STF ADI 2213 MC / DF - DISTRITO FEDERAL MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - A QUESTÃO DO
ABUSO PRESIDENCIAL NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS - POSSIBILIDADE
DE CONTROLE JURISDICIONAL DOS PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS DA
URGÊNCIA E DA RELEVÂNCIA (CF, ART. 62, CAPUT) - REFORMA AGRÁRIA -
NECESSIDADE DE SUA IMPLEMENTAÇÃO - INVASÃO DE IMÓVEIS RURAIS
PRIVADOS E DE PRÉDIOS PÚBLICOS - INADMISSIBILIDADE - ILICITUDE DO
ESBULHO POSSESSÓRIO - LEGITIMIDADE DA REAÇÃO ESTATAL AOS ATOS DE
VIOLAÇÃO POSSESSÓRIA - RECONHECIMENTO, EM JUÍZO DE DELIBAÇÃO, DA
VALIDADE CONSTITUCIONAL DA MP Nº 2.027-38/2000, REEDITADA, PELA
ÚLTIMA VEZ, COMO MP Nº 2.183-56/2001 - INOCORRÊNCIA DE NOVA HIPÓTESE
DE INEXPROPRIABILIDADE DE IMÓVEIS RURAIS - MEDIDA PROVISÓRIA QUE SE
DESTINA, TÃO-SOMENTE, A INIBIR PRÁTICAS DE TRANSGRESSÃO À
AUTORIDADE DAS LEIS E À INTEGRIDADE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA -
ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE INSUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADA
QUANTO A UMA DAS NORMAS EM EXAME - INVIABILIDADE DA IMPUGNAÇÃO
GENÉRICA - CONSEQÜENTE INCOGNOSCIBILIDADE PARCIAL DA AÇÃO DIRETA -
PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR CONHECIDO EM PARTE E, NESSA PARTE,
INDEFERIDO.
POSSIBILIDADE DE CONTROLE JURISDICIONAL DOS
PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS (URGÊNCIA E RELEVÂNCIA) QUE CONDICIONAM
A EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS.
- A edição de medidas
provisórias, pelo Presidente da República, para legitimar-se
juridicamente, depende, dentre outros requisitos, da estrita
observância dos pressupostos constitucionais da urgência e da
relevância (CF, art. 62, "caput").
- Os pressupostos da urgência
e da relevância, embora conceitos jurídicos relativamente
indeterminados e fluidos, mesmo expondo-se, inicialmente, à
avaliação discricionária do Presidente da República, estão sujeitos,
ainda que excepcionalmente, ao controle do Poder Judiciário, porque
compõem a própria estrutura constitucional que disciplina as
medidas provisórias, qualificando-se como requisitos legitimadores e
juridicamente condicionantes do exercício, pelo Chefe do Poder
Executivo, da competência normativa primária que lhe foi outorgada,
extraordinariamente, pela Constituição da República. Doutrina.
Precedentes.
- A possibilidade de controle jurisdicional, mesmo
sendo excepcional, apóia-se na necessidade de impedir que o
Presidente da República, ao editar medidas provisórias, incida em
excesso de poder ou em situação de manifesto abuso institucional,
pois o sistema de limitação de poderes não permite que práticas
governamentais abusivas venham a prevalecer sobre os postulados
constitucionais que informam a concepção democrática de Poder e de
Estado, especialmente naquelas hipóteses em que se registrar o
exercício anômalo e arbitrário das funções estatais.
UTILIZAÇÃO
ABUSIVA DE MEDIDAS PROVISÓRIAS - INADMISSIBILIDADE - PRINCÍPIO DA
SEPARAÇÃO DOS PODERES - COMPETÊNCIA EXTRAORDINÁRIA DO PRESIDENTE DA
REPÚBLICA.
- A crescente apropriação institucional do poder de
legislar, por parte dos sucessivos Presidentes da República, tem
despertado graves preocupações de ordem jurídica, em razão do fato
de a utilização excessiva das medidas provisórias causar profundas
distorções que se projetam no plano das relações políticas entre os
Poderes Executivo e Legislativo.
