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Jurisprudência


REsp 1640084 / SPRECURSO ESPECIAL2016/0032106-0

Ementa
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO, DESACATO E RESISTÊNCIA. APELAÇÃO CRIMINAL. EFEITO DEVOLUTIVO AMPLO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. ROUBO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ROUBO PARA O DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. TEMA NÃO PREQUESTIONADO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. DESACATO. INCOMPATIBILIDADE DO TIPO PENAL COM A CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. 1. Uma vez interposto o recurso de apelação, o Tribunal, respeitando o contraditório, poderá enfrentar todas as questões suscitadas, ainda que não decididas na primeira instância, desde que relacionadas ao objeto litigioso recursal, bem como apreciar fundamentos não acolhidos pelo juiz (arts. 10 e 1.013, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil, c/c art. 3º do Código de Processo Penal). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça afasta a aplicabilidade do princípio da insignificância em crimes cometidos mediante o uso de violência ou grave ameaça, como o roubo. 3. O pleito de desclassificação do crime de roubo para o de constrangimento ilegal carece da indicação do dispositivo legal considerado malferido e das razões que poderiam fundamentar o pedido, devendo-se aplicar o veto da Súmula 284/STF. Além disso, o tema não foi objeto de apreciação pelo Tribunal de origem, nem a parte interessada opôs embargos de declaração para suprir tal omissão, o que atrai o óbice das Súmulas 282 e 356 do STF. 4. O art. 2º, c/c o art. 29, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) prevê a adoção, pelos Estados Partes, de "medidas legislativas ou de outra natureza" visando à solução de antinomias normativas que possam suprimir ou limitar o efetivo exercício de direitos e liberdades fundamentais. 5. Na sessão de 4/2/2009, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar, pelo rito do art. 543-C do CPC/1973, o Recurso Especial 914.253/SP, de relatoria do Ministro LUIZ FUX, adotou o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 466.343/SP, no sentido de que os tratados de direitos humanos, ratificados pelo país, têm força supralegal, "o que significa dizer que toda lei antagônica às normas emanadas de tratados internacionais sobre direitos humanos é destituída de validade." 6. Decidiu-se, no precedente repetitivo, que, "no plano material, as regras provindas da Convenção Americana de Direitos Humanos, em relação às normas internas, são ampliativas do exercício do direito fundamental à liberdade, razão pela qual paralisam a eficácia normativa da regra interna em sentido contrário, haja vista que não se trata aqui de revogação, mas de invalidade." 7. A adequação das normas legais aos tratados e convenções internacionais adotados pelo Direito Pátrio configura controle de constitucionalidade, o qual, no caso concreto, por não se cuidar de convenção votada sob regime de emenda constitucional, não invade a seara do controle de constitucionalidade e pode ser feito de forma difusa, até mesmo em sede de recurso especial. 8. Nesse particular, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, quando do julgamento do caso Almonacid Arellano y otros v. Chile, passou a exigir que o Poder Judiciário de cada Estado Parte do Pacto de São José da Costa Rica exerça o controle de convencionalidade das normas jurídicas internas que aplica aos casos concretos. 9. Por conseguinte, a ausência de lei veiculadora de abolitio criminis não inibe a atuação do Poder Judiciário na verificação da inconformidade do art. 331 do Código Penal, que prevê a figura típica do desacato, com o art. 13 do Pacto de São José da Costa Rica, que estipula mecanismos de proteção à liberdade de pensamento e de expressão. 10. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos - CIDH já se manifestou no sentido de que as leis de desacato se prestam ao abuso, como meio para silenciar ideias e opiniões consideradas incômodas pelo establishment, bem assim proporcionam maior nível de proteção aos agentes do Estado do que aos particulares, em contravenção aos princípios democrático e igualitário. 11. A adesão ao Pacto de São José significa a transposição, para a ordem jurídica interna, de critérios recíprocos de interpretação, sob pena de negação da universalidade dos valores insertos nos direitos fundamentais internacionalmente reconhecidos. Assim, o método hermenêutico mais adequado à concretização da liberdade de expressão reside no postulado pro homine, composto de dois princípios de proteção de direitos: a dignidade da pessoa humana e a prevalência dos direitos humanos. 12. A criminalização do desacato está na contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado - personificado em seus agentes - sobre o indivíduo. 13. A existência de tal normativo em nosso ordenamento jurídico é anacrônica, pois traduz desigualdade entre funcionários e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito. 14. Punir o uso de linguagem e atitudes ofensivas contra agentes estatais é medida capaz de fazer com que as pessoas se abstenham de usufruir do direito à liberdade de expressão, por temor de sanções penais, sendo esta uma das razões pelas quais a CIDH estabeleceu a recomendação de que os países aderentes ao Pacto de São Paulo abolissem suas respectivas leis de desacato. 15. O afastamento da tipificação criminal do desacato não impede a responsabilidade ulterior, civil ou até mesmo de outra figura típica penal (calúnia, injúria, difamação etc.), pela ocorrência de abuso na expressão verbal ou gestual utilizada perante o funcionário público. 16. Recurso especial conhecido em parte, e nessa extensão, parcialmente provido para afastar a condenação do recorrente pelo crime de desacato (art. 331 do CP). (REsp 1640084/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 15/12/2016, DJe 01/02/2017)
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso e, nessa parte, dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Joel Ilan Paciornik, Felix Fischer, Jorge Mussi e Reynaldo Soares da Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator.

