RHC 63855 / MGRECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS2015/0234863-9
RECURSO EM HABEAS CORPUS. RELEVÂNCIA DA QUESTÃO JURÍDICA POSTA.
AFETAÇÃO DO WRIT À TERCEIRA SESSÃO. FINALIDADE DE ESTABELECER DIRETRIZES INTERPRETATIVAS PARA CASOS FUTUROS SEMELHANTES. MISSÃO DO STJ COMO CORTE DE PRECEDENTES. PRISÃO PREVENTIVA. PRÁTICA PRETÉRITA DE ATOS INFRACIONAIS. PROBABILIDADE DE RECIDIVA DO COMPORTAMENTO CRIMINOSO. JUÍZO DE CAUTELARIDADE BASEADO NA PERICULOSIDADE DO AGENTE VERSUS PROTEÇÃO ESTATAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE (ECA, ART.
143). DEVER DE PROTEÇÃO QUE CESSA COM A MAIORIDADE DO ACUSADO.
LIBERDADE COMO RISCO DE DANO À ORDEM PÚBLICA. FUNDAMENTO IDÔNEO PARA A DECRETAÇÃO DA MEDIDA EXTREMA. NECESSIDADE DE PONDERAÇÃO PELO MAGISTRADO QUANTO: I) À GRAVIDADE CONCRETA DO ATO INFRACIONAL; II) À DISTÂNCIA TEMPORAL ENTRE OS REGISTROS DA VIJ E A CONDUTA ENSEJADORA DA PRISÃO PREVENTIVA; III) À COMPROVAÇÃO DA OCORRÊNCIA DOS ATOS INFRACIONAIS. REQUISITOS NÃO CUMPRIDOS PELA DECISÃO ORA IMPUGNADA.
LEGALIDADE DA PRISÃO RESPALDADA POR OUTROS FUNDAMENTOS DO DECRETO PREVENTIVO. RECURSO DESPROVIDO.
1. A controvérsia entre as turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte - possibilidade de que, tal qual se dá em relação aos antecedentes penais, sejam os atos infracionais perpetrados pelo acusado, quando ainda era inimputável, considerados para fins cautelares - demanda uniformização quanto ao entendimento sobre a questão jurídica suscitada, o que justifica a afetação deste writ ao órgão colegiado mais qualificado.
2. A probabilidade de recidiva do comportamento criminoso se afere em face do passado do acusado ou pelas circunstâncias específicas relativas ao modus operandi do crime sob exame. Isso equivale a dizer que se o imputado cometeu o crime com, por exemplo, requintes de crueldade e excesso de violência, pode-se concluir que se trata de pessoa perigosa ao convívio social. Ou, por outro ângulo, mais centrado no passado do acusado, se os seus registros criminais denotam ser alguém que já respondeu ou responde por outros crimes de igual natureza, que traduzem um comprometimento com práticas ilícitas graves, não é leviano concluir que se trata de alguém cuja liberdade representa um consistente risco de dano à ordem pública, à paz social, à própria vítima e/ou à coletividade.
3. Os registros sobre o passado de uma pessoa, seja ela quem for, não podem ser desconsiderados para fins cautelares. A avaliação sobre a periculosidade de alguém impõe que se perscrute todo o seu histórico de vida, em especial o seu comportamento perante a comunidade, em atos exteriores, cujas consequências tenham sido sentidas no âmbito social. Se os atos infracionais não servem, por óbvio, como antecedentes penais e muito menos para firmar reincidência (porque tais conceitos implicam a ideia de "crime" anterior), não podem ser ignorados para aferir a personalidade e eventual risco que sua liberdade plena representa para terceiros.
4. É de lembrar, outrossim, que a proteção estatal prevista no ECA, em seu art. 143, é voltada ao adolescente (e à criança), condição que o réu deixou de ostentar ao tornar-se imputável. Com efeito, se, durante a infância e a adolescência do ser humano, é imperiosa a maior proteção estatal, a justificar todas as cautelas e peculiaridades inerentes ao processo na justiça juvenil, inclusive com a imposição do sigilo sobre os atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e, em especial, aos adolescentes aos quais se atribua autoria de ato infracional (art.
143 da Lei n. 8.069/1990), tal dever de proteção cessa com a maioridade penal, como bem destacado no referido precedente.
