cessão de crédito. No entanto, finalizou sua manifestação ressaltando que aguardaria o cumprimento do disposto no art. 730 do CPC, isto é, o direito "de ser citada na forma da lei processual" (fl. 117, e-STJ).
4. A partir do evento acima o feito tomou rumo inusitado, pois o juízo de primeiro grau, por decisão proferida em 18.9.2003, considerou a manifestação da União (a respeito da cessão de crédito e do ingresso na cessionária como exequente) insatisfatória e, por essa razão, deferiu a substituição processual (fls. 141-143, e-STJ).
No mesmo ato, ordenou a intimação do ente público para que, no prazo de 30 dias, "explicite de forma fundamentada e por escrito, o que ficou redigido as fls. 567 e 570 (...)".
5. Tal ato não foi cumprido, pois a Kaiser tomou ciência pessoal do decisum em 22.9.2003 (fl. 144, e-STJ) e, no dia seguinte, 23.9.2003, protocolou petição requerendo a desistência da Execução, em razão de ter optado pelo ressarcimento na via administrativa (fl. 147, e-STJ).
6. O órgão jurisdicional recebeu os autos conclusos e imediatamente (na mesma data, isto é, 23.9.2003) proferiu sentença homologatória - chamo atenção para esse fato - da desistência da execução quantificada em R$ 54.307.096,77 (fl. 149, e-STJ).
7. Relembro que em 18.9.2003 o órgão judicante ordenou a intimação da Fazenda Nacional, concedendo-lhe prazo de 30 dias para se manifestar. Não obstante, já em 23.9.2003 (apenas 5 dias depois da anterior decisão), sentenciou o feito à revelia da União. Além disso, a autoridade judicial não fundamentou com base em que critério considerou correto o valor vultoso da Execução, tendo em vista que, conforme acima explicitado, não foi estabelecido o contraditório entre as partes para definir o quantum debeatur.
8. Somente após tal evento (prolação da sentença que homologou a desistência da Execução), finalmente, o cartório judicial abriu vistas dos autos à recorrida, em 14.10.2003 (fl. 152, e-STJ).
9. Tal sucessão de eventos apenas explicita o acerto das importantíssimas premissas estabelecidas no acórdão recorrido, no sentido de que a Fazenda Nacional não foi citada para se defender e de que a intimação da decisão que admitiu a cessão e da sentença homologatória da extinção da execução se deu no mesmo ato processual. Merece transcrição o excerto abaixo (fl. 265, e-STJ): "O que se observa da análise dos documentos é que a autora teve ciência da decisão agravada no dia 22/09/2003 (fls. 129 verso) e, no dia seguinte (fls. 131/132), a cessionária já devidamente legitimada a ingressar no processo, requereu a desistência do feito, o que foi prontamente homologado no dia 23/09/2003. Em nenhum momento, a União foi intimada para se manifestar sobre a transação realizada, o que nitidamente cerceou o direito de defesa dos interesses públicos envolvidos. Cumpre lembrar que a União foi intimada da decisão agravada juntamente com a intimação da sentença proferida nos autos da ação ordinária nº 1998.50.01.006293-1, que homologou a desistência da KAISER do pólo ativo - a fim de postular seu direito à restituição na via adminsitrativa - sem que houvesse a intimação pessoal da presente decisão (fls. 133/verso). Vale salientar que a sentença homologatória indicou valores líquidos no montante de aproximadamente 54 milhões de reais quando, na realidade, não houve qualquer liquidação de valores, não tendo a União sequer sido citada na forma do art. 730 do CPC, a fim de concordar ou não com o quantum total da execução, havendo prejuízo a todo o regime constitucional de pagamento dos débitos fazendários pelo regime de precatórios. No caso presente, impunha-se o processamento do pedido de inclusão da cessionária no pólo ativo com a devida anuência da União Federal, à qual deveria ter sido concedida ampla argumentação. A regra inserta no supramencionado art. 567, inciso II, do CPC deve ser interpretado (sic) em consonância com o art. 42, § 1º, do CPC".
