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Jurisprudência


RHC 38617 / BARECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS2013/0193312-0

Ementa
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ARTIGOS 90 E 96, INCISO V, DA LEI 8.666/1993 E 333 DO CÓDIGO PENAL. NULIDADE. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. MEDIDA QUE TERIA SIDO AUTORIZADA CONTRA O RECORRENTE APENAS POR SER VICE-PRESIDENTE DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA. DELITOS PRATICADOS POR MEIO DE PESSOA JURÍDICA. ACUSADO QUE SERIA O CONTROLADOR E ADMINISTRADOR DA EMPRESA. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA. MÁCULA NÃO CARACTERIZADA. 1. A hipótese cuida de supostos delitos praticados por intermédio de pessoa jurídica, a qual, por se tratar de sujeito de direitos e obrigações, e por não deter vontade própria, atua sempre por representação de uma ou mais pessoas naturais. 2. Embora num primeiro momento o elemento volitivo necessário para a configuração de uma conduta delituosa tenha sido considerado o óbice à responsabilização criminal da pessoa jurídica, é certo que nos dias atuais esta é expressamente admitida, conforme preceitua, por exemplo, o artigo 225, § 3º, da Constituição Federal. 3. E ainda que tal responsabilização seja possível apenas nas hipóteses legais, é certo que a personalidade fictícia atribuída à pessoa jurídica não pode servir de artifício para a prática de condutas espúrias por parte das pessoas naturais responsáveis pela sua condução. 4. Não se pode afirmar que as comunicações telefônicas do recorrente teriam sido interceptadas apenas por ser o dono da sociedade empresária investigada, pois sua condição de vice-presidente revela a existência de um liame entre o seu agir e a suposta prática criminosa, já que se trata do responsável pela administração e condução da pessoa jurídica em questão. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES QUE AUTORIZARAM E PRORROGARAM A QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO. PROVIMENTOS JUDICIAIS MOTIVADOS. EIVA INEXISTENTE. 1. O sigilo das comunicações telefônicas é garantido no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, e para que haja o seu afastamento exige-se ordem judicial que, também por determinação constitucional, precisa ser fundamentada (artigo 93, inciso IX, da Carta Magna). 2. Das decisões judiciais anexadas aos autos, percebe-se que a excepcionalidade do deferimento da interceptação telefônica foi justificada em razão da suspeita da prática de graves infrações penais pelos investigados, tendo sido prolongada no tempo em razão do conteúdo das conversas monitoradas, que indicariam a existência de um complexo grupo que estaria cometendo diversos ilícitos em procedimentos licitatórios e contra a Administração Pública. 3. É ônus da defesa, quando alega violação ao disposto no artigo 2º, inciso II, da Lei 9.296/1996, demonstrar que existiam, de fato, meios investigativos alternativos às autoridades para a elucidação dos fatos à época na qual a medida invasiva foi requerida, sob pena de a utilização da interceptação telefônica se tornar absolutamente inviável. 4. A interceptação telefônica não constituiu a primeira medida de investigação, tendo sido autorizada após a realização de diversas diligências para apurar a suposta fraude no procedimento licitatório que, inclusive, foi objeto de auditoria no Tribunal de Contas do Estado. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. PRORROGAÇÕES SUCESSIVAS. DILIGÊNCIAS QUE ULTRAPASSAM O LIMITE DE 30 (TRINTA) DIAS PREVISTO NO ARTIGO 5º DA LEI 9.296/1996. POSSIBILIDADE. DECISÕES FUNDAMENTADAS. ILICITUDE NÃO EVIDENCIADA. 