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Jurisprudência


REsp 1569422 / RJRECURSO ESPECIAL2015/0177694-9

Ementa
RECURSO ESPECIAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA VEICULADA EM DOCUMENTO APARTADO DO INSTRUMENTO CONTRATUAL SUBJACENTE (MEIO EPISTOLAR). APOSIÇÃO DE ASSINATURA NO DOCUMENTO. DESNECESSIDADE. ANUÊNCIA INEQUÍVOCA SOBRE A CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM. RECONHECIMENTO. DISPOSIÇÃO CONTRATUAL QUE DELEGA A TERCEIRO A SOLUÇÃO DE ESPECÍFICA CONTROVÉRSIA (VALOR DA PARTICIPAÇÃO ACIONÁRIA A SER ADQUIRIDA), CUJA DECISÃO SERIA FINAL, DEFINITIVA E ACATADA PELAS PARTES. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA, AINDA QUE VAZIA, APTA A SUBTRAIR DO PODER JUDICIÁRIO O JULGAMENTO DA QUESTÃO. EFEITO NEGATIVO. OBSERVÂNCIA. PRETENSÃO ACERCA DO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO ASSUMIDA. RESISTÊNCIA DA PARTE DEMANDADA. INEXISTÊNCIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. NECESSIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Sob o aspecto formal, a única exigência tecida pela lei de regência para o estabelecimento da convenção de arbitragem, por meio de cláusula compromissória - em não se tratando de contrato de adesão -, é que esta se dê por escrito, seja no bojo do próprio instrumento contratual, seja em documento apartado. O art. 4º da Lei n. 9.307/96 não especifica qual seria este documento idôneo a veicular a convenção de arbitragem, não se afigurando possível ao intérprete restringir o meio eleito pelas partes, inclusive, v.g., o meio epistolar. Evidenciada a natureza contratual da cláusula compromissória (autônoma em relação ao contrato subjacente), afigura-se indispensável que as partes contratantes, com ela, consintam. 1.1 De se destacar que a manifestação de vontade das partes contratantes, destinada especificamente a anuir com a convenção de arbitragem, pode se dar, de igual modo, de inúmeras formas, e não apenas por meio da aposição das assinaturas das partes no documento em que inserta. Absolutamente possível, por conseguinte, a partir do contexto das negociações entabuladas entre as partes, aferir se elas, efetivamente, assentiram com a convenção de arbitragem. 2. Por meio da cláusula compromissória, as partes signatárias ajustam convenção de arbitragem para solver eventuais conflitos de interesses, determinados ou não, advindos de uma relação contratual subjacente, cuja decisão a ser prolatada assume eficácia de sentença judicial. Desse modo, com esteio no princípio da autonomia da vontade, os contratantes elegem um terceiro - o árbitro, que pode ser qualquer pessoa que detenha, naturalmente, a confiança das partes -, para dirimir, em definitivo, a controvérsia a ele submetida. Como método alternativo de solução de litígios, o estabelecimento da convenção de arbitragem produz, de imediato, dois efeitos bem definidos. O primeiro, positivo, consiste na submissão das partes à via arbitral, para solver eventuais controvérsias advindas da relação contratual subjacente (em se tratando de cláusula compromissória). O segundo, negativo, refere-se à subtração do Poder Judiciário em conhecer do conflito de interesses que as partes tenham reservado ao julgamento dos árbitros. 2.1 Afigura-se absolutamente possível que as partes, por anteverem futuras e pontuais divergências ao longo da consecução do objeto contratual, ou por conveniência / necessidade em não se fixar, de imediato, todos os elementos negociais, ajustem, no próprio contrato, a delegação da solução de tais conflitos a um terceiro ou a um comitê criado para tal escopo e, também com esteio no princípio da autonomia de vontades, disponham sobre o caráter de tal decisão, se meramente consultiva; se destinada a resolver a contenda imediatamente, sem prejuízo de a questão ser levada posteriormente à arbitragem ou à Justiça Pública, ou se vinculativa e definitiva, disposição contratual que, em qualquer circunstância - ressalvado, por óbvio, se existente algum vício de consentimento, - deve ser detidamente observada. 2.2 Será, portanto, a partir da natureza conferida pelas partes à decisão do terceiro ou do comitê criado para o escopo de dirimir determinada controvérsia, respeitada a autonomia dos contratantes, é que se poderá inferir se se está, ou não, diante de um método alternativo de heterocomposição de conflitos de interesses. 2.3 No caso, para a específica divergência quanto aos valores das ações a serem adquiridas, as partes avençaram que a correlata decisão do terceiro / árbitro seria final, definitiva e aceita pelas partes, o que encerra, inarredavelmente, convenção de arbitragem, ainda que vazia, a merecer, necessariamente, o respaldo do Poder Judiciário. Para tal propósito, é irrelevante o termo utilizado na avença ("avaliador", "arbitrador", etc). 3. As demandadas reconhecem, sem qualquer ressalva, a obrigação de adquirir a participação acionária, assumida por ocasião do acordo de unificação das companhias de navegação, nos moldes dispostos na Primeira Carta a ele anexada, não se eximindo, é certo, de seu cumprimento. Pugnam, tão-somente, que se observe a integralidade das disposições insertas na aludida correspondência, notadamente em relação ao valor das ações a serem adquiridas, no que reside propriamente a controvérsia, cuja solução, como visto, foi atribuída à arbitragem, de modo definitivo e irrevogável, de modo a subtrair do Poder Judiciário o julgamento da questão. Ressai evidenciado, no ponto, a própria ausência do interesse de agir. 3.1 A jurisdição estatal, caso haja resistência de qualquer das partes em implementar a arbitragem convencionada - o que, por ora, apenas se pode atribuir ao próprio demandante - poderá, como visto, ser acionada para o exclusivo propósito de efetivar a instauração da arbitragem, a quem caberá solver a controvérsia reservada pelas partes, conforme dispõe o art. 7º da Lei n. 9.307/96. 4. Recurso especial provido, para extinguir o processo sem julgamento de mérito. (REsp 1569422/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/04/2016, DJe 20/05/2016)
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Vencidos os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e João Otávio de Noronha (Presidente). Votaram com o Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Moura Ribeiro.