10. A Corte local acrescentou os seguintes fundamentos para anular a decisão interlocutória que deferiu a cessão dos créditos: a) não se aplicam as normas de Direito Privado, porque a relação existente entre a credora original (empresa Rio Doce) e a Fazenda Pública é regida pela legislação tributária, que não prevê a cessão de crédito; b) embora a cessão produza efeitos entre as empresas (cedente e cessionária), é ineficaz em relação à União, até porque o art. 123 do CTN nega validade às convenções particulares no que tange à responsabilidade pelo pagamento de tributos; c) a Certidão Negativa com efeitos de Positiva (art. 206 do CTN) apresentada pela cedente certifica a existência de débitos próprios, os quais, ainda que tenham a exigibilidade suspensa, impedem a cessão na sua integralidade, sob pena de impedir que a Fazenda Pública faça, previamente, a compensação entre os créditos e os débitos da empresa Rio Doce; d) em reforço argumentativo, o art. 74 da Lei 9.430/1996, com a redação da Lei 10.637/2002, obsta a compensação com créditos de terceiros, sendo inaplicável à cessão de créditos, que implica transferência da titularidade; e) o processamento do pedido de inclusão da cessionária somente poderia ocorrer com a anuência da União, pois o art. 567, II, do CPC deve ser interpretado conjuntamente com o art. 42, § 1º, do aludido diploma legislativo.
11. De acordo com as notas taquigráficas juntadas ao acórdão recorrido, é possível verificar que: a) contra a decisão interlocutória que admitiu a cessão de crédito e determinou a alteração no polo ativo (substituição da empresa Rio Doce pela empresa Kaiser), foi interposto pela Fazenda Nacional o Agravo de Instrumento 2003.02.01.016389-7; e b) contra a sentença que homologou a desistência da Execução, requerida pela Kaiser, foi interposta Apelação pelo ente público e determinou-se a remessa dos autos à Corte local, nos termos do art. 475 do CPC (Reexame Obrigatório) - autos 1998.50.01.006293-1.
12. Em conclusão, o órgão fracionário deu provimento ao Agravo interposto pela Fazenda Nacional (2003.02.01.016389-7), para anular a cessão de crédito e todos os atos posteriores praticados nos autos, restabelecendo a legitimidade da Rio Doce Café S/A Importadora e Exportadora no polo ativo da demanda. Justamente em razão da anulação dos atos posteriores (entre os quais se encontra a sentença homologatória da decisão), julgou prejudicada a Apelação e Reexame Necessário nos autos 1998.50.01.006293-1.
PRIMEIRO FUNDAMENTO: VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973 13. As recorrentes sustentam que o art. 535, II, do CPC/1973 foi violado, mas deixam de apontar, de forma clara, o vício em que teria incorrido o acórdão impugnado. Asseveram apenas ter oposto Embargos de Declaração no Tribunal a quo, sem indicar as matérias sobre as quais deveria pronunciar-se a instância ordinária, nem demonstrar a relevância delas para o julgamento do feito.
14. Não se conhece do Recurso Especial em relação à ofensa ao art.
535 do CPC quando a parte não aponta, de forma clara, o vício em que teria incorrido o acórdão impugnado. Aplicação, por analogia, da Súmula 284/STF.
SEGUNDO FUNDAMENTO: POSSIBILIDADE DA CESSÃO DE CRÉDITOS INDEPENDENTEMENTE DA ANUÊNCIA DA FAZENDA PÚBLICA 15. O Tribunal de origem concluiu que a empresa Kaiser não pode figurar no polo ativo da Execução de Sentença porque devem ser interpretados conjuntamente os arts. 567, II, e 42, § 1º, do CPC/1973, ou seja, a cessão de créditos somente seria válida com a anuência da Fazenda Pública (fl.
265, e-STJ).
16. Essa orientação não encontra respaldo na jurisprudência atual do STJ. Com efeito, no julgamento do REsp 1.119.558/SC, no rito do art.