5. A toda evidência, isso não equivale a sustentar a possibilidade de decretar-se a prisão preventiva, para garantia da ordem pública, simplesmente porque o réu cometeu um ato infracional anterior. O raciocínio é o mesmo que se utiliza para desconsiderar antecedente penal que, por dizer respeito a fato sem maior gravidade, ou já longínquo no tempo, não deve, automaticamente, supedanear o decreto preventivo.
6. Seria, pois, indispensável que a autoridade judiciária competente, para a consideração dos atos infracionais do então adolescente, averiguasse: a) A particular gravidade concreta do ato ou dos atos infracionais, não bastando mencionar sua equivalência a crime abstratamente considerado grave; b) A distância temporal entre os atos infracionais e o crime que deu origem ao processo (ou inquérito policial) no curso do qual se há de decidir sobre a prisão preventiva; c) A comprovação desses atos infracionais anteriores, de sorte a não pairar dúvidas sobre o reconhecimento judicial de sua ocorrência.
7. Na espécie, a par de ausente documentação a respeito, o Juiz natural deixou de apontar, concretamente, quais atos infracionais foram cometidos pelo então adolescente e em que momento e em que circunstâncias eles ocorreram, de sorte a permitir, pelas singularidades do caso concreto, aferir o comportamento passado do réu, sua personalidade e, por conseguinte, elaborar um prognóstico de recidiva delitiva e de periculosidade do acusado.
8. No entanto, há outras razões invocadas pelo Juízo singular que se mostram suficientes para dar ares de legalidade à ordem de prisão do ora paciente, ao ressaltar "que o crime foi praticado com grave violência, demonstrando conduta perigosa que não aconselha a liberdade", bem como o fato de o delito ter sido cometido em razão de dívida de drogas, em concurso de pessoas, por determinação do paciente, "que comanda uma das quadrilhas de tráfico de entorpecentes da região".
9. Recurso em habeas corpus desprovido.
(RHC 63.855/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/05/2016, DJe 13/06/2016)
Ementa
RECURSO EM HABEAS CORPUS. RELEVÂNCIA DA QUESTÃO JURÍDICA POSTA.
AFETAÇÃO DO WRIT À TERCEIRA SESSÃO. FINALIDADE DE ESTABELECER DIRETRIZES INTERPRETATIVAS PARA CASOS FUTUROS SEMELHANTES. MISSÃO DO STJ COMO CORTE DE PRECEDENTES. PRISÃO PREVENTIVA. PRÁTICA PRETÉRITA DE ATOS INFRACIONAIS. PROBABILIDADE DE RECIDIVA DO COMPORTAMENTO CRIMINOSO. JUÍZO DE CAUTELARIDADE BASEADO NA PERICULOSIDADE DO AGENTE VERSUS PROTEÇÃO ESTATAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE (ECA, ART.
143). DEVER DE PROTEÇÃO QUE CESSA COM A MAIORIDADE DO ACUSADO.
LIBERDADE COMO RISCO DE DANO À ORDEM PÚBLICA. FUNDAMENTO IDÔNEO PARA A DECRETAÇÃO DA MEDIDA EXTREMA. NECESSIDADE DE PONDERAÇÃO PELO MAGISTRADO QUANTO: I) À GRAVIDADE CONCRETA DO ATO INFRACIONAL; II) À DISTÂNCIA TEMPORAL ENTRE OS REGISTROS DA VIJ E A CONDUTA ENSEJADORA DA PRISÃO PREVENTIVA; III) À COMPROVAÇÃO DA OCORRÊNCIA DOS ATOS INFRACIONAIS. REQUISITOS NÃO CUMPRIDOS PELA DECISÃO ORA IMPUGNADA.
LEGALIDADE DA PRISÃO RESPALDADA POR OUTROS FUNDAMENTOS DO DECRETO PREVENTIVO. RECURSO DESPROVIDO.
1. A controvérsia entre as turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte - possibilidade de que, tal qual se dá em relação aos antecedentes penais, sejam os atos infracionais perpetrados pelo acusado, quando ainda era inimputável, considerados para fins cautelares - demanda uniformização quanto ao entendimento sobre a questão jurídica suscitada, o que justifica a afetação deste writ ao órgão colegiado mais qualificado.
2. A probabilidade de recidiva do comportamento criminoso se afere em face do passado do acusado ou pelas circunstâncias específicas relativas ao modus operandi do crime sob exame. Isso equivale a dizer que se o imputado cometeu o crime com, por exemplo, requintes de crueldade e excesso de violência, pode-se concluir que se trata de pessoa perigosa ao convívio social. Ou, por outro ângulo, mais centrado no passado do acusado, se os seus registros criminais denotam ser alguém que já respondeu ou responde por outros crimes de igual natureza, que traduzem um comprometimento com práticas ilícitas graves, não é leviano concluir que se trata de alguém cuja liberdade representa um consistente risco de dano à ordem pública, à paz social, à própria vítima e/ou à coletividade.