- Nada pode justificar a
utilização abusiva de medidas provisórias, sob pena de o Executivo -
quando ausentes razões constitucionais de urgência, necessidade e
relevância material -, investir-se, ilegitimamente, na mais
relevante função institucional que pertence ao Congresso Nacional,
vindo a converter-se, no âmbito da comunidade estatal, em instância
hegemônica de poder, afetando, desse modo, com grave prejuízo para o
regime das liberdades públicas e sérios reflexos sobre o sistema de
"checks and balances", a relação de equilíbrio que necessariamente
deve existir entre os Poderes da República.
- Cabe, ao Poder
Judiciário, no desempenho das funções que lhe são inerentes, impedir
que o exercício compulsivo da competência extraordinária de editar
medida provisória culmine por introduzir, no processo institucional
brasileiro, em matéria legislativa, verdadeiro cesarismo
governamental, provocando, assim, graves distorções no modelo
político e gerando sérias disfunções comprometedoras da integridade
do princípio constitucional da separação de poderes.
-
Configuração, na espécie, dos pressupostos constitucionais
legitimadores das medidas provisórias ora impugnadas. Conseqüente
reconhecimento da constitucionalidade formal dos atos presidenciais
em questão.
RELEVÂNCIA DA QUESTÃO FUNDIÁRIA - O CARÁTER
RELATIVO DO DIREITO DE PROPRIEDADE - A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
- IMPORTÂNCIA DO PROCESSO DE REFORMA AGRÁRIA - NECESSIDADE DE
NEUTRALIZAR O ESBULHO POSSESSÓRIO PRATICADO CONTRA BENS PÚBLICOS E
CONTRA A PROPRIEDADE PRIVADA - A PRIMAZIA DAS LEIS E DA CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.
- O direito de
propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele,
pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função
social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a
intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo,
para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados
na própria Constituição da República.
- O acesso à terra, a
solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado
do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais
disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de
realização da função social da propriedade. A desapropriação, nesse
contexto - enquanto sanção constitucional imponível ao
descumprimento da função social da propriedade - reflete importante
instrumento destinado a dar conseqüência aos compromissos assumidos
pelo Estado na ordem econômica e social.
- Incumbe, ao
proprietário da terra, o dever jurídico- -social de cultivá-la e
de explorá-la adequadamente, sob pena de incidir nas disposições
constitucionais e legais que sancionam os senhores de imóveis
ociosos, não cultivados e/ou improdutivos, pois só se tem por
atendida a função social que condiciona o exercício do direito de
propriedade, quando o titular do domínio cumprir a obrigação (1) de
favorecer o bem-estar dos que na terra labutam; (2) de manter
níveis satisfatórios de produtividade; (3) de assegurar a
conservação dos recursos naturais; e (4) de observar as disposições
legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que
possuem o domínio e aqueles que cultivam a propriedade.
O
ESBULHO POSSESSÓRIO - MESMO TRATANDO-SE DE PROPRIEDADES ALEGADAMENTE
IMPRODUTIVAS - CONSTITUI ATO REVESTIDO DE ILICITUDE JURÍDICA.
-
Revela-se contrária ao Direito, porque constitui atividade à margem
da lei, sem qualquer vinculação ao sistema jurídico, a conduta
daqueles que - particulares, movimentos ou organizações sociais -
visam, pelo emprego arbitrário da força e pela ocupação ilícita de
prédios públicos e de imóveis rurais, a constranger, de modo
autoritário, o Poder Público a promover ações expropriatórias, para
efeito de execução do programa de reforma agrária.
- O processo
de reforma agrária, em uma sociedade estruturada em bases
democráticas, não pode ser implementado pelo uso arbitrário da força
e pela prática de atos ilícitos de violação possessória, ainda que
se cuide de imóveis alegadamente improdutivos, notadamente porque a
Constituição da República - ao amparar o proprietário com a cláusula
de garantia do direito de propriedade (CF, art. 5º, XXII) -
proclama que "ninguém será privado (...) de seus bens, sem o devido
processo legal" (art. 5º, LIV).
