REsp 1555202 / SPRECURSO ESPECIAL2014/0345696-6
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CLÁUSULA CONTRATUAL.
RESILIÇÃO UNILATERAL. DENÚNCIA IMOTIVADA. VULTOSOS INVESTIMENTOS PARA REALIZAÇÃO A DA ATIVIDADE. DANO INJUSTO. BOA-FÉ OBJETIVA. FINS SOCIAL E ECONÔMICO. OFENSA AOS BONS COSTUMES. ART. 473, PARÁGRAFO ÚNICO DO CC/2002. PERDAS E DANOS DEVIDOS. LUCROS CESSANTES AFASTADOS.
1. É das mais importantes tendências da responsabilidade civil o deslocamento do fato ilícito, como ponto central, para cada vez mais se aproximar da reparação do dano injusto. Ainda que determinado ato tenha sido praticado no exercício de um direito reconhecido, haverá ilicitude se o fora em manifesto abuso, contrário à boa-fé, à finalidade social ou econômica do direito, ou, ainda, se praticado com ofensa aos bons costumes.
2. Tendo uma das partes agido em flagrante comportamento contraditório, ao exigir, por um lado, investimentos necessários à prestação dos serviços, condizentes com a envergadura da empresa que a outra parte representaria, e, por outro, após apenas 11 (onze) meses, sem qualquer justificativa juridicamente relevante, a rescisão unilateral do contrato, configura-se abalada a boa-fé objetiva, a reclamar a proteção do dano causado injustamente.
3. Se, na análise do caso concreto, percebe-se a inexistência de qualquer conduta desabonadora de uma das partes, seja na conclusão ou na execução do contrato, somada à legítima impressão de que a avença perduraria por tempo razoável, a resilição unilateral imotivada deve ser considerada comportamento contraditório e antijurídico, que se agrava pela recusa na concessão de prazo razoável para a reestruturação econômica da contratada.
4. A existência de cláusula contratual que prevê a possibilidade de rescisão desmotivada por qualquer dos contratantes não é capaz, por si só, de afastar e justificar o ilícito de se rescindir unilateralmente e imotivadamente um contrato que esteja sendo cumprindo a contento, com resultados acima dos esperados, alcançados pela contratada, principalmente quando a parte que não deseja a resilição realizou consideráveis investimentos para executar suas obrigações contratuais.
5. Efetivamente, a possibilidade de denúncia "por qualquer das partes" gera uma falsa simetria entre os contratantes, um sinalagma cuja distribuição obrigacional é apenas aparente. Para se verificar a equidade derivada da cláusula, na verdade, devem ser investigadas as consequências da rescisão desmotivada do contrato, e, assim, descortina-se a falácia de se afirmar que a resilição unilateral era garantia recíproca na avença.
6. O mandamento constante no parágrafo único do art. 473 do diploma material civil brasileiro se legitima e se justifica no princípio do equilíbrio econômico. Com efeito, deve-se considerar que, muito embora a celebração de um contrato seja, em regra, livre, o distrato é um ônus, que pode, por vezes, configurar abuso de direito.
7. Estando claro, nos autos, que o comportamento das recorridas, consistente na exigência de investimentos certos e determinados como condição para a realização da avença, somado ao excelente desempenho das obrigações pelas recorrentes, gerou legítima expectativa de que a cláusula contratual que permitia a qualquer dos contratantes a resilição imotivada do contrato, mediante denúncia, não seria acionada naquele momento, configurado está o abuso do direito e a necessidade de recomposição de perdas e danos, calculadas por perito habilitado para tanto. Lucros cessantes não devidos.
8. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1555202/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 13/12/2016, DJe 16/03/2017)
Ementa
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CLÁUSULA CONTRATUAL.
RESILIÇÃO UNILATERAL. DENÚNCIA IMOTIVADA. VULTOSOS INVESTIMENTOS PARA REALIZAÇÃO A DA ATIVIDADE. DANO INJUSTO. BOA-FÉ OBJETIVA. FINS SOCIAL E ECONÔMICO. OFENSA AOS BONS COSTUMES. ART. 473, PARÁGRAFO ÚNICO DO CC/2002. PERDAS E DANOS DEVIDOS. LUCROS CESSANTES AFASTADOS.
