REsp 1569171 / SPRECURSO ESPECIAL2014/0106791-6
PENAL E PROCESSUAL. CRIME CONTRA O MERCADO DE CAPITAIS. ART. 27-D DA LEI N. 6.385/1976. USO INDEVIDO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA - INSIDER TRADING. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA. NÃO ACOLHIMENTO.
DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. AUMENTO. CULPABILIDADE EXACERBADA.
FUNDAMENTO IDÔNEO. PENA DE MULTA. APLICAÇÃO CORRETA. DANOS MORAIS.
NÃO CABIMENTO. CRIME COMETIDO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI N.
11.719/2008. IRRETROATIVIDADE.
1. Não mais subsistem a utilidade e o interesse recursais em relação ao segundo recorrente, em face da superveniência da prescrição da pretensão punitiva, nos termos do art. 109, V, c/c o art. 110, § 1º, ambos do Código Penal.
2. Quanto ao recurso do primeiro recorrente, cinge-se a controvérsia à análise da qualificação jurídica dada aos fatos delineados pelas instâncias ordinárias, notadamente se a conduta praticada pelo agente se subsume ao tipo previsto no art. 27-D da Lei n.
6.385/1976, e ao exame da dosimetria da pena, não sendo o caso de incidência da Súmula 7 do STJ.
3. A responsabilidade penal pelo uso indevido de informação privilegiada, ou seja, o chamado Insider Trading - expressão originária do ordenamento jurídico norte-americano - ocorreu com o advento da Lei n. 10.303/2001, que acrescentou o artigo 27-D à Lei n. 6.385/76, não existindo, ainda, no Brasil, um posicionamento jurisprudencial pacífico acerca da conduta descrita no aludido dispositivo, tampouco consenso doutrinário a respeito do tema.
4. A teor do disposto nos arts. 3º e 6º da Instrução Normativa n.
358/2002 da Comissão de Valores Mobiliários e no art. 157, § 4º, da Lei n. 6.404/1976, quando o insider detiver informações relevantes sobre sua companhia deverá comunicá-las ao mercado de capitais tão logo seja possível, ou, no caso em que não puder fazê-lo, por entender que sua revelação colocará em risco interesses da empresa, deverá abster-se de negociar com os valores mobiliários referentes às informações privilegiadas, enquanto não forem divulgadas.
5. Com efeito, para a configuração do crime em questão, as "informações" apenas terão relevância para esfera penal se a sua utilização ocorrer antes de serem divulgadas no mercado de capitais.
A legislação penal brasileira, entretanto, não explicitou o que venha a ser informação economicamente relevante, fazendo com que o intérprete recorra a outras leis ou atos normativos para saber o alcance da norma incriminadora.
6. Em termos gerais, os arts. 155, § 1º, da Lei n. 6.404/1976 e 2º da Instrução n. 358/2002 da CVM definem o que vem a ser informação relevante, assim como a doutrina pátria, que leciona ser idônea qualquer informação capaz de "influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado", gerando "apetência pela compra ou venda de ativos", de modo a "influenciar a evolução da cotação" (CASTELLAR, João Carlos. Insider Trading e os novos crimes corporativos, Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2008, p.
112/113).
7. No caso concreto, não há controvérsia quanto às datas em que as operações ocorreram e nem quanto ao fato de que o acusado participou das discussões e tratativas visando à elaboração da oferta pública de aquisição de ações da Perdigão S.A, obtendo, no ano de 2006, informações confidenciais de sua companhia - Sadia S.A. - as quais, no exercício de sua profissão, tinha o dever de manter em sigilo.
8. Ainda que a informação em comento se refira a operações, na época, em negociação, ou seja, não concluídas, os estudos de viabilidade de aquisição das ações da Perdição já se encontravam em estágio avançado, conforme decisão proferida no procedimento administrativo realizado na CVM, destacada no acórdão recorrido.
9. Diante do quadro delineado na origem, constata-se que a conduta do recorrente se subsume à norma prevista no art. 27-D da Lei n.
6.385/76, que foi editada justamente para assegurar a todos os investidores o direito à equidade da informação, condição inerente à garantia de confiabilidade do mercado de capitais, sem a qual ele perde a sua essência, notadamente a de atrair recursos para as grandes companhias.
