REsp 1646725 / CERECURSO ESPECIAL2016/0337952-5
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO, AUTORIZANDO A COMPENSAÇÃO DE FINSOCIAL COM COFINS. SUPERVENIÊNCIA DE LEI QUE PERMITE COMPENSAÇÃO COM DIVERSOS DÉBITOS ADMINISTRADOS PELA RECEITA FEDERAL. DÚVIDA DA EMPRESA. FORMULAÇÃO DE CONSULTA À RECEITA FEDERAL. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL.
1. Discutiu-se nos autos do Mandado de Segurança a formulação de consulta à Receita Federal, que visava a obter deste órgão arrecadador informações quanto à possibilidade da compensação com base no regime disposto na Lei 10.637/2002, superveniente ao trânsito em julgado da decisão judicial que declarou o direito de compensar as parcelas indevidas do Finsocial com débitos de COFINS.
2. A empresa recorrente, por não possuir débitos de COFINS, gostaria de compensar o indébito relativo ao Finsocial com outros tributos administrados pela Receita Federal. No entanto, como o trânsito em julgado da decisão judicial a ela favorável ocorreu antes da entrada em vigor da Lei 10.637/2002 (a sentença autorizou apenas a compensação entre os tributos de idêntica finalidade/destinação), a empresa pleiteou manifestação da autoridade fiscal quanto à possibilidade de realizar a compensação nos termos do direito superveniente.
3. O art. 49 do Decreto 70.235/1972 estabelece que "A consulta não suspende o prazo para recolhimento de tributo, retido na fonte ou autolançado antes ou depois de sua apresentação, nem o prazo para apresentação de declaração de rendimentos", razão pela qual a leitura isolada desse dispositivo poderia sustentar a exegese apressada que veio a ser adotada no acórdão recorrido, isto é, de que a ausência de efeito suspensivo à consulta decorre da própria falta de previsão legal.
4. Sucede que o dispositivo acima disciplina exclusivamente a situação dos débitos do sujeito passivo, que, portanto, deverão continuar a ser recolhidos durante a tramitação da consulta. Ainda assim, nota-se que a própria legislação tributária expressamente obsta a instauração de procedimento fiscal contra o sujeito passivo, durante a tramitação da consulta (art. 48) e afasta a exigibilidade do tributo que deixou de ser recolhido entre a decisão de primeira instância administrativa, favorável ao contribuinte, e sua reforma na segunda instância (art. 50).
5. Não há motivo para afastar do procedimento de consulta - cujo conteúdo verse especificamente dúvida quanto à legislação tributária aplicável à compensação tributária - a orientação jurisprudencial adotada em relação ao pedido de habilitação do crédito tributário, no sentido de que a sua instauração suspende o prazo de prescrição da compensação. 6. A fundada dúvida da empresa denota que esta agiu de boa-fé ao formular a consulta, dado que esta poderia, em tese, optar por imediatamente submeter ao Fisco a denominada "Declaração de Compensação", mas não o fez justamente por não querer assumir, por conta própria, o risco de ter o encontro de contas indeferido pela Receita Federal.
7. O Código Tributário Nacional, ao disciplinar a Restituição do Indébito, é de fato silente quanto às circunstâncias que suspendem ou interrompem a prescrição em favor dos entes públicos. Da mesma forma, a legislação tributária esparsa, salvo engano, caracteriza-se pela mesma conveniente omissão. Daí não se pode extrair, entretanto, que inexista "amparo legal" para a tese da empresa, até porque a instituição de hipóteses de suspensão ou interrupção da prescrição somente em benefício do Fisco, jamais em favor do contribuinte (quando este se tornar credor do Fisco), representaria medida ofensiva à isonomia, sendo descabido invocar aqui o princípio da supremacia do interesse público, pois os débitos do Fisco para com os contribuintes relacionam-se ao interesse público secundário, no qual o Estado não detém a prerrogativa de aplicar integralmente o regime de Direito Público.