3. Os registros sobre o passado de uma pessoa, seja ela quem for, não podem ser desconsiderados para fins cautelares. A avaliação sobre a periculosidade de alguém impõe que se perscrute todo o seu histórico de vida, em especial o seu comportamento perante a comunidade, em atos exteriores, cujas consequências tenham sido sentidas no âmbito social. Se os atos infracionais não servem, por óbvio, como antecedentes penais e muito menos para firmar reincidência (porque tais conceitos implicam a ideia de "crime" anterior), não podem ser ignorados para aferir a personalidade e eventual risco que sua liberdade plena representa para terceiros.
4. É de lembrar, outrossim, que a proteção estatal prevista no ECA, em seu art. 143, é voltada ao adolescente (e à criança), condição que o réu deixou de ostentar ao tornar-se imputável. Com efeito, se, durante a infância e a adolescência do ser humano, é imperiosa a maior proteção estatal, a justificar todas as cautelas e peculiaridades inerentes ao processo na justiça juvenil, inclusive com a imposição do sigilo sobre os atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e, em especial, aos adolescentes aos quais se atribua autoria de ato infracional (art.
143 da Lei n. 8.069/1990), tal dever de proteção cessa com a maioridade penal, como bem destacado no referido precedente.
5. A toda evidência, isso não equivale a sustentar a possibilidade de decretar-se a prisão preventiva, para garantia da ordem pública, simplesmente porque o réu cometeu um ato infracional anterior. O raciocínio é o mesmo que se utiliza para desconsiderar antecedente penal que, por dizer respeito a fato sem maior gravidade, ou já longínquo no tempo, não deve, automaticamente, supedanear o decreto preventivo.
6. Seria, pois, indispensável que a autoridade judiciária competente, para a consideração dos atos infracionais do então adolescente, averiguasse: a) A particular gravidade concreta do ato ou dos atos infracionais, não bastando mencionar sua equivalência a crime abstratamente considerado grave; b) A distância temporal entre os atos infracionais e o crime que deu origem ao processo (ou inquérito policial) no curso do qual se há de decidir sobre a prisão preventiva; c) A comprovação desses atos infracionais anteriores, de sorte a não pairar dúvidas sobre o reconhecimento judicial de sua ocorrência.
7. Na espécie, a par de ausente documentação a respeito, o Juiz natural deixou de apontar, concretamente, quais atos infracionais foram cometidos pelo então adolescente e em que momento e em que circunstâncias eles ocorreram, de sorte a permitir, pelas singularidades do caso concreto, aferir o comportamento passado do réu, sua personalidade e, por conseguinte, elaborar um prognóstico de recidiva delitiva e de periculosidade do acusado.
8. No entanto, há outras razões invocadas pelo Juízo singular que se mostram suficientes para dar ares de legalidade à ordem de prisão do ora paciente, ao ressaltar "que o crime foi praticado com grave violência, demonstrando conduta perigosa que não aconselha a liberdade", bem como o fato de o delito ter sido cometido em razão de dívida de drogas, em concurso de pessoas, por determinação do paciente, "que comanda uma das quadrilhas de tráfico de entorpecentes da região".
9. Recurso em habeas corpus desprovido.
(RHC 63.855/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/05/2016, DJe 13/06/2016)Acórdão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Terceira Seção, retomado o julgamento, após
o voto-vista antecipado do Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz,
acompanhando a divergência inaugurada pelo Sr. Ministro Gurgel de
Faria, negando provimento ao recurso, sob o entendimento de que atos
infracionais podem servir de fundamento à prisão preventiva, no que
foi acompanhado pelos Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Antonio
Saldanha Palheiro (declarou-se apto a votar) e Jorge Mussi
(declarou-se apto a votar), e o voto do Sr. Ministro Reynaldo Soares
da Fonseca, acompanhando a divergência, negando provimento ao
recurso, porém sob entendimento diverso, reconhecendo que atos
infracionais não podem servir de fundamento à prisão preventiva, nos
termos do voto do Sr. Ministro Felix Fischer, por maioria, negar
provimento ao recurso, sob o entendimento de que atos infracionais
podem servir de fundamento à prisão preventiva, nos termos do voto
do Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz, que lavrará o acórdão.