Data do Julgamento : 26/04/2016
Data da Publicação : DJe 20/05/2016
Órgão Julgador : T3 - TERCEIRA TURMA
Relator(a) : Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE (1150)
Informações adicionais : (VOTO VENCIDO) (MIN. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA) "[...] a relação litigiosa que se estabeleceu entre as partes é muito mais complexa do que a simples recusa do valor eventualmente obtido por tais avaliadores, se tivessem sido nomeados e efetivado seu mister, conforme estabelecido na cláusula inserta na primeira carta-compromisso. Dessa circunstância sobressai não só a nítida presença de interesse processual do autor da demanda, como também a conclusão de que a lide em comento desborda da mera discordância de eventual decisão dos avaliadores, denotando que a cláusula em apreço jamais teria o alcance de subtrair do Poder Judiciário o litígio que se estabeleceu entre as partes". "[...] não há efetivamente nenhuma margem para falar em qualquer cláusula arbitral. Aliás, sequer seria necessário o exame de toda a documentação carreada aos volumosos autos do processo para concluir que não se trata de convenção de arbitragem, porquanto, da simples leitura da cláusula inserta na carta em foco, constata-se que carece dos requisitos mais elementares para a sua constituição. De início, o fato de não conter a assinatura de ambas as partes impede que se conclua, de forma indene de dúvidas, que houve concordância com quaisquer de suas disposições. Além disso, a referida cláusula remete à nomeação de avaliadores, profissionais que, por definição, são responsáveis simplesmente por realizar o cálculo do valor de um bem, e não de se substituir à vontade das partes dirimindo conflitos. Logo, não há elementos mínimos para concluir que o recorrido tenha, mediante manifestação de vontade, ainda que ulterior e em apartado, expressamente demonstrando a sua intenção de abrir mão da jurisdição estatal e submeter esse ou qualquer outro atrito relacionado às relações jurídicas que envolvem as partes a um órgão arbitral". "[...] a menção feita no instrumento à indicação de avaliadores não passou de uma cláusula de arbitramento ou de peritagem, que, como cediço, por não se confundir com a cláusula de arbitragem, não tem sua revisão excluída da esfera judicial".
Referência legislativa : LEG:FED LEI:009307 ANO:1996***** LA-96 LEI DE ARBITRAGEM ART:00004 PAR:00001 ART:00005 ART:00006 ART:00007 ART:00008
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