543-C do CPC/1973 (recurso repetitivo), pacificou-se o entendimento de que: a) o indébito reconhecido em favor do contribuinte integra a sua esfera patrimonial, de modo que é possível a cessão por ato inter vivos, condicionada apenas à simples notificação, para fins de ciência, da parte devedora, nos termos da legislação civil; b) a regra do art. 123 do CTN versa exclusivamente sobre convenções particulares que pretendam alterar a definição do responsável tributário, sendo inaplicável à cessão de crédito (na qual, em realidade, inexiste modificação da sujeição tributária passiva, pois aqui o contribuinte é credor, e não devedor, do ente público).
17. Ademais, em relação à interpretação do art. 567, II, do CPC/1973, também em recurso repetitivo (REsp 1.091.443/SP) concluiu-se que a norma é especial em relação ao art. 42 do CPC/1973, de modo que prevalece sobre este último, o que significa dizer que o ingresso do cessionário independe da anuência do devedor.
18. Diante do entendimento do STJ, adaptado à situação dos autos, tem-se apenas que deve ser parcialmente reformado o acórdão recorrido (proferido no Agravo de Instrumento 2003.02.01.016389-7), para o fim de admitir a alteração no polo ativo da Execução de Sentença, excluindo-se a empresa Rio Doce Café S/A Importadora e Exportadora e incluindo-se a recorrente Cervejarias Kaiser Brasil S/A.
19. Restabelece-se parcialmente, em consequência, a validade dos atos praticados após a decisão interlocutória que havia admitido a cessão de crédito, especificamente da sentença que homologou a desistência da Execução, com a ressalva de que, nos termos da premissa fática estabelecida no acórdão recorrido, a homologação da desistência é válida estritamente como resultado da manifestação da vontade da empresa Kaiser de pleitear administrativamente o ressarcimento do crédito, mas com a restrição de que não houve discussão e definição judicial a respeito do quantum debeatur.
20. Registro que a premissa do Tribunal de origem, de que não houve citação da Fazenda Nacional e, portanto, não houve observância do contraditório e da ampla defesa, é de natureza fática e, portanto, indevassável no âmbito do Recurso Especial (Súmula 7/STJ). Não bastasse isso, a própria ausência de impugnação das recorrentes a esse fundamento atrai, no ponto, a incidência da Súmula 283/STF.
21. Recurso Especial de que se conhece parcialmente para, nessa extensão, dar-lhe parcial provimento.
(REsp 1510725/ES, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/10/2016, DJe 28/10/2016)
Ementa
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973.
DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. REPETIÇÃO DE INDÉBITO.
CESSÃO DE CRÉDITO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA PROMOVIDA PELO CESSIONÁRIO.
POSSIBILIDADE. ANUÊNCIA DA FAZENDA PÚBLICA. DESNECESSIDADE. MATÉRIA JULGADA EM RECURSO REPETITIVO.
HISTÓRICO DA DEMANDA 1. A recorrente Rio Doce Café S/A Importadora e Exportadora ajuizou a Ação de Repetição de Indébito 98.0006293-9, na qual pleiteou e obteve a condenação da Fazenda Nacional à devolução dos valores pagos a título de cota de contribuição sobre a exportação de café, recolhidos nos termos do Decreto-Lei 2.295/1986.
Após o trânsito em julgado da decisão que lhe foi favorável, a empresa cedeu seus créditos à recorrente Cervejarias Kaiser Brasil S/A (operação essa comunicada à União por meio de Notificação Judicial).
2. Em sequência, a cessionária ingressou em juízo, nos autos da demanda acima referida, requerendo a alteração do polo ativo mediante inclusão de seu nome, e, nos termos do art. 730 do CPC, anexou a documentação que embasou o início da Execução de Sentença, estimada unilateralmente por ela em R$ 54.307.096,77 (cinquenta e quatro milhões, trezentos e sete mil e noventa e seis reais, e setenta e sete centavos - valor originário em 11.9.2003, cf. fl. 70, e-STJ).
3. O juízo de origem não seguiu a disciplina do art. 730 do CPC, segundo o qual a Fazenda Pública é citada para no prazo de trinta (30) dias opor Embargos à Execução. Pelo contrário, sem determinar a citação, apenas ordenou a intimação da União, fixando o singelo prazo de apenas três (3) dias para que ela se manifestasse sobre a petição e documentos apresentados pela Kaiser. Por dispor do exíguo prazo de três dias, o ente público limitou-se a opor resistência à cessão de crédito. No entanto, finalizou sua manifestação ressaltando que aguardaria o cumprimento do disposto no art. 730 do CPC, isto é, o direito "de ser citada na forma da lei processual" (fl. 117, e-STJ).