- O respeito à lei e à autoridade
da Constituição da República representa condição indispensável e
necessária ao exercício da liberdade e à prática responsável da
cidadania, nada podendo legitimar a ruptura da ordem jurídica, quer
por atuação de movimentos sociais (qualquer que seja o perfil
ideológico que ostentem), quer por iniciativa do Estado, ainda que
se trate da efetivação da reforma agrária, pois, mesmo esta,
depende, para viabilizar-se constitucionalmente, da necessária
observância dos princípios e diretrizes que estruturam o ordenamento
positivo nacional.
- O esbulho possessório, além de
qualificar-se como ilícito civil, também pode configurar situação
revestida de tipicidade penal, caracterizando-se, desse modo, como
ato criminoso (CP, art. 161, § 1º, II; Lei nº 4.947/66, art.
20).
- Os atos configuradores de violação possessória, além de
instaurarem situações impregnadas de inegável ilicitude civil e
penal, traduzem hipóteses caracterizadoras de força maior, aptas,
quando concretamente ocorrentes, a infirmar a própria eficácia da
declaração expropriatória. Precedentes.
O RESPEITO À LEI E A
POSSIBILIDADE DE ACESSO À JURISDIÇÃO DO ESTADO (ATÉ MESMO PARA
CONTESTAR A VALIDADE JURÍDICA DA PRÓPRIA LEI) CONSTITUEM VALORES
ESSENCIAIS E NECESSÁRIOS À PRESERVAÇÃO DA ORDEM DEMOCRÁTICA.
- A
necessidade de respeito ao império da lei e a possibilidade de
invocação da tutela jurisdicional do Estado - que constituem valores
essenciais em uma sociedade democrática, estruturada sob a égide do
princípio da liberdade - devem representar o sopro inspirador da
harmonia social, além de significar um veto permanente a qualquer
tipo de comportamento cuja motivação derive do intuito deliberado de
praticar gestos inaceitáveis de violência e de ilicitude, como os
atos de invasão da propriedade alheia e de desrespeito à autoridade
das leis da República.
RECONHECIMENTO, EM JUÍZO DE DELIBAÇÃO,
DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA MP Nº 2.027-38/2000, REEDITADA,
PELA ÚLTIMA VEZ, COMO MP Nº 2.183-56/2001.
- Não é lícito ao
Estado aceitar, passivamente, a imposição, por qualquer entidade ou
movimento social organizado, de uma agenda político-social, quando
caracterizada por práticas ilegítimas de invasão de propriedades
rurais, em desafio inaceitável à integridade e à autoridade da ordem
jurídica.
- O Supremo Tribunal Federal não pode validar
comportamentos ilícitos. Não deve chancelar, jurisdicionalmente,
agressões inconstitucionais ao direito de propriedade e à posse de
terceiros. Não pode considerar, nem deve reconhecer, por isso mesmo,
invasões ilegais da propriedade alheia ou atos de esbulho
possessório como instrumentos de legitimação da expropriação estatal
de bens particulares, cuja submissão, a qualquer programa de
reforma agrária, supõe, para regularmente efetivar-se, o estrito
cumprimento das formas e dos requisitos previstos nas leis e na
Constituição da República.
- As prescrições constantes da MP
2.027-38/2000, reeditada, pela última vez, como MP nº 2.183-56/2001,
precisamente porque têm por finalidade neutralizar abusos e atos de
violação possessória, praticados contra proprietários de imóveis
rurais, não se mostram eivadas de inconstitucionalidade (ao menos em
juízo de estrita delibação), pois visam, em última análise, a
resguardar a integridade de valores protegidos pela própria
Constituição da República. O sistema constitucional não tolera a
prática de atos, que, concretizadores de invasões fundiárias,
culminam por gerar - considerada a própria ilicitude dessa conduta -
grave situação de insegurança jurídica, de intranqüilidade social e
de instabilidade da ordem pública.
AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE E DEVER PROCESSUAL DE FUNDAMENTAR A
IMPUGNAÇÃO.
- O Supremo Tribunal Federal, no desempenho de sua
atividade jurisdicional, não está condicionado às razões de ordem
jurídica invocadas como suporte da pretensão de
inconstitucionalidade deduzida pelo autor da ação direta. Tal
circunstância, no entanto, não suprime, à parte, o dever processual
de motivar o pedido e de identificar, na Constituição, em obséquio
ao princípio da especificação das normas, os dispositivos
alegadamente violados pelo ato normativo que pretende
impugnar.