1. Apesar do artigo 5º da Lei 9.296/1996 prever o prazo máximo de 15 (quinze) dias para a interceptação telefônica, renovável por mais 15 (quinze), não há qualquer restrição ao número de prorrogações possíveis, exigindo-se apenas que haja decisão fundamentando a dilatação do período. Doutrina. Precedentes. 2. Na hipótese em apreço, consoante os respectivos pronunciamentos judiciais, constata-se que a prorrogação das interceptações sempre foi devidamente fundamentada, justificando-se, essencialmente, nas informações coletadas pela autoridade policial em monitoramentos anteriores, indicativas da prática criminosa atribuída aos investigados, não se verificando a alegada ausência de motivação concreta a embasar a extensão da medida, tampouco a pretensa ofensa ao princípio da proporcionalidade. MANDADOS DE INTERCEPTAÇÃO SEM AS RESPECTIVAS DECISÕES JUDICIAIS QUE PERMITIRAM A MEDIDA. EXISTÊNCIA DE NÚMERO GRAMPEADO CUJO MONITORAMENTO NÃO TERIA SIDO REQUERIDO PELA AUTORIDADE POLICIAL OU AUTORIZADO JUDICIALMENTE. AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO COMPROBATÓRIA. NECESSIDADE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. 1. Da leitura acurada das peças processuais que instruem o presente remédio constitucional, verifica-se que não consta dos autos a íntegra do processo em que deferidas as interceptações telefônicas, o que impede o exame das alegações de que haveria dois mandados de quebra de sigilo telefônico sem as respectivas decisões judiciais, bem como de que teria sido monitorado terminal telefônico cujo grampo não teria sido requerido pela autoridade policial, tampouco autorizado judicialmente. 2. O rito do habeas corpus pressupõe prova pré-constituída do direito alegado, devendo a parte demonstrar, de maneira inequívoca, por meio de documentos que evidenciem a pretensão aduzida, a existência do aventado constrangimento ilegal. DEGRAVAÇÃO DAS CONVERSAS INTERCEPTADAS. ALEGADA EMISSÃO DE JUÍZO DE VALOR PELA AUTORIDADE POLICIAL. OBSERVÂNCIA AO ARTIGO 6º, § 1º, DA LEI 9.296/1996. VÍCIO NÃO CONFIGURADO. 1. Como a interceptação, para valer como prova, deve estar gravada, e como a gravação deve ser disponibilizada às partes, tem-se entendido, tanto em sede doutrinária quanto nos Tribunais Superiores, que não é necessária a degravação integral das conversas captadas, pois tal trabalho, além de muitas vezes ser de impossível realização, por outras pode se mostrar totalmente infrutífero. 2. Pelos relatórios de inteligência, únicos documentos referentes à quebra de sigilo das comunicações telefônicas constantes dos autos, depreende-se que não houve a degravação integral dos diálogos que foram interceptados, havendo somente um resumo do objeto da conversa travada. 3. Tal procedimento não configura, por si só, qualquer ilegalidade, uma vez que o relato acerca do conteúdo dos diálogos de interesse para a investigação não significa a emissão de juízo de valor por parte da autoridade policial, a ponto de contaminar a prova colhida, mormente pelo fato de que eventual desconformidade com a realidade pode ser prontamente questionada pela defesa, mediante o cotejo com o respectivo áudio gravado. FALTA DE DESCRIÇÃO DA CONDUTA DO RECORRENTE. AUSÊNCIA DE PROVAS ACERCA DA SUA PARTICIPAÇÃO NOS FATOS. PEÇA INAUGURAL QUE ATENDE AOS REQUISITOS LEGAIS EXIGIDOS E DESCREVE CRIME EM TESE. AMPLA DEFESA GARANTIDA. INÉPCIA NÃO EVIDENCIADA. 1. Não pode ser acoimada de inepta a denúncia formulada em obediência aos requisitos traçados no artigo 41 do Código de Processo Penal, descrevendo perfeitamente as condutas típicas, cuja autoria é atribuída ao recorrente devidamente qualificado, circunstâncias que permitem o exercício da ampla defesa no seio da persecução penal, na qual se observará o devido processo legal. 