10. Quanto à dosimetria da pena, não prospera a aventada contrariedade ao art. 617 do Código de Processo Penal, que trata da proibição de alterar ou agregar novos fundamentos para justificar o agravamento da pena quando somente a defesa houver recorrido, não se aplicando nas hipóteses em que o Ministério Público também recorre com o objetivo de aumentar a reprimenda, sob o argumento de que a sanção final não se revelou suficiente à reprovação e à prevenção do crime.
11. O cargo exercido pelo recorrente na época dos fatos - Diretor de Finanças e Relações com Investidores da Sadia S.A. - constitui fundamento idôneo para justificar o aumento da pena-base, "diante da sua posição de destaque na empresa e de liderança no processo de tentativa de aquisição da Perdigão", conforme destacou o acórdão recorrido.
12. Pena de multa aplicada de forma fundamentada, em R$ 349.711,53 (trezentos e quarenta e nove mil, setecentos e onze reais e cinqüenta e três centavos), nos termos dos arts. 27-D e 27-F da Lei n. 6.385/1976 e do art. 71 do Código Penal, com o objetivo de desestimular a conduta ilícita e resguardar a confiança do mercado mobiliário.
13. A despeito de a redação do art. 387, IV, do Código de Processo Penal, conferida pela Lei n. 11.719/2008, estabelecer que o juiz, ao proferir sentença condenatória, "fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido", a referida norma, por possuir caráter processual e penal, não pode ser aplicada à espécie, em face do preceito constitucional previsto no art. 5º, XL, da CF/88, que veda a retroatividade da lei penal in pejus.
14. Recurso especial do segundo recorrente prejudicado, em razão do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva; recurso especial do primeiro recorrente parcialmente provido para afastar da condenação a imposição de valor mínimo para a reparação a título de danos morais coletivos.
(REsp 1569171/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 16/02/2016, DJe 25/02/2016)
Ementa
PENAL E PROCESSUAL. CRIME CONTRA O MERCADO DE CAPITAIS. ART. 27-D DA LEI N. 6.385/1976. USO INDEVIDO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA - INSIDER TRADING. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA. NÃO ACOLHIMENTO.
DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. AUMENTO. CULPABILIDADE EXACERBADA.
FUNDAMENTO IDÔNEO. PENA DE MULTA. APLICAÇÃO CORRETA. DANOS MORAIS.
NÃO CABIMENTO. CRIME COMETIDO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI N.
11.719/2008. IRRETROATIVIDADE.
1. Não mais subsistem a utilidade e o interesse recursais em relação ao segundo recorrente, em face da superveniência da prescrição da pretensão punitiva, nos termos do art. 109, V, c/c o art. 110, § 1º, ambos do Código Penal.
2. Quanto ao recurso do primeiro recorrente, cinge-se a controvérsia à análise da qualificação jurídica dada aos fatos delineados pelas instâncias ordinárias, notadamente se a conduta praticada pelo agente se subsume ao tipo previsto no art. 27-D da Lei n.
6.385/1976, e ao exame da dosimetria da pena, não sendo o caso de incidência da Súmula 7 do STJ.
3. A responsabilidade penal pelo uso indevido de informação privilegiada, ou seja, o chamado Insider Trading - expressão originária do ordenamento jurídico norte-americano - ocorreu com o advento da Lei n. 10.303/2001, que acrescentou o artigo 27-D à Lei n. 6.385/76, não existindo, ainda, no Brasil, um posicionamento jurisprudencial pacífico acerca da conduta descrita no aludido dispositivo, tampouco consenso doutrinário a respeito do tema.
4. A teor do disposto nos arts. 3º e 6º da Instrução Normativa n.
358/2002 da Comissão de Valores Mobiliários e no art. 157, § 4º, da Lei n. 6.404/1976, quando o insider detiver informações relevantes sobre sua companhia deverá comunicá-las ao mercado de capitais tão logo seja possível, ou, no caso em que não puder fazê-lo, por entender que sua revelação colocará em risco interesses da empresa, deverá abster-se de negociar com os valores mobiliários referentes às informações privilegiadas, enquanto não forem divulgadas.
5. Com efeito, para a configuração do crime em questão, as "informações" apenas terão relevância para esfera penal se a sua utilização ocorrer antes de serem divulgadas no mercado de capitais.