Impõe-se, ao autor, no processo de controle concentrado
de constitucionalidade, sob pena de não conhecimento (total ou
parcial) da ação direta, indicar as normas de referência - que,
inscritas na Constituição da República, revestem-se, por isso mesmo,
de parametricidade -, em ordem a viabilizar a aferição da
conformidade vertical dos atos normativos infraconstitucionais.
Precedentes (RTJ 179/35-37, v.g.).
Ementa
E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - A QUESTÃO DO
ABUSO PRESIDENCIAL NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS - POSSIBILIDADE
DE CONTROLE JURISDICIONAL DOS PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS DA
URGÊNCIA E DA RELEVÂNCIA (CF, ART. 62, CAPUT) - REFORMA AGRÁRIA -
NECESSIDADE DE SUA IMPLEMENTAÇÃO - INVASÃO DE IMÓVEIS RURAIS
PRIVADOS E DE PRÉDIOS PÚBLICOS - INADMISSIBILIDADE - ILICITUDE DO
ESBULHO POSSESSÓRIO - LEGITIMIDADE DA REAÇÃO ESTATAL AOS ATOS DE
VIOLAÇÃO POSSESSÓRIA - RECONHECIMENTO, EM JUÍZO DE DELIBAÇÃO, DA
VALIDADE CONSTITUCIONAL DA MP Nº 2.027-38/2000, REEDITADA, PELA
ÚLTIMA VEZ, COMO MP Nº 2.183-56/2001 - INOCORRÊNCIA DE NOVA HIPÓTESE
DE INEXPROPRIABILIDADE DE IMÓVEIS RURAIS - MEDIDA PROVISÓRIA QUE SE
DESTINA, TÃO-SOMENTE, A INIBIR PRÁTICAS DE TRANSGRESSÃO À
AUTORIDADE DAS LEIS E À INTEGRIDADE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA -
ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE INSUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADA
QUANTO A UMA DAS NORMAS EM EXAME - INVIABILIDADE DA IMPUGNAÇÃO
GENÉRICA - CONSEQÜENTE INCOGNOSCIBILIDADE PARCIAL DA AÇÃO DIRETA -
PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR CONHECIDO EM PARTE E, NESSA PARTE,
INDEFERIDO.
POSSIBILIDADE DE CONTROLE JURISDICIONAL DOS
PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS (URGÊNCIA E RELEVÂNCIA) QUE CONDICIONAM
A EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS.
- A edição de medidas
provisórias, pelo Presidente da República, para legitimar-se
juridicamente, depende, dentre outros requisitos, da estrita
observância dos pressupostos constitucionais da urgência e da
relevância (CF, art. 62, "caput").
- Os pressupostos da urgência
e da relevância, embora conceitos jurídicos relativamente
indeterminados e fluidos, mesmo expondo-se, inicialmente, à
avaliação discricionária do Presidente da República, estão sujeitos,
ainda que excepcionalmente, ao controle do Poder Judiciário, porque
compõem a própria estrutura constitucional que disciplina as
medidas provisórias, qualificando-se como requisitos legitimadores e
juridicamente condicionantes do exercício, pelo Chefe do Poder
Executivo, da competência normativa primária que lhe foi outorgada,
extraordinariamente, pela Constituição da República. Doutrina.
Precedentes.
- A possibilidade de controle jurisdicional, mesmo
sendo excepcional, apóia-se na necessidade de impedir que o
Presidente da República, ao editar medidas provisórias, incida em
excesso de poder ou em situação de manifesto abuso institucional,
pois o sistema de limitação de poderes não permite que práticas
governamentais abusivas venham a prevalecer sobre os postulados
constitucionais que informam a concepção democrática de Poder e de
Estado, especialmente naquelas hipóteses em que se registrar o
exercício anômalo e arbitrário das funções estatais.
UTILIZAÇÃO
ABUSIVA DE MEDIDAS PROVISÓRIAS - INADMISSIBILIDADE - PRINCÍPIO DA
SEPARAÇÃO DOS PODERES - COMPETÊNCIA EXTRAORDINÁRIA DO PRESIDENTE DA
REPÚBLICA.
