REsp 1640704 / MSRECURSO ESPECIAL2016/0201630-7
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA, FIRMADO ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E A FUNAI. AÇÃO ANULATÓRIA PROMOVIDA POR ENTE MUNICIPAL, VISANDO À SUA ANULAÇÃO.
PROCESSO DE DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS AINDA NÃO INICIADO.
DESCABIMENTO DA DEMANDA. ATO ADMINISTRATIVO VICIADO POR ALEGADA SIMULAÇÃO. INCURSÃO NO ACERVO FÁTICO E PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ.
1. Hipótese em que o Tribunal de origem extinguiu sem resolução do mérito o feito ajuizado por ente municipal, ao fundamento de que o autor não possui legitimidade para ajuizar demanda que visa a anular Compromisso de Ajustamento de Conduta formalizado entre o Ministério Público Federal e a Fundação Nacional do Índio (Funai), seja porque o ente público "não indica concretamente quais os direitos que teriam sido violados (...) ou suprimidos", seja porque a regra do art. 2º, § 8º, do Decreto 1.775/1996 tão somente lhe garante a participação em procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas (fls. 632-633, e-STJ).
2. Em outras palavras, a conclusão adotada é de que, versando o Compromisso de Ajustamento de Conduta ato que produz efeito apenas entre as partes aderentes, o interesse jurídico a viabilizar a propositura da demanda pelo ente público municipal somente surge depois de iniciada a concretização do seu respectivo conteúdo - ou seja, depois de iniciado o procedimento demarcatório. 3. O art. 2º, § 8º, do Decreto 1.755/1998 assim dispõe: "Art. 2° A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios será fundamentada em trabalhos desenvolvidos por antropólogo de qualificação reconhecida, que elaborará, em prazo fixado na portaria de nomeação baixada pelo titular do órgão federal de assistência ao índio, estudo antropológico de identificação. (...) § 8° Desde o início do procedimento demarcatório até noventa dias após a publicação de que trata o parágrafo anterior, poderão os Estados e municípios em que se localize a área sob demarcação e demais interessados manifestar-se, apresentando ao órgão federal de assistência ao índio razões instruídas com todas as provas pertinentes, tais como títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografias e mapas, para o fim de pleitear indenização ou para demonstrar vícios, totais ou parciais, do relatório de que trata o parágrafo anterior".
4. A norma é clara ao abrir o direito de participação a contar do início do procedimento demarcatório. Em relação ao Compromisso de Ajustamento de Conduta formalizado entre o Ministério Público Federal e a Fundação Nacional do Índio (Funai), portanto, por se tratar de ato que precede a abertura do processo administrativo demarcatório, não há como extrair da regra acima a existência de direito subjetivo de intervenção do Município, merecendo destaque a observação de que o ente público não sofre qualquer prejuízo, pois, em primeiro lugar, o compromisso firmado produz efeito somente entre as partes, e, em segundo lugar, é apenas a partir da abertura do processo demarcatório que os interesses de terceiros poderiam ser atingidos, mas a lei expressamente prevê que, a partir desse marco, o Município poderá ingressar para arguir o que for de direito.
5. Quanto à tese de violação do art. 167 do CC, o órgão fracionário da Corte local meramente observou que não era plausível a assertiva de que houve simulação no Compromisso de Ajustamento de Conduta, uma vez que este tão só visou a compelir a Funai à prática de suas atribuições legais. Na ausência de indicação de outros elementos de convicção, tem-se que a reforma do entendimento adotado nas instâncias de origem, para fazer prevalecer a alegação de que o ato contém simulação que o torna nulo, depende de incursão no acervo fático-probatório dos autos, o que atrai a incidência da Súmula 7/STJ.
6. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.
(REsp 1640704/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/03/2017, DJe 19/04/2017)
Ementa
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA, FIRMADO ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E A FUNAI. AÇÃO ANULATÓRIA PROMOVIDA POR ENTE MUNICIPAL, VISANDO À SUA ANULAÇÃO.
PROCESSO DE DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS AINDA NÃO INICIADO.
DESCABIMENTO DA DEMANDA. ATO ADMINISTRATIVO VICIADO POR ALEGADA SIMULAÇÃO. INCURSÃO NO ACERVO FÁTICO E PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ.