Vencidos os Srs. Ministros Nefi Cordeiro (Relator) e Maria Thereza
de Assis Moura, que davam provimento ao recurso em habeas corpus,
para conceder a liberdade ao recorrente, sob o entendimento de que
atos infracionais não poderiam servir de fundamento à prisão
preventiva. Votaram vencidos os Srs. Ministros Nefi Cordeiro
(Relator) e Maria Thereza de Assis Moura. Votaram com o Sr. Ministro
Gurgel de Faria os Srs. Ministros Rogerio Schietti Cruz (Relator
para acórdão), Reynaldo Soares da Fonseca (por fundamento diverso),
Ribeiro Dantas, Antonio Saldanha Palheiro (declarou-se apto a
votar), Felix Fischer (por fundamento diverso) e Jorge Mussi
(declarou-se apto a votar). Não participou do julgamento o Sr.
Ministro Joel Ilan Paciornik, sucessor do Sr. Ministro Gurgel de
Faria. Ausente, justificadamente, nesta assentada, a Sra. Ministra
Maria Thereza de Assis Moura. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro
Sebastião Reis Júnior.
Data do Julgamento
:
11/05/2016
Data da Publicação
:
DJe 13/06/2016
Órgão Julgador
:
S3 - TERCEIRA SEÇÃO
Relator(a)
:
Ministro NEFI CORDEIRO (1159)
Relator a p acórdão
:
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ (1158)
Informações adicionais
:
"[...] não se identifica o alegado excesso de prazo, uma vez
que, nos termos das informações prestadas pelo Juízo 'a quo' no
mandamus originário, verifica-se que a instrução está encerrada,
estando no aguardo apenas das alegações finais das partes [...].
Dessarte, deve ser aplicado ao caso, como o fez o eg. Tribunal
'a quo', o disposto no enunciado n. 52 da Súmula do STJ [...]".
(VOTO VENCIDO) (MIN. NEFI CORDEIRO)
"[...] a vida na época da menoridade não pode ser levada em
consideração para quaisquer fins do Direito Penal. Se não é possível
usar como maus antecedentes e, é claro, jamais como reincidência, os
fatos ocorridos ainda na adolescência, inclusive acobertados pelo
sigilo e com medidas judiciais exclusivamente voltadas à proteção do
jovem, porquanto atos infracionais não configuram crimes, não servem
de lastro a uma pretensa personalidade voltada à prática de crimes.
Atos infracionais anteriores somente terão efeito na apuração
de outros atos infracionais, amparando, v. g., a internação (ECA,
art. 122, II), e não no processo por crimes".
Referência legislativa
:
LEG:FED DEL:003689 ANO:1941***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ART:00312LEG:FED LEI:008069 ANO:1990***** ECA-90 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ART:00122 INC:00002 ART:00143LEG:FED SUM:****** ANO:********* SUM(STJ) SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SUM:000052
Veja
:
(PRISÃO PREVENTIVA - CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS - PERICULOSIDADE -GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA) STJ - HC 341764-PB, RHC 63462-ES, HC 336253-SP, RHC 65283-BA STF - HC 102065-PE(PRISÃO PREVENTIVA - EXCESSO DE PRAZO - RAZOABILIDADE) STJ - RHC 48660-RS(PRISÃO PREVENTIVA - EXCESSO DE PRAZO - ENCERRADA A INSTRUÇÃOCRIMINAL - SÚMULA 52 DO STJ) STJ - HC 252015-SP, HC 267598-MG(PRISÃO PREVENTIVA - REITERAÇÃO DELITIVA - ATOS INFRACIONAISANTERIORES - POSSIBILIDADE) STJ - HC 315618-SP, RHC 55996-BA, RHC 55736-DF,, STF - HC 336047, RHC-MC 134121-DF(PRISÃO PREVENTIVA - REITERAÇÃO DELITIVA) STJ - HC 296251-SP, RHC 68714-SP, RHC 67449-MG(PRISÃO PREVENTIVA - REITERAÇÃO DELITIVA - ATOS INFRACIONAISANTERIORES - EXCEPCIONALIDADE) STJ - HC 343208-SP(VOTO VISTA - PRISÃO PREVENTIVA - REITERAÇÃO DELITIVA - ATOSINFRACIONAIS ANTERIORES - IMPOSSIBILIDADE) STJ - RHC 55058-CE, HC 334148-SP, HC 340668-DF
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