2. Nos chamados crimes societários, embora a vestibular acusatória não possa ser de todo genérica, é válida quando, apesar de não descrever minuciosamente a atuação individual do acusado, demonstra um liame entre o seu agir e a suposta prática delituosa, estabelecendo a plausibilidade da imputação e possibilitando o exercício da ampla defesa, caso em que se consideram preenchidos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal. EXCESSO ACUSATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE DA PRATICA DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 96, INCISO V, DA LEI 8.666/1993 E ABSORÇÃO DO DELITO DE CORRUPÇÃO ATIVA PELO ILÍCITO PREVISTO NO ARTIGO 90 DA LEI DE LICITAÇÕES. CONTRATO DE AQUISIÇÃO DE VEÍCULOS COM MANUTENÇÃO DA FROTA. INCIDÊNCIA DO ARTIGO 96, INCISO V, DA LEI 8.666/1993. PRÁTICA DOS DELITOS DE FRAUDE À LICITAÇÃO E CORRUPÇÃO ATIVA EM MOMENTOS DISTINTOS. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. AUSÊNCIA DE COAÇÃO ILEGAL. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. Conquanto o objeto da licitação em exame também englobe a prestação de serviços, consistente na manutenção da frota de viaturas, o certo é que o contrato visaria, precipuamente, a aquisição de veículos para a Polícia Militar do Estado, de modo que não se pode cogitar, como pretendem os patronos do recorrente, em inaplicabilidade do artigo 96, inciso V, da Lei 8.666/1993 ao recorrente. 2. Da leitura da exordial acusatória, infere-se que a corrupção ativa, embora também possa ter sido praticada para alcançar a fraude no certame - o que deve ser alvo de comprovação no decorrer da instrução criminal -, foi narrada de forma autônoma pelo órgão acusatório como forma de se alcançar o adimplemento contratual por parte do referido ente federado, após, portanto, o término do certame, circunstância que impede o reconhecimento do pretenso excesso. 3. É imperioso consignar que o acusado se defende dos fatos narrados na denúncia, e não da capitulação jurídica a eles dada pelo Ministério Público, de modo que, caso realmente não se esteja diante da prática de algum dos crimes narrados na inicial, o Juízo responsável pelo feito poderá corrigir o enquadramento jurídico empreendido pela acusação no momento da prolação da sentença, o que reforça a inexistência de constrangimento ilegal a ser reparado por este Sodalício. 4. Recurso desprovido. (RHC 38.617/BA, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 23/06/2015, DJe 03/08/2015)
Acórdão
A Quinta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Gurgel de Faria, Reynaldo Soares da Fonseca e Newton Trisotto (Desembargador Convocado do TJ/SC) votaram com o Sr. Ministro Relator. SUSTENTOU ORALMENTE: DR. ARNALDO MALHEIROS FILHO (P/RECTE)

Data do Julgamento : 23/06/2015
Data da Publicação : DJe 03/08/2015
Órgão Julgador : T5 - QUINTA TURMA
Relator(a) : Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE) (8390)
Referência legislativa : LEG:FED CFB:****** ANO:1988***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ART:00005 INC:00012LEG:FED LEI:009296 ANO:1996 ART:00002 INC:00002 ART:00005LEG:FED DEL:003689 ANO:1941***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ART:00041LEG:FED LEI:008666 ANO:1993***** LC-93 LEI DE LICITAÇÕES ART:00096 INC:00005
Veja : (INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA - PRORROGAÇÕES - REPETIÇÃO DOSFUNDAMENTOS) STJ - APn 690-TO, RHC 53432-RJ, RHC 43037-SP STF - RHC 125392, HC 116989(HABEAS CORPUS - NECESSIDADE DE CÓPIA INTEGRAL DOS AUTOS - PROVAPRÉ-CONSTITUÍDA) STJ - AgRg nos EDcl no HC 317246-PE, HC 286259-MG(CRIMES SOCIETÁRIOS - DENÚNCIA - INDIVIDUALIZAÇÃO PORMENORIZADA DASCONDUTAS) STJ - RHC 55597-SC, AgRg no HC 85566-SP STF - HC 101286, HC 98840
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