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Jurisprudência


REsp 1659662 / CERECURSO ESPECIAL2014/0120972-1

Ementa
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL PRATICADO POR PROMOTOR DE JUSTIÇA. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DESCABIMENTO DE "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO". PEÇA OPINATIVA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. OFENSA AO ART. 619 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. ANÁLISE DE PLEITO DO ACUSADO DIRETAMENTE PELO ÓRGÃO ESPECIAL. JUNTADA DE PROVA CONSIDERADA DESNECESSÁRIA. INDEFERIMENTO. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE. RENOVAÇÃO DO INTERROGATÓRIO AO FINAL DO PROCESSO (ART. 400 DO CPP), COM AFASTAMENTO DA REGRA DO ART. 7º DA LEI N. 8.038/1990. PRECEDENTES DO STF E DO STJ QUE NÃO SE ENCAIXAM NO CASO CONCRETO. INTERROGATÓRIO JÁ REALIZADO, ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI N. 11.719/2008. PRECLUSÃO. TEMPUS REGIT ACTUM. INQUÉRITO ADMINISTRATIVO. NULIDADE DAS PROVAS. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. PREJUDICIALIDADE DO TEMA. CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL. PALAVRA DA VÍTIMA. VALOR PROBANTE DIFERENCIADO. AUTORIA E MATERIALIDADE CONFIGURADAS. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO. 1. Não cabe devolução dos autos ao Ministério Público a fim de que novamente emita pronunciamento sobre o recurso especial. O parecer ministerial é opinativo, não comportando impugnação assemelhada a "embargos de declaração". 2. Apesar de a petição recursal invocar o art. 105, III, "c", da Constituição Federal, não fez qualquer alusão aos dispositivos legais nem, sequer, às matérias que teriam sido objeto de interpretação divergente. Aplica-se ao caso o óbice da Súmula 284 do STF: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia." 3. O recurso especial apresenta fundamentação deficiente no que diz respeito à indigitada ofensa ao art. 619 do Código de Processo Penal, que foi objeto de alegação genérica, sem a demonstração exata dos pontos em que o acórdão padeceria de omissão, contradição ou obscuridade. Incidência da Súmula 284/STF. 4. Tratando-se de ação penal original de Tribunal de Justiça, a submissão direta, ao Órgão Especial, da análise de pedidos do acusado não acarreta prejuízo à defesa, na medida em que imprime ao feito a necessária celeridade e eventual decisão monocrática desfavorável seria passível de agravo regimental, cabendo ao mesmo colegiado decidir a controvérsia. 5. Ao magistrado, mesmo no curso do processo penal, é facultado o indeferimento, de forma motivada, das diligências protelatórias, irrelevantes ou impertinentes. Cabe, ainda, à parte interessada, demonstrar a real imprescindibilidade da produção da prova requerida. 6. Hipótese em que a instância ordinária, motivadamente, afastou a tese de cerceamento de defesa e a necessidade de juntada de novo laudo realizado por psicóloga, uma vez que as demais provas contidas nos autos demostraram a credibilidade das declarações das vítimas do delito. 7. Este Superior Tribunal firmou a orientação no sentido de que "a previsão do interrogatório como último ato processual, nos termos do disposto no art. 400 do CPP, com a redação dada pela Lei n. 11.719/2008, por ser mais benéfica à defesa, deve ser aplicada às ações penais originárias nos tribunais, afastada, assim, a regra específica prevista no art. 7º da Lei n. 8.038/1990, que rege a matéria" (HC 205.364-MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, julgado em 6/12/2011). Essa alteração de entendimento se deu em razão de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no AgRg na APn 528/DF, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, TRIBUNAL PLENO, DJe de 8/6/2011. 8. Todavia, se o interrogatório já se realizou - como na espécie dos autos -, ocorre a preclusão, não sendo possível a renovação do ato. Ademais, o réu foi interrogado em 10/10/2006, ou seja, antes da vigência da Lei n. 11.719/2008, que alterou o disposto no art. 400 do CPP. Sobre a matéria, a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, bem como a do Supremo Tribunal Federal, é firme no sentido de que "a Lei n. 11.719/2008, que deu nova redação ao art. 400 do CPP, porquanto lei processual penal, aplica-se desde logo, conforme os ditames do princípio tempus regit actum, sem prejudicar, contudo, a validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior, razão pela qual, já realizado o interrogatório do réu, não há obrigação de o ato ser renovado para cumprir as balizas da nova lei" (AgRg no AREsp 681.940/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 29/6/2016). 9. Eventuais irregularidades ocorridas na fase investigatória, cuja natureza é inquisitiva, não contaminam, necessariamente, o processo criminal, momento em que as provas serão renovadas. 10. A jurisprudência é assente no sentido de que, nos delitos contra liberdade sexual, por frequentemente não deixarem testemunhas ou vestígios, a palavra da vítima tem valor probante diferenciado, desde que esteja em consonância com as demais provas que instruem o feito. 11. As declarações das ofendidas e os depoimentos testemunhais são coerentes quanto ao ponto fulcral da acusação, isto é, a prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal, mediante uso de mordaças e amarras, contra crianças de 8 e 9 anos de idade, no sítio do acusado, ocupante do cargo de Promotor de Justiça do Estado do Ceará. 12. Eventuais descompassos encontrados nas narrativas das vítimas referem-se a aspectos periféricos da conduta delitiva, que não influem na credibilidade de suas declarações quanto aos abusos sofridos. 13. Anote-se, em reforço ao fundamento acerca da confiabilidade dos relatos das menores, que a Junta Médica designada pelo Relator examinou as ofendidas em três dias seguidos, tendo concluído pela ausência de sinais comportamentais indicativos de subterfúgios, fantasias ou simulações. O exame foi acompanhado pelo assistente médico indicado pela defesa, contudo, não foi impugnado. 14. O delito em questão (estupro de vulnerável: art. 217-A do Código Penal) se perfez com a prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal, daí a irrelevância de se certificar, na espécie, da consumação de atos sexuais. Precedentes. 15. A perícia realizada no local do crime pelo Instituto de Criminalística do Ceará, no âmbito do processo administrativo disciplinar, que, segundo a defesa, atestaria que nenhum dos presentes do sítio do acusado poderia ter ouvido ou visto os eventos ocorridos no interior da casa principal, resulta de percepções subjetivas dos peritos, não apresentando aptidão como prova desconstitutiva da condenação. 16. Menciona o recorrente a sua ausência no local do crime (sítio em Guaramiranga/CE), após as 16h30 ou 17h00 do dia 23/10/2005 (data dos fatos), contradizendo a afirmação das vítimas no sentido de que haveriam sido conduzidas pelo acusado, até suas residências, pelas 21h00. Apresenta, nesse sentido, conta de seu telefone celular, que atesta ligações feitas daquele aparelho às 18h15 e 18h24 e 18h25, originadas do Município de Pacatuba/CE. 17. Na verdade, a conta telefônica não foi apreciada pelo Tribunal de origem, nem o julgador estava obrigado a fazê-lo, porquanto fundamentou a condenação do recorrente nas provas que entendeu relevantes. Afinal, "vigora no sistema processual penal brasileiro, o princípio do livre convencimento motivado, em que o magistrado pode formar sua convicção ponderando as provas que desejar" (HC 68.840/BA, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 28/4/2015, DJe 11/5/2015). 18. O recorrente, aliás, na oportunidade em que opôs embargos de declaração contra o acórdão condenatório, não alegou sequer a existência de omissão sobre a prova documental em questão. 19. Ainda que assim não fosse, a conta do celular, quando confrontada com as demais provas utilizadas no acórdão, não é apta a configurar o benefício da dúvida em favor do réu. E isto porque o telefone é móvel, ou seja, qualquer pessoa poderia utilizá-lo. Além disso, consta dos autos que as crianças chegaram no sítio às 15h00 e, mesmo que se admitisse que o réu deixou o local às 16h30 ou 17h00, haveria tempo de sobra para o cometimento dos delitos. 20. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, não provido. (REsp 1659662/CE, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 06/04/2017, DJe 19/04/2017)
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso e, nessa parte, negar-lhe provimento. Os Srs. Ministros Joel Ilan Paciornik, Felix Fischer, Jorge Mussi e Reynaldo Soares da Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator. SUSTENTOU ORALMENTE: DR. MARCELO VINÍCIUS GOUVEIA MARTINS (P/RECTE)