A legislação penal brasileira, entretanto, não explicitou o que venha a ser informação economicamente relevante, fazendo com que o intérprete recorra a outras leis ou atos normativos para saber o alcance da norma incriminadora.
6. Em termos gerais, os arts. 155, § 1º, da Lei n. 6.404/1976 e 2º da Instrução n. 358/2002 da CVM definem o que vem a ser informação relevante, assim como a doutrina pátria, que leciona ser idônea qualquer informação capaz de "influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado", gerando "apetência pela compra ou venda de ativos", de modo a "influenciar a evolução da cotação" (CASTELLAR, João Carlos. Insider Trading e os novos crimes corporativos, Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2008, p.
112/113).
7. No caso concreto, não há controvérsia quanto às datas em que as operações ocorreram e nem quanto ao fato de que o acusado participou das discussões e tratativas visando à elaboração da oferta pública de aquisição de ações da Perdigão S.A, obtendo, no ano de 2006, informações confidenciais de sua companhia - Sadia S.A. - as quais, no exercício de sua profissão, tinha o dever de manter em sigilo.
8. Ainda que a informação em comento se refira a operações, na época, em negociação, ou seja, não concluídas, os estudos de viabilidade de aquisição das ações da Perdição já se encontravam em estágio avançado, conforme decisão proferida no procedimento administrativo realizado na CVM, destacada no acórdão recorrido.
9. Diante do quadro delineado na origem, constata-se que a conduta do recorrente se subsume à norma prevista no art. 27-D da Lei n.
6.385/76, que foi editada justamente para assegurar a todos os investidores o direito à equidade da informação, condição inerente à garantia de confiabilidade do mercado de capitais, sem a qual ele perde a sua essência, notadamente a de atrair recursos para as grandes companhias.
10. Quanto à dosimetria da pena, não prospera a aventada contrariedade ao art. 617 do Código de Processo Penal, que trata da proibição de alterar ou agregar novos fundamentos para justificar o agravamento da pena quando somente a defesa houver recorrido, não se aplicando nas hipóteses em que o Ministério Público também recorre com o objetivo de aumentar a reprimenda, sob o argumento de que a sanção final não se revelou suficiente à reprovação e à prevenção do crime.
11. O cargo exercido pelo recorrente na época dos fatos - Diretor de Finanças e Relações com Investidores da Sadia S.A. - constitui fundamento idôneo para justificar o aumento da pena-base, "diante da sua posição de destaque na empresa e de liderança no processo de tentativa de aquisição da Perdigão", conforme destacou o acórdão recorrido.
12. Pena de multa aplicada de forma fundamentada, em R$ 349.711,53 (trezentos e quarenta e nove mil, setecentos e onze reais e cinqüenta e três centavos), nos termos dos arts. 27-D e 27-F da Lei n. 6.385/1976 e do art. 71 do Código Penal, com o objetivo de desestimular a conduta ilícita e resguardar a confiança do mercado mobiliário.
13. A despeito de a redação do art. 387, IV, do Código de Processo Penal, conferida pela Lei n. 11.719/2008, estabelecer que o juiz, ao proferir sentença condenatória, "fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido", a referida norma, por possuir caráter processual e penal, não pode ser aplicada à espécie, em face do preceito constitucional previsto no art. 5º, XL, da CF/88, que veda a retroatividade da lei penal in pejus.
14. Recurso especial do segundo recorrente prejudicado, em razão do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva; recurso especial do primeiro recorrente parcialmente provido para afastar da condenação a imposição de valor mínimo para a reparação a título de danos morais coletivos.
(REsp 1569171/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 16/02/2016, DJe 25/02/2016)Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal
de Justiça, prosseguindo no julgamento, por unanimidade, julgar
prejudicado o recurso interposto por Romano Ancelmo Fontana Filho e
conhecer do recurso de Luiz Gonzaga Murat Júnior e lhe dar parcial
provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs.
