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Jurisprudência


STF Ext 1074 / RFA - REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA EXTRADIÇÃO

Ementa
E M E N T A: EXTRADIÇÃO PASSIVA DE CARÁTER INSTRUTÓRIO - SUPOSTA PRÁTICA DE TRÊS (3) DELITOS DE ESTELIONATO ("BURLA") - INEXISTÊNCIA DE TRATADO DE EXTRADIÇÃO ENTRE O BRASIL E A REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA - PROMESSA DE RECIPROCIDADE - FUNDAMENTO JURÍDICO SUFICIENTE - NECESSIDADE DE RESPEITO AOS DIREITOS BÁSICOS DO SÚDITO ESTRANGEIRO - MOMENTO CONSUMATIVO DO DELITO DE ESTELIONATO - COMPETÊNCIA DA REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA PARA O PROCESSO E JULGAMENTO DAS INFRAÇÕES PENAIS ATRIBUÍDAS AO SÚDITO ESTRANGEIRO - OBSERVÂNCIA, NA ESPÉCIE, DOS CRITÉRIOS DA DUPLA TIPICIDADE E DA DUPLA PUNIBILIDADE - ATENDIMENTO, NO CASO, DOS PRESSUPOSTOS E REQUISITOS NECESSÁRIOS AO ACOLHIMENTO DO PLEITO EXTRADICIONAL - EXTRADIÇÃO DEFERIDA. INEXISTÊNCIA DE TRATADO DE EXTRADIÇÃO E OFERECIMENTO DE PROMESSA DE RECIPROCIDADE POR PARTE DO ESTADO REQUERENTE. - A inexistência de tratado de extradição não impede a formulação e o eventual atendimento do pleito extradicional, desde que o Estado requerente prometa reciprocidade de tratamento ao Brasil, mediante expediente (Nota Verbal) formalmente transmitido por via diplomática. Doutrina. Precedentes. PROCESSO EXTRADICIONAL E SISTEMA DE CONTENCIOSIDADE LIMITADA: INADMISSIBILIDADE DE DISCUSSÃO SOBRE A PROVA PENAL PRODUZIDA PERANTE O ESTADO REQUERENTE. - A ação de extradição passiva não confere, ao Supremo Tribunal Federal, qualquer poder de indagação sobre o mérito da pretensão deduzida pelo Estado requerente ou sobre o contexto probatório em que a postulação extradicional se apóia. - O sistema de contenciosidade limitada, que caracteriza o regime jurídico da extradição passiva no direito positivo brasileiro, não permite qualquer indagação probatória pertinente ao ilícito criminal cuja persecução, no exterior, justificou o ajuizamento da demanda extradicional perante o Supremo Tribunal Federal. - Revelar-se-á excepcionalmente possível, no entanto, a análise, pelo Supremo Tribunal Federal, de aspectos materiais concernentes à própria substância da imputação penal, sempre que tal exame se mostrar indispensável à solução de controvérsia pertinente (a) à ocorrência de prescrição penal, (b) à observância do princípio da dupla tipicidade ou (c) à configuração eventualmente política tanto do delito atribuído ao extraditando quanto das razões que levaram o Estado estrangeiro a requerer a extradição de determinada pessoa ao Governo brasileiro. Inocorrência, na espécie, de qualquer dessas hipóteses. VALIDADE CONSTITUCIONAL DO ART. 85, § 1º, DA LEI Nº 6.815/80. - As restrições de ordem temática, estabelecidas no Estatuto do Estrangeiro (art. 85, § 1º) - cuja incidência delimita, nas ações de extradição passiva, o âmbito material do exercício do direito de defesa -, não são inconstitucionais, nem ofendem a garantia da plenitude de defesa, em face da natureza mesma de que se reveste o processo extradicional no direito brasileiro. Precedentes. "OBITER DICTUM" DO RELATOR (MINISTRO CELSO DE MELLO) - BRASILEIRO NATURALIZADO - TRÁFICO ILÍCITO DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES E DROGAS AFINS - IRRELEVÂNCIA SE COMETIDO ANTES OU DEPOIS DA NATURALIZAÇÃO - NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO ENVOLVIMENTO DO BRASILEIRO NATURALIZADO NESSA PRÁTICA DELITUOSA (CF, ART. 5º, LI) - INOVAÇÃO CONSTITUCIONAL DO MODELO EXTRADICIONAL BRASILEIRO - ÔNUS QUE INCUMBE AO ESTADO REQUERENTE - POSSIBILIDADE EXCEPCIONAL DE EXTRADIÇÃO