REsp 1599405 / SPRECURSO ESPECIAL2016/0038008-9
RECURSO ESPECIAL E RECURSO ADESIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS ADVINDOS DA MORTE, POR INSUFICIÊNCIA RENAL, DE PESSOA QUE, POR PRESCRIÇÃO MÉDICA, INGERIU ANTI-INFLAMATÓRIO (VIOXX), CUJA BULA ADVERTE EXPRESSAMENTE, COMO POSSÍVEIS REAÇÕES ADVERSAS, A OCORRÊNCIA DE DOENÇAS RENAIS GRAVES. 1. FUNDAMENTO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR PELO FATO DO PRODUTO.
INOBSERVÂNCIA DO DEVER DE SEGURANÇA, A PARTIR DA FABRICAÇÃO E INSERÇÃO NO MERCADO DE PRODUTO DEFEITUOSO. 2. DEFEITO DE CONCEPÇÃO OU DE INFORMAÇÃO. NÃO VERIFICAÇÃO. 3. PRODUTO DE PERICULOSIDADE INERENTE, CUJOS RISCOS, COMUNS A TODOS OS MEDICAMENTOS DO GÊNERO, ERAM PREVISÍVEIS E FORAM DEVIDAMENTE INFORMADOS AOS CONSUMIDORES. 4.
REGRAS PROCESSUAIS DE VALORAÇÃO DA PROVA. INOBSERVÂNCIA.
VERIFICAÇÃO. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O Código de Defesa do Consumidor acolheu a teoria do risco do empreendimento (ou da atividade) segundo a qual o fornecedor responde objetivamente por todos os danos causados ao consumidor pelo produto ou serviço que se revele defeituoso (ou com a pecha de defeituoso, em que o fornecedor não se desonera do ônus de comprovar que seu produto não ostenta o defeito a ele imputado), na medida em que a atividade econômica é desenvolvida, precipuamente, em seu benefício, devendo, pois, arcar com os riscos "de consumo" dela advindos. Há que se bem delimitar, contudo, o fundamento desta responsabilidade, que, é certo, não é integral, pois pressupõe requisitos próprios (especialmente, o defeito do produto como causador do dano experimentado pelo consumidor) e comporta excludentes. O fornecedor, assim, não responde objetivamente pelo fato do produto simplesmente porque desenvolve uma atividade perigosa ou produz um bem de periculosidade inerente, mas sim, concretamente, caso venha a infringir o dever jurídico de segurança (adentrando no campo da ilicitude), o que se dá com a fabricação e a inserção no mercado de um produto defeituoso (de concepção técnica, de fabricação ou de informação), de modo a frustrar a legítima expectativa dos consumidores. 2. Para a responsabilização do fornecedor por acidente do produto não basta ficar evidenciado que os danos foram causados pelo medicamento Vioxx (circunstância, ressalta-se, infirmada pela prova técnica, que imputou o evento morte à doença auto-imune que acometeu o paciente, mas admitida pelos depoimentos dos médicos, baseados em indícios), tal como compreendeu o Tribunal de origem. Mais que isso.
O defeito do produto deve apresentar-se, concretamente, como o causador do dano experimentado pelo consumidor, fator que se revelou ausente a partir das provas coligidas nos autos (reproduzidas e/ou indicadas no acórdão recorrido), a esvaziar, por completo, a responsabilidade do fornecedor. 3. Restou incontroverso da prova haurida dos autos (seja a partir do laudo pericial que excluiu peremptoriamente o nexo causal entre o uso do medicamento e a morte do paciente, seja do depoimento médico transcrito que embasou o decreto condenatório) que todo anti-inflamatório, como o é o medicamento Vioxx, possui, como reação adversa, a possibilidade de desenvolver doenças renais graves (circunstância, no caso dos autos, devidamente informada na bula do medicamento, com advertência ao consumidor deste risco). 3.1 Em se tratando de produto de periculosidade inerente, cujos riscos são normais à sua natureza (medicamento com contra-indicações) e previsíveis (na medida em que o consumidor é deles expressamente advertido), eventual dano por ele causado ao consumidor não enseja a responsabilização do fornecedor, pois, de produto defeituoso, não se cuida. 3.2 O descumprimento do dever de segurança, que se dá com a fabricação e inserção no mercado de produto defeituoso, a ser devidamente investigado, deve pautar-se na concepção coletiva da sociedade de consumo, e não na concepção individual do consumidor-vítima, especialmente no caso de vir este a apresentar uma condição especial (doença auto-imune, desencadeadora da patologia desenvolvida pelo paciente, segundo prova técnica produzida e não infirmada pelo depoimento médico que embasou o decreto condenatório).