Data do Julgamento : 06/04/2017
Data da Publicação : DJe 19/04/2017
Órgão Julgador : T5 - QUINTA TURMA
Relator(a) : Ministro RIBEIRO DANTAS (1181)
Referência legislativa : LEG:FED SUM:****** ANO:********* SUM(STF) SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SUM:000284LEG:FED DEL:003689 ANO:1941***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ART:00400(COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.719/2008)LEG:FED LEI:008038 ANO:1990 ART:00007LEG:FED DEL:002848 ANO:1940***** CP-40 CÓDIGO PENAL ART:0217ALEG:FED LEI:011719 ANO:2008
Veja : (VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO LEGAL - ALEGAÇÃO GENÉRICA) STJ - AgRg no REsp 1376490-ES, AgRg no REsp 1296278-RS(PRODUÇÃO PROBATÓRIA - CRITÉRIO DO MAGISTRADO) STJ - AgRg no AREsp 239438-SP(INTERROGATÓRIO - ÚLTIMO ATO PROCESSUAL) STJ - HC 205364-MG STF - APN-AgRg 528-DF(INTERROGATÓRIO - ÚLTIMO ATO PROCESSUAL - ATO PROCESSUAL ANTERIOR ÀNOVA LEGISLAÇÃO) STJ - AgRg no AREsp 681940-SP, HC 239314-RS(INVESTIGAÇÃO - IRREGULARIDADES - CONTAMINAÇÃO DO PROCESSO -INOCORRÊNCIA) STJ - AgRg no HC 256894-MT(DELITOS CONTRA LIBERDADE SEXUAL - PALAVRA DA VÍTIMA) STJ - REsp 1607392-RO(ESTUPRO DE VULNERÁVEL - CONJUNÇÃO CARNAL - DESNECESSIDADE) STJ - AgRg no AREsp 746018-DF, AgRg no AREsp 967591-ES(VALORAÇÃO PROBATÓRIA - LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO) STJ - HC 68840-BA
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