8. A hipótese comporta aplicação do art. 4º, parágrafo único, do Decreto 20.910/1932, que prevê não correr a prescrição "durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida (...) tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la".
9. Transposto o raciocínio acima para o caso dos autos, o prazo de prescrição estaria consumado em 27.3.2014. O protocolo da consulta, datado de 18.9.2013, suspendeu, portanto, o prazo de prescrição, pois afastou a inércia da parte e demandou estudo, no âmbito da Receita Federal, a respeito da aplicação da legislação tributária.
Na data do protocolo, portanto, ainda faltavam seis (6) meses e nove (9) dias para o término do prazo prescricional, período esse que somente foi retomado em 7.11.2014, quando a empresa foi intimada de que a matéria submetida à consulta foi decidida em seu favor. 10.
Dispondo do prazo de seis (6) meses e nove (9) dias para formalizar a compensação, a empresa agiu com celeridade, manifestando-se nesse sentido em 27.11.2014, ou seja, vinte (20) dias após ter sido cientificada dessa possibilidade, apenas não tendo obtido êxito porque a Receita Federal considerou caracterizada a prescrição.
11. Em outras palavras, a aplicação do prazo remanescente de prescrição adiou o seu termo ad quem para 16.5.2015. Tendo a Declaração de Compensação sido apresentada em 27.11.2014 (fl. 447, e-STJ), isto é, após vinte (20) dias da ciência do deferimento da consulta, não poderia ter sido rejeitada com base no entendimento de que o crédito contra o Fisco foi atingido pela prescrição.
12. Recurso Especial provido.
(REsp 1646725/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/03/2017, DJe 27/04/2017)
Ementa
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO, AUTORIZANDO A COMPENSAÇÃO DE FINSOCIAL COM COFINS. SUPERVENIÊNCIA DE LEI QUE PERMITE COMPENSAÇÃO COM DIVERSOS DÉBITOS ADMINISTRADOS PELA RECEITA FEDERAL. DÚVIDA DA EMPRESA. FORMULAÇÃO DE CONSULTA À RECEITA FEDERAL. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL.
1. Discutiu-se nos autos do Mandado de Segurança a formulação de consulta à Receita Federal, que visava a obter deste órgão arrecadador informações quanto à possibilidade da compensação com base no regime disposto na Lei 10.637/2002, superveniente ao trânsito em julgado da decisão judicial que declarou o direito de compensar as parcelas indevidas do Finsocial com débitos de COFINS.
2. A empresa recorrente, por não possuir débitos de COFINS, gostaria de compensar o indébito relativo ao Finsocial com outros tributos administrados pela Receita Federal. No entanto, como o trânsito em julgado da decisão judicial a ela favorável ocorreu antes da entrada em vigor da Lei 10.637/2002 (a sentença autorizou apenas a compensação entre os tributos de idêntica finalidade/destinação), a empresa pleiteou manifestação da autoridade fiscal quanto à possibilidade de realizar a compensação nos termos do direito superveniente.
3. O art. 49 do Decreto 70.235/1972 estabelece que "A consulta não suspende o prazo para recolhimento de tributo, retido na fonte ou autolançado antes ou depois de sua apresentação, nem o prazo para apresentação de declaração de rendimentos", razão pela qual a leitura isolada desse dispositivo poderia sustentar a exegese apressada que veio a ser adotada no acórdão recorrido, isto é, de que a ausência de efeito suspensivo à consulta decorre da própria falta de previsão legal.
4. Sucede que o dispositivo acima disciplina exclusivamente a situação dos débitos do sujeito passivo, que, portanto, deverão continuar a ser recolhidos durante a tramitação da consulta. Ainda assim, nota-se que a própria legislação tributária expressamente obsta a instauração de procedimento fiscal contra o sujeito passivo, durante a tramitação da consulta (art. 48) e afasta a exigibilidade do tributo que deixou de ser recolhido entre a decisão de primeira instância administrativa, favorável ao contribuinte, e sua reforma na segunda instância (art. 50).