3.3 Tampouco o fato de o medicamento ter sido retirado voluntariamente do mercado pelo laboratório fornecedor, ocasião em que contava com a plena autorização dos órgãos de controle (Anvisa), pode caracterizar, por si, o alegado defeito do produto, ou como entendeu o Tribunal de origem, um indicativo revestido de verossimilhança, se a sua retirada não guarda nenhuma relação com os fatos descritos na exordial.
4. De acordo com as regras processuais de valoração da prova, inexiste graduação entre os meios probatórios admitidos. Mesmo nos casos em que a realização de prova técnica se afigure indispensável à solução da controvérsia - como se dá, indiscutivelmente, no caso dos autos -, o Magistrado não se encontra vinculado às suas conclusões, podendo delas se apartar, desde que o faça fundamentadamente, valendo-se de outras provas acostadas aos autos que as infirmem de modo convincente e integral. 4.1 A prova técnica, de inequívoca relevância para o desate da presente controvérsia, entre outros esclarecimentos, tinha por propósito inferir o estabelecimento de liame entre a doença renal desenvolvida pelo paciente, com a consequente morte, e a ingestão do anti-inflamatório Vioxx. Destinava-se, portanto, a demonstrar a própria procedência da imputação feita pelos autores de que os danos suportados seriam advindos do produto alegadamente defeituoso, de responsabilidade do laboratório demandado. O laudo pericial, após análise de todos os exames, em especial as biópsias renais, realizados pelo paciente, concluiu por excluir, perempetoriamente, a relação de causalidade entre a morte do paciente e a ingestão do medicamento, atribuindo-a à doença auto-imune de que foi acometido (Glomerulonefrite Rapidamente Progressiva). 4.2 Das provas indicadas e transcritas no acórdão recorrido que embasaram o decreto condenatório, não se antevê, de seus termos, vulneração mínima do que foi concluído pelo laudo pericial. O diagnóstico/relatório primevo não tece nenhuma consideração quanto à apontada doença auto-imune, como causadora dos problemas renais suportados pelo paciente. No depoimento do médico, que teve acesso aos exames mencionados, por sua vez, há diversas passagens em que confirma a ocorrência de componente imunológico.
4.3. Nesse contexto, ainda que seja dado ao Magistrado não comungar com a conclusão da prova técnica, tem-se, no caso dos autos, que as provas apontadas na fundamentação para subsidiar conclusão diversa, não infirmam aquela, de modo convincente e integral, como seria de rigor. Ao contrário, em certa medida, como visto, a confirma, o que afronta o sistema processual de valoração das provas, na esteira dos arts. 436 e 131 do CPC/1973.
5. Recurso Especial provido e recurso especial adesivo prejudicado.
(REsp 1599405/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/04/2017, DJe 17/04/2017)
Ementa
RECURSO ESPECIAL E RECURSO ADESIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS ADVINDOS DA MORTE, POR INSUFICIÊNCIA RENAL, DE PESSOA QUE, POR PRESCRIÇÃO MÉDICA, INGERIU ANTI-INFLAMATÓRIO (VIOXX), CUJA BULA ADVERTE EXPRESSAMENTE, COMO POSSÍVEIS REAÇÕES ADVERSAS, A OCORRÊNCIA DE DOENÇAS RENAIS GRAVES. 1. FUNDAMENTO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR PELO FATO DO PRODUTO.
INOBSERVÂNCIA DO DEVER DE SEGURANÇA, A PARTIR DA FABRICAÇÃO E INSERÇÃO NO MERCADO DE PRODUTO DEFEITUOSO. 2. DEFEITO DE CONCEPÇÃO OU DE INFORMAÇÃO. NÃO VERIFICAÇÃO. 3. PRODUTO DE PERICULOSIDADE INERENTE, CUJOS RISCOS, COMUNS A TODOS OS MEDICAMENTOS DO GÊNERO, ERAM PREVISÍVEIS E FORAM DEVIDAMENTE INFORMADOS AOS CONSUMIDORES. 4.