4. A partir do evento acima o feito tomou rumo inusitado, pois o juízo de primeiro grau, por decisão proferida em 18.9.2003, considerou a manifestação da União (a respeito da cessão de crédito e do ingresso na cessionária como exequente) insatisfatória e, por essa razão, deferiu a substituição processual (fls. 141-143, e-STJ).
No mesmo ato, ordenou a intimação do ente público para que, no prazo de 30 dias, "explicite de forma fundamentada e por escrito, o que ficou redigido as fls. 567 e 570 (...)".
5. Tal ato não foi cumprido, pois a Kaiser tomou ciência pessoal do decisum em 22.9.2003 (fl. 144, e-STJ) e, no dia seguinte, 23.9.2003, protocolou petição requerendo a desistência da Execução, em razão de ter optado pelo ressarcimento na via administrativa (fl. 147, e-STJ).
6. O órgão jurisdicional recebeu os autos conclusos e imediatamente (na mesma data, isto é, 23.9.2003) proferiu sentença homologatória - chamo atenção para esse fato - da desistência da execução quantificada em R$ 54.307.096,77 (fl. 149, e-STJ).
7. Relembro que em 18.9.2003 o órgão judicante ordenou a intimação da Fazenda Nacional, concedendo-lhe prazo de 30 dias para se manifestar. Não obstante, já em 23.9.2003 (apenas 5 dias depois da anterior decisão), sentenciou o feito à revelia da União. Além disso, a autoridade judicial não fundamentou com base em que critério considerou correto o valor vultoso da Execução, tendo em vista que, conforme acima explicitado, não foi estabelecido o contraditório entre as partes para definir o quantum debeatur.
8. Somente após tal evento (prolação da sentença que homologou a desistência da Execução), finalmente, o cartório judicial abriu vistas dos autos à recorrida, em 14.10.2003 (fl. 152, e-STJ).
9. Tal sucessão de eventos apenas explicita o acerto das importantíssimas premissas estabelecidas no acórdão recorrido, no sentido de que a Fazenda Nacional não foi citada para se defender e de que a intimação da decisão que admitiu a cessão e da sentença homologatória da extinção da execução se deu no mesmo ato processual. Merece transcrição o excerto abaixo (fl. 265, e-STJ): "O que se observa da análise dos documentos é que a autora teve ciência da decisão agravada no dia 22/09/2003 (fls. 129 verso) e, no dia seguinte (fls. 131/132), a cessionária já devidamente legitimada a ingressar no processo, requereu a desistência do feito, o que foi prontamente homologado no dia 23/09/2003. Em nenhum momento, a União foi intimada para se manifestar sobre a transação realizada, o que nitidamente cerceou o direito de defesa dos interesses públicos envolvidos. Cumpre lembrar que a União foi intimada da decisão agravada juntamente com a intimação da sentença proferida nos autos da ação ordinária nº 1998.50.01.006293-1, que homologou a desistência da KAISER do pólo ativo - a fim de postular seu direito à restituição na via adminsitrativa - sem que houvesse a intimação pessoal da presente decisão (fls. 133/verso). Vale salientar que a sentença homologatória indicou valores líquidos no montante de aproximadamente 54 milhões de reais quando, na realidade, não houve qualquer liquidação de valores, não tendo a União sequer sido citada na forma do art. 730 do CPC, a fim de concordar ou não com o quantum total da execução, havendo prejuízo a todo o regime constitucional de pagamento dos débitos fazendários pelo regime de precatórios. No caso presente, impunha-se o processamento do pedido de inclusão da cessionária no pólo ativo com a devida anuência da União Federal, à qual deveria ter sido concedida ampla argumentação. A regra inserta no supramencionado art. 567, inciso II, do CPC deve ser interpretado (sic) em consonância com o art. 42, § 1º, do CPC".