- A crescente apropriação institucional do poder de
legislar, por parte dos sucessivos Presidentes da República, tem
despertado graves preocupações de ordem jurídica, em razão do fato
de a utilização excessiva das medidas provisórias causar profundas
distorções que se projetam no plano das relações políticas entre os
Poderes Executivo e Legislativo.
- Nada pode justificar a
utilização abusiva de medidas provisórias, sob pena de o Executivo -
quando ausentes razões constitucionais de urgência, necessidade e
relevância material -, investir-se, ilegitimamente, na mais
relevante função institucional que pertence ao Congresso Nacional,
vindo a converter-se, no âmbito da comunidade estatal, em instância
hegemônica de poder, afetando, desse modo, com grave prejuízo para o
regime das liberdades públicas e sérios reflexos sobre o sistema de
"checks and balances", a relação de equilíbrio que necessariamente
deve existir entre os Poderes da República.
- Cabe, ao Poder
Judiciário, no desempenho das funções que lhe são inerentes, impedir
que o exercício compulsivo da competência extraordinária de editar
medida provisória culmine por introduzir, no processo institucional
brasileiro, em matéria legislativa, verdadeiro cesarismo
governamental, provocando, assim, graves distorções no modelo
político e gerando sérias disfunções comprometedoras da integridade
do princípio constitucional da separação de poderes.
-
Configuração, na espécie, dos pressupostos constitucionais
legitimadores das medidas provisórias ora impugnadas. Conseqüente
reconhecimento da constitucionalidade formal dos atos presidenciais
em questão.
RELEVÂNCIA DA QUESTÃO FUNDIÁRIA - O CARÁTER
RELATIVO DO DIREITO DE PROPRIEDADE - A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
- IMPORTÂNCIA DO PROCESSO DE REFORMA AGRÁRIA - NECESSIDADE DE
NEUTRALIZAR O ESBULHO POSSESSÓRIO PRATICADO CONTRA BENS PÚBLICOS E
CONTRA A PROPRIEDADE PRIVADA - A PRIMAZIA DAS LEIS E DA CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.
- O direito de
propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele,
pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função
social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a
intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo,
para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados
na própria Constituição da República.
- O acesso à terra, a
solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado
do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais
disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de
realização da função social da propriedade. A desapropriação, nesse
contexto - enquanto sanção constitucional imponível ao
descumprimento da função social da propriedade - reflete importante
instrumento destinado a dar conseqüência aos compromissos assumidos
pelo Estado na ordem econômica e social.
- Incumbe, ao
proprietário da terra, o dever jurídico- -social de cultivá-la e
de explorá-la adequadamente, sob pena de incidir nas disposições
constitucionais e legais que sancionam os senhores de imóveis
ociosos, não cultivados e/ou improdutivos, pois só se tem por
atendida a função social que condiciona o exercício do direito de
propriedade, quando o titular do domínio cumprir a obrigação (1) de
favorecer o bem-estar dos que na terra labutam; (2) de manter
níveis satisfatórios de produtividade; (3) de assegurar a
conservação dos recursos naturais; e (4) de observar as disposições
legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que
possuem o domínio e aqueles que cultivam a propriedade.
O
ESBULHO POSSESSÓRIO - MESMO TRATANDO-SE DE PROPRIEDADES ALEGADAMENTE
IMPRODUTIVAS - CONSTITUI ATO REVESTIDO DE ILICITUDE JURÍDICA.
-
Revela-se contrária ao Direito, porque constitui atividade à margem
da lei, sem qualquer vinculação ao sistema jurídico, a conduta
daqueles que - particulares, movimentos ou organizações sociais -
visam, pelo emprego arbitrário da força e pela ocupação ilícita de
prédios públicos e de imóveis rurais, a constranger, de modo
autoritário, o Poder Público a promover ações expropriatórias, para
efeito de execução do programa de reforma agrária.
- O processo
de reforma agrária, em uma sociedade estruturada em bases
democráticas, não pode ser implementado pelo uso arbitrário da força
e pela prática de atos ilícitos de violação possessória, ainda que
se cuide de imóveis alegadamente improdutivos, notadamente porque a
Constituição da República - ao amparar o proprietário com a cláusula
de garantia do direito de propriedade (CF, art. 5º, XXII) -
proclama que "ninguém será privado (...) de seus bens, sem o devido
processo legal" (art. 5º, LIV).