1. Hipótese em que o Tribunal de origem extinguiu sem resolução do mérito o feito ajuizado por ente municipal, ao fundamento de que o autor não possui legitimidade para ajuizar demanda que visa a anular Compromisso de Ajustamento de Conduta formalizado entre o Ministério Público Federal e a Fundação Nacional do Índio (Funai), seja porque o ente público "não indica concretamente quais os direitos que teriam sido violados (...) ou suprimidos", seja porque a regra do art. 2º, § 8º, do Decreto 1.775/1996 tão somente lhe garante a participação em procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas (fls. 632-633, e-STJ).
2. Em outras palavras, a conclusão adotada é de que, versando o Compromisso de Ajustamento de Conduta ato que produz efeito apenas entre as partes aderentes, o interesse jurídico a viabilizar a propositura da demanda pelo ente público municipal somente surge depois de iniciada a concretização do seu respectivo conteúdo - ou seja, depois de iniciado o procedimento demarcatório. 3. O art. 2º, § 8º, do Decreto 1.755/1998 assim dispõe: "Art. 2° A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios será fundamentada em trabalhos desenvolvidos por antropólogo de qualificação reconhecida, que elaborará, em prazo fixado na portaria de nomeação baixada pelo titular do órgão federal de assistência ao índio, estudo antropológico de identificação. (...) § 8° Desde o início do procedimento demarcatório até noventa dias após a publicação de que trata o parágrafo anterior, poderão os Estados e municípios em que se localize a área sob demarcação e demais interessados manifestar-se, apresentando ao órgão federal de assistência ao índio razões instruídas com todas as provas pertinentes, tais como títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografias e mapas, para o fim de pleitear indenização ou para demonstrar vícios, totais ou parciais, do relatório de que trata o parágrafo anterior".
4. A norma é clara ao abrir o direito de participação a contar do início do procedimento demarcatório. Em relação ao Compromisso de Ajustamento de Conduta formalizado entre o Ministério Público Federal e a Fundação Nacional do Índio (Funai), portanto, por se tratar de ato que precede a abertura do processo administrativo demarcatório, não há como extrair da regra acima a existência de direito subjetivo de intervenção do Município, merecendo destaque a observação de que o ente público não sofre qualquer prejuízo, pois, em primeiro lugar, o compromisso firmado produz efeito somente entre as partes, e, em segundo lugar, é apenas a partir da abertura do processo demarcatório que os interesses de terceiros poderiam ser atingidos, mas a lei expressamente prevê que, a partir desse marco, o Município poderá ingressar para arguir o que for de direito.
5. Quanto à tese de violação do art. 167 do CC, o órgão fracionário da Corte local meramente observou que não era plausível a assertiva de que houve simulação no Compromisso de Ajustamento de Conduta, uma vez que este tão só visou a compelir a Funai à prática de suas atribuições legais. Na ausência de indicação de outros elementos de convicção, tem-se que a reforma do entendimento adotado nas instâncias de origem, para fazer prevalecer a alegação de que o ato contém simulação que o torna nulo, depende de incursão no acervo fático-probatório dos autos, o que atrai a incidência da Súmula 7/STJ.
6. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.
(REsp 1640704/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/03/2017, DJe 19/04/2017)Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior
Tribunal de Justiça: ""A Turma, por unanimidade, conheceu em parte
do recurso e, nessa parte, negou-lhe provimento, nos termos do voto
do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."
Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques e Assusete
Magalhães (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente,
ocasionalmente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.
Dr(a). MÁRIO LUIZ BONSAGLIA , pela parte RECORRIDA: MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL"
Data do Julgamento
:
09/03/2017
Data da Publicação
:
DJe 19/04/2017
Órgão Julgador
:
T2 - SEGUNDA TURMA
Relator(a)
:
Ministro HERMAN BENJAMIN (1132)
Referência legislativa
:
LEG:FED DEC:001755 ANO:1998 ART:00002 PAR:00008LEG:FED LEI:010406 ANO:2002***** CC-02 CÓDIGO CIVIL DE 2002 ART:00167LEG:FED SUM:****** ANO:********* SUM(STJ) SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SUM:000007
Mostrar discussão