10. A Corte local acrescentou os seguintes fundamentos para anular a decisão interlocutória que deferiu a cessão dos créditos: a) não se aplicam as normas de Direito Privado, porque a relação existente entre a credora original (empresa Rio Doce) e a Fazenda Pública é regida pela legislação tributária, que não prevê a cessão de crédito; b) embora a cessão produza efeitos entre as empresas (cedente e cessionária), é ineficaz em relação à União, até porque o art. 123 do CTN nega validade às convenções particulares no que tange à responsabilidade pelo pagamento de tributos; c) a Certidão Negativa com efeitos de Positiva (art. 206 do CTN) apresentada pela cedente certifica a existência de débitos próprios, os quais, ainda que tenham a exigibilidade suspensa, impedem a cessão na sua integralidade, sob pena de impedir que a Fazenda Pública faça, previamente, a compensação entre os créditos e os débitos da empresa Rio Doce; d) em reforço argumentativo, o art. 74 da Lei 9.430/1996, com a redação da Lei 10.637/2002, obsta a compensação com créditos de terceiros, sendo inaplicável à cessão de créditos, que implica transferência da titularidade; e) o processamento do pedido de inclusão da cessionária somente poderia ocorrer com a anuência da União, pois o art. 567, II, do CPC deve ser interpretado conjuntamente com o art. 42, § 1º, do aludido diploma legislativo.
11. De acordo com as notas taquigráficas juntadas ao acórdão recorrido, é possível verificar que: a) contra a decisão interlocutória que admitiu a cessão de crédito e determinou a alteração no polo ativo (substituição da empresa Rio Doce pela empresa Kaiser), foi interposto pela Fazenda Nacional o Agravo de Instrumento 2003.02.01.016389-7; e b) contra a sentença que homologou a desistência da Execução, requerida pela Kaiser, foi interposta Apelação pelo ente público e determinou-se a remessa dos autos à Corte local, nos termos do art. 475 do CPC (Reexame Obrigatório) - autos 1998.50.01.006293-1.
12. Em conclusão, o órgão fracionário deu provimento ao Agravo interposto pela Fazenda Nacional (2003.02.01.016389-7), para anular a cessão de crédito e todos os atos posteriores praticados nos autos, restabelecendo a legitimidade da Rio Doce Café S/A Importadora e Exportadora no polo ativo da demanda. Justamente em razão da anulação dos atos posteriores (entre os quais se encontra a sentença homologatória da decisão), julgou prejudicada a Apelação e Reexame Necessário nos autos 1998.50.01.006293-1.
PRIMEIRO FUNDAMENTO: VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973 13. As recorrentes sustentam que o art. 535, II, do CPC/1973 foi violado, mas deixam de apontar, de forma clara, o vício em que teria incorrido o acórdão impugnado. Asseveram apenas ter oposto Embargos de Declaração no Tribunal a quo, sem indicar as matérias sobre as quais deveria pronunciar-se a instância ordinária, nem demonstrar a relevância delas para o julgamento do feito.
14. Não se conhece do Recurso Especial em relação à ofensa ao art.
535 do CPC quando a parte não aponta, de forma clara, o vício em que teria incorrido o acórdão impugnado. Aplicação, por analogia, da Súmula 284/STF.
SEGUNDO FUNDAMENTO: POSSIBILIDADE DA CESSÃO DE CRÉDITOS INDEPENDENTEMENTE DA ANUÊNCIA DA FAZENDA PÚBLICA 15. O Tribunal de origem concluiu que a empresa Kaiser não pode figurar no polo ativo da Execução de Sentença porque devem ser interpretados conjuntamente os arts. 567, II, e 42, § 1º, do CPC/1973, ou seja, a cessão de créditos somente seria válida com a anuência da Fazenda Pública (fl.
265, e-STJ).
16. Essa orientação não encontra respaldo na jurisprudência atual do STJ. Com efeito, no julgamento do REsp 1.119.558/SC, no rito do art.