Ministros Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas, Felix Fischer
e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Data do Julgamento
:
16/02/2016
Data da Publicação
:
DJe 25/02/2016RT vol. 967 p. 477
Órgão Julgador
:
T5 - QUINTA TURMA
Relator(a)
:
Ministro GURGEL DE FARIA (1160)
Informações adicionais
:
"[...] 'para a caracterização do delito, o agente deve utilizar
a informação privilegiada, negociando, em seu nome ou no de
terceiros, com valores mobiliários, sendo que esta informação de que
se vale o insider deve ser relevante e capaz de propiciar vantagem
indevida, para si ou para outrem. Desde logo se anteveem dois
elementos normativos do tipo; a relevância da informação e a
posterior negociação com valores mobiliários'".
"[...] pode-se dizer que informação relevante é aquela que: 'a)
não foi tornada pública; b) é capaz de influir de modo ponderável na
cotação de títulos ou valores mobiliários (price sensitive); c) seja
precisa ou concreta [...]. A informação tanto pode dizer respeito
aos títulos, à companhia emissora especificamente ou a um
determinado seguimento econômico [...]".
"[...] tendo o Parquet se insurgido contra o critério de
cálculo utilizado pelo Juiz sentenciante, na primeira fase da
dosimetria, não há nenhum obstáculo ao agravamento da sanção
imposta. A uma, porque os motivos adotados pelo magistrado a quo não
vincula o Juízo ad quem, a duas, o papel de liderança do recorrente
em todo o processo de tentativa de aquisição da Perdigão e o seu
dever de lealdade, em razão do cargo que ocupava, foram invocados na
sentença, ao se referir à culpabilidade elevada do acusado".
"A Lei sobre o mercado de valores mobiliários tem regra
especial em relação à fixação e o destino da multa. O art. 27-D da
Lei n. 6.385/1976 estabelece que a pena de multa será 'de até 3
(três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do
crime'. O art. 27-F da mesma Lei, por sua vez, dispõe que 'as multas
cominadas para os crimes previstos nos arts. 27-C e 27-D deverão ser
aplicadas em razão do dano provocado ou da vantagem ilícita auferida
pelo agente'.
Como se vê, o legislador atrelou o cálculo da pena de multa ao
dano provocado ou à eventual vantagem obtida pelo agente, não
adotando, por conseguinte, o sistema de cominação de multa prevista
pelo Código Penal (art. 49 e seguintes do CP), sendo certo, contudo,
que a sua cominação deve obedecer ao princípio da
proporcionalidade".
Referência legislativa
:
LEG:FED DEL:002848 ANO:1940***** CP-40 CÓDIGO PENAL ART:00049 ART:00071 ART:00109 INC:00005 ART:00110 PAR:00001LEG:FED SUM:*********** SUM(STF) SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SUM:000497LEG:FED LEI:006385 ANO:1976 ART:0027D ART:0027F(COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 10.303/2001)LEG:FED SUM:*********** SUM(STJ) SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SUM:000007LEG:FED LEI:010303 ANO:2001LEG:FED INT:000358 ANO:2002 ART:00002 ART:00003 ART:00006 PAR:UNICO(COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS - CVM)LEG:FED LEI:006404 ANO:1976***** LSA-76 LEI DAS SOCIEDADES POR AÇÕES ART:00155 PAR:00001 ART:00157 PAR:00004LEG:FED DEL:003689 ANO:1941***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ART:00387 INC:00004(COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.719/2008)LEG:FED LEI:011719 ANO:2008LEG:FED CFB:****** ANO:1988***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ART:00005 INC:00040
Veja
:
(PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA - ACÓRDÃO QUE JULGA APELAÇÃO -MARCO INTERRUPTIVO) STJ - AgRg no AREsp 205213-MG, AgRg nos EREsp 1043207-SP, AgRg no RE nos EDcl no AgRg no Ag 1276131-PA(RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - AGRAVAMENTO DA PENA - ACRÉSCIMO DEFUNDAMENTOS PELO TRIBUNAL - NÃO OCORRÊNCIA DA REFORMATIO IN PEJUS) STJ - HC 177808-TO, AgRg no REsp 1266220-SP(AUMENTO DA PENA BASE - FUNDAMENTAÇÃO NO CARGO EXERCIDO PELO RÉU) STJ - HC 318572-SP, REsp 1352043-SP(REPARAÇÃO DOS DANOS - NORMA DE CARÁTER PROCESSUAL E PENAL -IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL IN PEJUS) STJ - AgRg no REsp 1405478-PR, HC 318943-RJ, AgRg no REsp 1254742-RS
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