Data do Julgamento : 15/12/2016
Data da Publicação : DJe 01/02/2017
Órgão Julgador : T5 - QUINTA TURMA
Relator(a) : Ministro RIBEIRO DANTAS (1181)
Informações adicionais : "Há, também, o aspecto da reincidência, que, além de reforçar o impeditivo à aplicação do princípio da insignificância, tornaria inviável, diante da reprimenda concretamente imposta e do disposto no art. 33, § 2º, 'b', do CP, eventual concessão de habeas corpus de ofício para a fixação do regime inicial semiaberto." "Anote-se, ainda, que o controle de convencionalidade não se confunde com o controle de constitucionalidade, uma vez que a posição supralegal do tratado de direitos humanos é bastante para superar a lei ou ato normativo interno que lhe for contrária, abrindo ensejo a recurso especial, como, aliás, já fez esta Corte Superior ao entender pela inconvencionalidade da prisão civil do depositário infiel. "A propósito, o art. 105, III, 'a', da Constituição Federal de 1988 estabelece, expressamente, a competência do Superior Tribunal de Justiça para 'julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência'. "Se a discussão girasse em torno de tratado ou convenção votado sob regime do art. 5º, § 3º, da CF), a coisa seria diferente, porque a norma, aí, teria status de emenda constitucional e, desse modo, haveria controle de constitucionalidade, com usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, na hipótese de controle concentrado, ou da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em caso de controle difuso (cláusula de reserva de plenário). "Dessarte, ao contrário do que entenderam as instâncias ordinárias, a ausência de lei veiculadora de abolitio criminis não inibe a atuação do Poder Judiciário na verificação de possível inconformidade do art. 331 do CP, que prevê a figura típica do desacato, com o art. 13 do Pacto de São José da Costa Rica, que estipula mecanismos de proteção à liberdade de pensamento e de expressão."
Referência legislativa : LEG:FED LEI:013105 ANO:2015***** CPC-15 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 ART:00010 ART:01013 PAR:00001 PAR:00002LEG:FED DEL:003689 ANO:1941***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ART:00003LEG:FED DEL:002848 ANO:1940***** CP-40 CÓDIGO PENAL ART:00033 PAR:00002 LET:B ART:00157 ART:00331LEG:INT CVC:****** ANO:1969***** CADH CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS ART:00002 ART:00013 ITEM:00002 ART:00029 LET:A(PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA)LEG:FED CFB:****** ANO:1988***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ART:00001 INC:00003 ART:00004 INC:00002 ART:00105 INC:00003 LET:ALEG:FED SUM:****** ANO:********* SUM(STF) SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SUM:000282 SUM:000284 SUM:000356
Veja : (MATÉRIA SUSCITADA EM ALEGAÇÕES FINAIS PELA DEFESA - OMISSÃO NASENTENÇA - EFEITO DEVOLUTIVO AMPLO - SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA -INOCORRÊNCIA) STJ - HC 165789-MG, HC 311.439-DF(PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - APLICABILIDADE - VETORES) STF - HC 84412(PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - CRIME DE ROUBO - INAPLICABILIDADE) STJ - AgRg no AREsp 585654-DF, HC 339999-RS, RHC 56431-SC(PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - REINCIDÊNCIA -INAPLICABILIDADE) STJ - AgRg no AREsp 879862-SC(TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS RATIFICADOS PELO BRASIL - FORÇASUPRALEGAL) STJ - REsp 914253-SP (RECURSO REPETITIVO) STF - RE 466343-SP(DESACATO - AUSÊNCIA DA ELEMENTAR DO TIPO - ATIPICIDADE DA CONDUTA -TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL) STJ - HC 305141-PB, HC 21228-PI
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