543-C do CPC/1973 (recurso repetitivo), pacificou-se o entendimento de que: a) o indébito reconhecido em favor do contribuinte integra a sua esfera patrimonial, de modo que é possível a cessão por ato inter vivos, condicionada apenas à simples notificação, para fins de ciência, da parte devedora, nos termos da legislação civil; b) a regra do art. 123 do CTN versa exclusivamente sobre convenções particulares que pretendam alterar a definição do responsável tributário, sendo inaplicável à cessão de crédito (na qual, em realidade, inexiste modificação da sujeição tributária passiva, pois aqui o contribuinte é credor, e não devedor, do ente público).
17. Ademais, em relação à interpretação do art. 567, II, do CPC/1973, também em recurso repetitivo (REsp 1.091.443/SP) concluiu-se que a norma é especial em relação ao art. 42 do CPC/1973, de modo que prevalece sobre este último, o que significa dizer que o ingresso do cessionário independe da anuência do devedor.
18. Diante do entendimento do STJ, adaptado à situação dos autos, tem-se apenas que deve ser parcialmente reformado o acórdão recorrido (proferido no Agravo de Instrumento 2003.02.01.016389-7), para o fim de admitir a alteração no polo ativo da Execução de Sentença, excluindo-se a empresa Rio Doce Café S/A Importadora e Exportadora e incluindo-se a recorrente Cervejarias Kaiser Brasil S/A.
19. Restabelece-se parcialmente, em consequência, a validade dos atos praticados após a decisão interlocutória que havia admitido a cessão de crédito, especificamente da sentença que homologou a desistência da Execução, com a ressalva de que, nos termos da premissa fática estabelecida no acórdão recorrido, a homologação da desistência é válida estritamente como resultado da manifestação da vontade da empresa Kaiser de pleitear administrativamente o ressarcimento do crédito, mas com a restrição de que não houve discussão e definição judicial a respeito do quantum debeatur.
20. Registro que a premissa do Tribunal de origem, de que não houve citação da Fazenda Nacional e, portanto, não houve observância do contraditório e da ampla defesa, é de natureza fática e, portanto, indevassável no âmbito do Recurso Especial (Súmula 7/STJ). Não bastasse isso, a própria ausência de impugnação das recorrentes a esse fundamento atrai, no ponto, a incidência da Súmula 283/STF.
21. Recurso Especial de que se conhece parcialmente para, nessa extensão, dar-lhe parcial provimento.
(REsp 1510725/ES, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/10/2016, DJe 28/10/2016)Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior
Tribunal de Justiça: ""A Turma, por unanimidade, conheceu em parte
do recurso e, nessa parte, deu-lhe parcial provimento, nos termos do
voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."
Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Assusete
Magalhães (Presidente) e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Dr(a). VICENTE COELHO ARAÚJO, pela parte RECORRENTE: RIO DOCE CAFÉ
S/A IMPORTADORA E EXPORTADORA Dr(a). VICENTE COELHO ARAÚJO, pela
parte RECORRENTE: CERVEJARIAS KAISER BRASIL S/A"
Data do Julgamento
:
20/10/2016
Data da Publicação
:
DJe 28/10/2016
Órgão Julgador
:
T2 - SEGUNDA TURMA
Relator(a)
:
Ministro HERMAN BENJAMIN (1132)
Referência legislativa
:
LEG:FED SUM:****** ANO:********* SUM(STF) SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SUM:000284LEG:FED LEI:005172 ANO:1966***** CTN-66 CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL ART:00123LEG:FED LEI:005869 ANO:1973***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 ART:00042 ART:00567 INC:00002LEG:FED SUM:****** ANO:********* SUM(STJ) SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SUM:000007
Veja
:
(ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ART. 535/CPC - AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DOSARTIGOS E TESES OMITIDOS - FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE) STJ - AgRg no Ag 990431-SP, REsp 906058-SP(RESTITUIÇÃO DE VALOR RECOLHIDO PELO CONTRIBUINTE - CESSÃO DECRÉDITO - POSSIBILIDADE) STJ - REsp 1119558-SC (RECURSO REPETITIVO)(CESSÃO DE CRÉDITO - EXECUÇÃO DE PRECATÓRIO - SUCESSÃO PELOCESSIONÁRIO - ANUÊNCIA DO DEVEDOR - DESNECESSIDADE) STJ - REsp 1091443-SP (RECURSO REPETITIVO)
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