REGRAS PROCESSUAIS DE VALORAÇÃO DA PROVA. INOBSERVÂNCIA.
VERIFICAÇÃO. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O Código de Defesa do Consumidor acolheu a teoria do risco do empreendimento (ou da atividade) segundo a qual o fornecedor responde objetivamente por todos os danos causados ao consumidor pelo produto ou serviço que se revele defeituoso (ou com a pecha de defeituoso, em que o fornecedor não se desonera do ônus de comprovar que seu produto não ostenta o defeito a ele imputado), na medida em que a atividade econômica é desenvolvida, precipuamente, em seu benefício, devendo, pois, arcar com os riscos "de consumo" dela advindos. Há que se bem delimitar, contudo, o fundamento desta responsabilidade, que, é certo, não é integral, pois pressupõe requisitos próprios (especialmente, o defeito do produto como causador do dano experimentado pelo consumidor) e comporta excludentes. O fornecedor, assim, não responde objetivamente pelo fato do produto simplesmente porque desenvolve uma atividade perigosa ou produz um bem de periculosidade inerente, mas sim, concretamente, caso venha a infringir o dever jurídico de segurança (adentrando no campo da ilicitude), o que se dá com a fabricação e a inserção no mercado de um produto defeituoso (de concepção técnica, de fabricação ou de informação), de modo a frustrar a legítima expectativa dos consumidores. 2. Para a responsabilização do fornecedor por acidente do produto não basta ficar evidenciado que os danos foram causados pelo medicamento Vioxx (circunstância, ressalta-se, infirmada pela prova técnica, que imputou o evento morte à doença auto-imune que acometeu o paciente, mas admitida pelos depoimentos dos médicos, baseados em indícios), tal como compreendeu o Tribunal de origem. Mais que isso.
O defeito do produto deve apresentar-se, concretamente, como o causador do dano experimentado pelo consumidor, fator que se revelou ausente a partir das provas coligidas nos autos (reproduzidas e/ou indicadas no acórdão recorrido), a esvaziar, por completo, a responsabilidade do fornecedor. 3. Restou incontroverso da prova haurida dos autos (seja a partir do laudo pericial que excluiu peremptoriamente o nexo causal entre o uso do medicamento e a morte do paciente, seja do depoimento médico transcrito que embasou o decreto condenatório) que todo anti-inflamatório, como o é o medicamento Vioxx, possui, como reação adversa, a possibilidade de desenvolver doenças renais graves (circunstância, no caso dos autos, devidamente informada na bula do medicamento, com advertência ao consumidor deste risco). 3.1 Em se tratando de produto de periculosidade inerente, cujos riscos são normais à sua natureza (medicamento com contra-indicações) e previsíveis (na medida em que o consumidor é deles expressamente advertido), eventual dano por ele causado ao consumidor não enseja a responsabilização do fornecedor, pois, de produto defeituoso, não se cuida. 3.2 O descumprimento do dever de segurança, que se dá com a fabricação e inserção no mercado de produto defeituoso, a ser devidamente investigado, deve pautar-se na concepção coletiva da sociedade de consumo, e não na concepção individual do consumidor-vítima, especialmente no caso de vir este a apresentar uma condição especial (doença auto-imune, desencadeadora da patologia desenvolvida pelo paciente, segundo prova técnica produzida e não infirmada pelo depoimento médico que embasou o decreto condenatório).
3.3 Tampouco o fato de o medicamento ter sido retirado voluntariamente do mercado pelo laboratório fornecedor, ocasião em que contava com a plena autorização dos órgãos de controle (Anvisa), pode caracterizar, por si, o alegado defeito do produto, ou como entendeu o Tribunal de origem, um indicativo revestido de verossimilhança, se a sua retirada não guarda nenhuma relação com os fatos descritos na exordial.