5. Não há motivo para afastar do procedimento de consulta - cujo conteúdo verse especificamente dúvida quanto à legislação tributária aplicável à compensação tributária - a orientação jurisprudencial adotada em relação ao pedido de habilitação do crédito tributário, no sentido de que a sua instauração suspende o prazo de prescrição da compensação. 6. A fundada dúvida da empresa denota que esta agiu de boa-fé ao formular a consulta, dado que esta poderia, em tese, optar por imediatamente submeter ao Fisco a denominada "Declaração de Compensação", mas não o fez justamente por não querer assumir, por conta própria, o risco de ter o encontro de contas indeferido pela Receita Federal.
7. O Código Tributário Nacional, ao disciplinar a Restituição do Indébito, é de fato silente quanto às circunstâncias que suspendem ou interrompem a prescrição em favor dos entes públicos. Da mesma forma, a legislação tributária esparsa, salvo engano, caracteriza-se pela mesma conveniente omissão. Daí não se pode extrair, entretanto, que inexista "amparo legal" para a tese da empresa, até porque a instituição de hipóteses de suspensão ou interrupção da prescrição somente em benefício do Fisco, jamais em favor do contribuinte (quando este se tornar credor do Fisco), representaria medida ofensiva à isonomia, sendo descabido invocar aqui o princípio da supremacia do interesse público, pois os débitos do Fisco para com os contribuintes relacionam-se ao interesse público secundário, no qual o Estado não detém a prerrogativa de aplicar integralmente o regime de Direito Público.
8. A hipótese comporta aplicação do art. 4º, parágrafo único, do Decreto 20.910/1932, que prevê não correr a prescrição "durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida (...) tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la".
9. Transposto o raciocínio acima para o caso dos autos, o prazo de prescrição estaria consumado em 27.3.2014. O protocolo da consulta, datado de 18.9.2013, suspendeu, portanto, o prazo de prescrição, pois afastou a inércia da parte e demandou estudo, no âmbito da Receita Federal, a respeito da aplicação da legislação tributária.
Na data do protocolo, portanto, ainda faltavam seis (6) meses e nove (9) dias para o término do prazo prescricional, período esse que somente foi retomado em 7.11.2014, quando a empresa foi intimada de que a matéria submetida à consulta foi decidida em seu favor. 10.
Dispondo do prazo de seis (6) meses e nove (9) dias para formalizar a compensação, a empresa agiu com celeridade, manifestando-se nesse sentido em 27.11.2014, ou seja, vinte (20) dias após ter sido cientificada dessa possibilidade, apenas não tendo obtido êxito porque a Receita Federal considerou caracterizada a prescrição.
11. Em outras palavras, a aplicação do prazo remanescente de prescrição adiou o seu termo ad quem para 16.5.2015. Tendo a Declaração de Compensação sido apresentada em 27.11.2014 (fl. 447, e-STJ), isto é, após vinte (20) dias da ciência do deferimento da consulta, não poderia ter sido rejeitada com base no entendimento de que o crédito contra o Fisco foi atingido pela prescrição.
12. Recurso Especial provido.
(REsp 1646725/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/03/2017, DJe 27/04/2017)Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior
Tribunal de Justiça: ""A Turma, por unanimidade, deu provimento ao
recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."
Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Assusete
Magalhães (Presidente) e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro
Relator."
Data do Julgamento
:
14/03/2017
Data da Publicação
:
DJe 27/04/2017
Órgão Julgador
:
T2 - SEGUNDA TURMA
Relator(a)
:
Ministro HERMAN BENJAMIN (1132)
Referência legislativa
:
LEG:FED DEC:070235 ANO:1972 ART:00046 ART:00048 ART:00049 ART:00050LEG:FED DEC:020910 ANO:1932 ART:00004 PAR:ÚNICO
Mostrar discussão