- O respeito à lei e à autoridade
da Constituição da República representa condição indispensável e
necessária ao exercício da liberdade e à prática responsável da
cidadania, nada podendo legitimar a ruptura da ordem jurídica, quer
por atuação de movimentos sociais (qualquer que seja o perfil
ideológico que ostentem), quer por iniciativa do Estado, ainda que
se trate da efetivação da reforma agrária, pois, mesmo esta,
depende, para viabilizar-se constitucionalmente, da necessária
observância dos princípios e diretrizes que estruturam o ordenamento
positivo nacional.
- O esbulho possessório, além de
qualificar-se como ilícito civil, também pode configurar situação
revestida de tipicidade penal, caracterizando-se, desse modo, como
ato criminoso (CP, art. 161, § 1º, II; Lei nº 4.947/66, art.
20).
- Os atos configuradores de violação possessória, além de
instaurarem situações impregnadas de inegável ilicitude civil e
penal, traduzem hipóteses caracterizadoras de força maior, aptas,
quando concretamente ocorrentes, a infirmar a própria eficácia da
declaração expropriatória. Precedentes.
O RESPEITO À LEI E A
POSSIBILIDADE DE ACESSO À JURISDIÇÃO DO ESTADO (ATÉ MESMO PARA
CONTESTAR A VALIDADE JURÍDICA DA PRÓPRIA LEI) CONSTITUEM VALORES
ESSENCIAIS E NECESSÁRIOS À PRESERVAÇÃO DA ORDEM DEMOCRÁTICA.
- A
necessidade de respeito ao império da lei e a possibilidade de
invocação da tutela jurisdicional do Estado - que constituem valores
essenciais em uma sociedade democrática, estruturada sob a égide do
princípio da liberdade - devem representar o sopro inspirador da
harmonia social, além de significar um veto permanente a qualquer
tipo de comportamento cuja motivação derive do intuito deliberado de
praticar gestos inaceitáveis de violência e de ilicitude, como os
atos de invasão da propriedade alheia e de desrespeito à autoridade
das leis da República.
RECONHECIMENTO, EM JUÍZO DE DELIBAÇÃO,
DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA MP Nº 2.027-38/2000, REEDITADA,
PELA ÚLTIMA VEZ, COMO MP Nº 2.183-56/2001.
- Não é lícito ao
Estado aceitar, passivamente, a imposição, por qualquer entidade ou
movimento social organizado, de uma agenda político-social, quando
caracterizada por práticas ilegítimas de invasão de propriedades
rurais, em desafio inaceitável à integridade e à autoridade da ordem
jurídica.
- O Supremo Tribunal Federal não pode validar
comportamentos ilícitos. Não deve chancelar, jurisdicionalmente,
agressões inconstitucionais ao direito de propriedade e à posse de
terceiros. Não pode considerar, nem deve reconhecer, por isso mesmo,
invasões ilegais da propriedade alheia ou atos de esbulho
possessório como instrumentos de legitimação da expropriação estatal
de bens particulares, cuja submissão, a qualquer programa de
reforma agrária, supõe, para regularmente efetivar-se, o estrito
cumprimento das formas e dos requisitos previstos nas leis e na
Constituição da República.
- As prescrições constantes da MP
2.027-38/2000, reeditada, pela última vez, como MP nº 2.183-56/2001,
precisamente porque têm por finalidade neutralizar abusos e atos de
violação possessória, praticados contra proprietários de imóveis
rurais, não se mostram eivadas de inconstitucionalidade (ao menos em
juízo de estrita delibação), pois visam, em última análise, a
resguardar a integridade de valores protegidos pela própria
Constituição da República. O sistema constitucional não tolera a
prática de atos, que, concretizadores de invasões fundiárias,
culminam por gerar - considerada a própria ilicitude dessa conduta -
grave situação de insegurança jurídica, de intranqüilidade social e
de instabilidade da ordem pública.
AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE E DEVER PROCESSUAL DE FUNDAMENTAR A
IMPUGNAÇÃO.