1. É das mais importantes tendências da responsabilidade civil o deslocamento do fato ilícito, como ponto central, para cada vez mais se aproximar da reparação do dano injusto. Ainda que determinado ato tenha sido praticado no exercício de um direito reconhecido, haverá ilicitude se o fora em manifesto abuso, contrário à boa-fé, à finalidade social ou econômica do direito, ou, ainda, se praticado com ofensa aos bons costumes.
2. Tendo uma das partes agido em flagrante comportamento contraditório, ao exigir, por um lado, investimentos necessários à prestação dos serviços, condizentes com a envergadura da empresa que a outra parte representaria, e, por outro, após apenas 11 (onze) meses, sem qualquer justificativa juridicamente relevante, a rescisão unilateral do contrato, configura-se abalada a boa-fé objetiva, a reclamar a proteção do dano causado injustamente.
3. Se, na análise do caso concreto, percebe-se a inexistência de qualquer conduta desabonadora de uma das partes, seja na conclusão ou na execução do contrato, somada à legítima impressão de que a avença perduraria por tempo razoável, a resilição unilateral imotivada deve ser considerada comportamento contraditório e antijurídico, que se agrava pela recusa na concessão de prazo razoável para a reestruturação econômica da contratada.
4. A existência de cláusula contratual que prevê a possibilidade de rescisão desmotivada por qualquer dos contratantes não é capaz, por si só, de afastar e justificar o ilícito de se rescindir unilateralmente e imotivadamente um contrato que esteja sendo cumprindo a contento, com resultados acima dos esperados, alcançados pela contratada, principalmente quando a parte que não deseja a resilição realizou consideráveis investimentos para executar suas obrigações contratuais.
5. Efetivamente, a possibilidade de denúncia "por qualquer das partes" gera uma falsa simetria entre os contratantes, um sinalagma cuja distribuição obrigacional é apenas aparente. Para se verificar a equidade derivada da cláusula, na verdade, devem ser investigadas as consequências da rescisão desmotivada do contrato, e, assim, descortina-se a falácia de se afirmar que a resilição unilateral era garantia recíproca na avença.
6. O mandamento constante no parágrafo único do art. 473 do diploma material civil brasileiro se legitima e se justifica no princípio do equilíbrio econômico. Com efeito, deve-se considerar que, muito embora a celebração de um contrato seja, em regra, livre, o distrato é um ônus, que pode, por vezes, configurar abuso de direito.
7. Estando claro, nos autos, que o comportamento das recorridas, consistente na exigência de investimentos certos e determinados como condição para a realização da avença, somado ao excelente desempenho das obrigações pelas recorrentes, gerou legítima expectativa de que a cláusula contratual que permitia a qualquer dos contratantes a resilição imotivada do contrato, mediante denúncia, não seria acionada naquele momento, configurado está o abuso do direito e a necessidade de recomposição de perdas e danos, calculadas por perito habilitado para tanto. Lucros cessantes não devidos.
8. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1555202/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 13/12/2016, DJe 16/03/2017)Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta
Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos
votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, dar parcial
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Antonio Carlos Ferreira
(Presidente) e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti.
Dr(a). ROGÉRIO LAURIA MARÇAL TUCCI, pela parte RECORRENTE: MARCAL &
FONSECA, ASSESSORIA EM COBRANCAS LTDA - ME E OUTRO Dr(a). ALDE DA
COSTA SANTOS JUNIOR, pela parte RECORRIDA: BANCO SANTANDER BRASIL
S/A E OUTROS
Data do Julgamento
:
13/12/2016
Data da Publicação
:
DJe 16/03/2017
Órgão Julgador
:
T4 - QUARTA TURMA
Relator(a)
:
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO (1140)
Referência legislativa
:
LEG:FED LEI:010406 ANO:2002***** CC-02 CÓDIGO CIVIL DE 2002 ART:00473 PAR:ÚNICO
Veja
:
(RESILIÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO - RESSARCIMENTO DOS DANOSPROVOCADOS) STJ - REsp 972436-BA, REsp 575080-CE, REsp 966163-RS, REsp 534105-MT, REsp 1021113-RJ
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