4. De acordo com as regras processuais de valoração da prova, inexiste graduação entre os meios probatórios admitidos. Mesmo nos casos em que a realização de prova técnica se afigure indispensável à solução da controvérsia - como se dá, indiscutivelmente, no caso dos autos -, o Magistrado não se encontra vinculado às suas conclusões, podendo delas se apartar, desde que o faça fundamentadamente, valendo-se de outras provas acostadas aos autos que as infirmem de modo convincente e integral. 4.1 A prova técnica, de inequívoca relevância para o desate da presente controvérsia, entre outros esclarecimentos, tinha por propósito inferir o estabelecimento de liame entre a doença renal desenvolvida pelo paciente, com a consequente morte, e a ingestão do anti-inflamatório Vioxx. Destinava-se, portanto, a demonstrar a própria procedência da imputação feita pelos autores de que os danos suportados seriam advindos do produto alegadamente defeituoso, de responsabilidade do laboratório demandado. O laudo pericial, após análise de todos os exames, em especial as biópsias renais, realizados pelo paciente, concluiu por excluir, perempetoriamente, a relação de causalidade entre a morte do paciente e a ingestão do medicamento, atribuindo-a à doença auto-imune de que foi acometido (Glomerulonefrite Rapidamente Progressiva). 4.2 Das provas indicadas e transcritas no acórdão recorrido que embasaram o decreto condenatório, não se antevê, de seus termos, vulneração mínima do que foi concluído pelo laudo pericial. O diagnóstico/relatório primevo não tece nenhuma consideração quanto à apontada doença auto-imune, como causadora dos problemas renais suportados pelo paciente. No depoimento do médico, que teve acesso aos exames mencionados, por sua vez, há diversas passagens em que confirma a ocorrência de componente imunológico.
4.3. Nesse contexto, ainda que seja dado ao Magistrado não comungar com a conclusão da prova técnica, tem-se, no caso dos autos, que as provas apontadas na fundamentação para subsidiar conclusão diversa, não infirmam aquela, de modo convincente e integral, como seria de rigor. Ao contrário, em certa medida, como visto, a confirma, o que afronta o sistema processual de valoração das provas, na esteira dos arts. 436 e 131 do CPC/1973.
5. Recurso Especial provido e recurso especial adesivo prejudicado.
(REsp 1599405/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/04/2017, DJe 17/04/2017)Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos
votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar
provimento ao recurso especial e julgar prejudicado o recurso
adesivo, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Paulo de Tarso
Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Data do Julgamento
:
04/04/2017
Data da Publicação
:
DJe 17/04/2017
Órgão Julgador
:
T3 - TERCEIRA TURMA
Relator(a)
:
Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE (1150)
Informações adicionais
:
"[...] em virtude do provimento do agravo interposto contra a
decisão que havia negado seguimento ao recurso especial principal,
curial, por conseguinte, promover, na presente via especial, a
apreciação, também, do recurso especial adesivo que restou
prejudicado exclusivamente em razão da inadmissão do principal,
independente de recurso da parte.
Justamente em razão da relação de subordinação existente entre
os recursos (do adesivo para com o principal), prevista no art. 500
do CPC, e, ante a não realização do juízo de admissibilidade do
recurso acessório na origem, a ascensão do principal enseja,
necessariamente, por parte desta Corte de Justiça, também, a análise
do recurso adesivo".
"[...] a matéria submetida a análise desta Corte de Justiça
afigura-se exclusivamente de direito e, como tal, não demanda
revolvimento de matéria fático-probatória, providência vedada pelo
óbice constante do enunciado n. 7 da Súmula do STJ. Assim,
tomando-se por base, justamente, os contornos fáticos gizados pelo
Tribunal de origem, é que se procederá à valoração jurídica das
questões postas. Aliás, de se notar que os próprios julgadores, em
segunda instância, sobre os mesmos fatos, chegaram à conclusão
jurídica diversa, o que reforça o entendimento de que as questões em
análise, acima delimitadas, afiguram-se exclusivamente de direito".
Referência legislativa
:
LEG:FED LEI:005869 ANO:1973***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 ART:00131 ART:00436 ART:00500LEG:FED SUM:****** ANO:********* SUM(STJ) SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SUM:000007LEG:FED LEI:008078 ANO:1990***** CDC-90 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ART:00008 ART:00012 PAR:00003 INC:00002
Veja
:
(RECURSO ADESIVO - APRECIAÇÃO APÓS PROVIMENTO DO AGRAVO QUEDETERMINA A SUBIDA DO RECURSO PRINCIPAL) STJ - REsp 1245527-SP, EDcl no REsp 1285932-RS(LAUDO PERICIAL - AFASTAMENTO DA PROVA TÉCNICA PELO JULGADOR -INSUFICIÊNCIA DAS PROVAS UTILIZADAS NA FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃOJUDICIAL) STJ - REsp 1559418-RJ
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