- O Supremo Tribunal Federal, no desempenho de sua
atividade jurisdicional, não está condicionado às razões de ordem
jurídica invocadas como suporte da pretensão de
inconstitucionalidade deduzida pelo autor da ação direta. Tal
circunstância, no entanto, não suprime, à parte, o dever processual
de motivar o pedido e de identificar, na Constituição, em obséquio
ao princípio da especificação das normas, os dispositivos
alegadamente violados pelo ato normativo que pretende
impugnar.
Impõe-se, ao autor, no processo de controle concentrado
de constitucionalidade, sob pena de não conhecimento (total ou
parcial) da ação direta, indicar as normas de referência - que,
inscritas na Constituição da República, revestem-se, por isso mesmo,
de parametricidade -, em ordem a viabilizar a aferição da
conformidade vertical dos atos normativos infraconstitucionais.
Precedentes (RTJ 179/35-37, v.g.).Decisão
Apresentado o feito em mesa, o julgamento foi adiado em virtude do
adiantado da hora. Plenário, 10.5.2001.
Apresentado o feito em mesa, o julgamento foi adiado em virtude do
adiantado da hora. Plenário, 24.5.2001.
O Tribunal, por unanimidade, indeferiu a liminar sob o ângulo do vício
formal. Votou o Presidente, o Senhor Ministro Marco Aurélio. Em
seguida, foi suspensa a conclusão do julgamento da referida ação direta
de inconstitucionalidade quanto ao vício material. Ausente,
justificadamente, o Senhor Ministro Nelson Jobim. Falaram, pelo
requerente, o Dr. Luiz Eduardo Greenhalgh, pela Advocacia-Geral da
União, o Dr. Gilmar Ferreira Mendes, e, pelo Ministério Público
Federal, o Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega, Vice-Procurador-Geral da
República. Plenário, 06.9.2001.
O Tribunal, por unanimidade, indeferiu a liminar sob o ângulo do vício
formal. Votou o Presidente. Também por unanimidade, rejeitou a
preliminar de não-conhecimento da ação direta de inconstitucionalidade
quanto aos § § 8º e 9º do artigo 2º da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro
de 1993, com a redação decorrente da Medida Provisória nº 2.183-56, de
24 de agosto de 2001. Votou o Presidente, o Senhor Ministro Marco
Aurélio. Por unanimidade, o Tribunal não conheceu da ação direta de
inconstitucionalidade ajuizada quanto à cabeça do artigo 95-A da Lei nº
4.504, de 30 de novembro de 1964, com a redação imprimida pelo artigo
2º da Medida Provisória nº 2.183-56, de 24 de agosto de 2001. Votou o
Presidente. O Tribunal, por maioria, indeferiu a liminar quanto ao
parágrafo único do citado artigo 95-A, vencido o Presidente. O
Tribunal, por maioria, indeferiu a liminar quanto ao § 6º do artigo 2º
da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, considerada a redação
imprimida pelo artigo 4º da Medida Provisória nº 2.183-56, de 24 de
agosto de 2001, vencidos os Senhores Ministros Sepúlveda Pertence e
Presidente, e, em menor extensão, o Senhor Ministro Ilmar Galvão, nos
termos dos votos proferidos. O Tribunal, por maioria de votos,
indeferiu a liminar quanto aos § § 8º e 9º do artigo 2º da Lei nº
8.629, de 25 de fevereiro de 1993, com a redação imprimida pelo artigo
4º da Medida Provisória nº 2.183-56, de 24 de agosto de 2001, vencidos,
o Presidente, e, em menor extensão, o Senhor Ministro Sepúlveda
Pertence, que excluía, no § 8º, a expressão "a qualquer título".
Ausente, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie. Plenário,
04.04.2002.
Data do Julgamento
:
04/04/2002
Data da Publicação
:
DJ 23-04-2004 PP-00007 EMENT VOL-02148-02 PP-00296
Órgão Julgador
:
Tribunal Pleno
Relator(a)
:
Min. CELSO DE MELLO
Parte(s)
:
REQTE. : PARTIDO DOS TRABALHADORES - PT
ADVDOS. : MÁRCIO LUIZ SILVA E OUTROS
REQTE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA
AGRICULTURA - CONTAG
ADVDOS. : IVANECK PEREZ ALVES E OUTROS
REQDO. : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
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