PELO BRASIL. - O brasileiro naturalizado, em tema de extradição passiva, dispõe de proteção constitucional mais intensa que aquela outorgada aos súditos estrangeiros em geral, pois somente pode ser extraditado pelo Governo do Brasil em duas hipóteses excepcionais: (a) crimes comuns cometidos antes da naturalização e (b) tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins praticado em qualquer momento, antes ou depois de obtida a naturalização (CF, art. 5º, LI). - Tratando-se de extradição requerida contra brasileiro naturalizado, fundada em suposta prática de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, impõe-se, ao Estado requerente, a comprovação do envolvimento da pessoa reclamada no cometimento de referido evento delituoso. - A inovação jurídica introduzida pela norma inscrita no art. 5º, LI, "in fine", da Constituição - além de representar, em favor do brasileiro naturalizado, clara derrogação do sistema de contenciosidade limitada - instituiu procedimento, a ser disciplinado em lei, destinado a ensejar cognição judicial mais abrangente do conteúdo da acusação penal estrangeira, em ordem a permitir, ao Supremo Tribunal Federal, na ação de extradição passiva, o exame do próprio mérito da "persecutio criminis" instaurada perante autoridades do Estado requerente. - A simples e genérica afirmação constante de mandado judicial estrangeiro, de que existem "graves indícios de culpa" pertinentes ao suposto envolvimento de brasileiro naturalizado na prática do delito de tráfico de entorpecentes, não satisfaz a exigência constitucional inscrita no art. 5º, LI, "in fine", da Carta Política. NATURALIZAÇÃO - REQUERIMENTO DA NACIONALIDADE BRASILEIRA FEITO PELO SÚDITO ESTRANGEIRO - MOMENTO AQUISITIVO E APLICAÇÃO DO ART. 5º, LI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. - A concessão da naturalização constitui, em nosso sistema jurídico, ato que se insere na esfera de competência do Ministro da Justiça, qualificando-se como faculdade exclusiva do Poder Executivo (Lei nº 6.815/80, art. 111). - A aquisição da condição de brasileiro naturalizado, não obstante já deferida a concessão da naturalização pelo Ministro da Justiça, somente ocorrerá após a entrega, por magistrado federal, do concernente certificado de naturalização. Precedentes. EXTRADIÇÃO E RESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS: PARADIGMA ÉTICO-JURÍDICO CUJA OBSERVÂNCIA CONDICIONA O DEFERIMENTO DO PEDIDO EXTRADICIONAL. - A essencialidade da cooperação internacional na repressão penal aos delitos comuns não exonera o Estado brasileiro - e, em particular, o Supremo Tribunal Federal - de velar pelo respeito aos direitos fundamentais do súdito estrangeiro que venha a sofrer, em nosso País, processo extradicional instaurado por iniciativa de qualquer Estado estrangeiro. O extraditando assume, no processo extradicional, a condição indisponível de sujeito de direitos, cuja intangibilidade há de ser preservada pelo Estado a que foi dirigido o pedido de extradição (o Brasil, no caso). - O Supremo Tribunal Federal não deve autorizar a extradição, se se demonstrar que o ordenamento jurídico do Estado estrangeiro que a requer não se revela capaz de assegurar, aos réus, em juízo criminal, os direitos básicos que resultam do postulado do "due process of law" (RTJ 134/56-58 - RTJ 177/485-488), notadamente as prerrogativas inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as partes perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante. Demonstração, no caso, de que o regime político que informa as instituições do Estado requerente reveste-se de caráter democrático, assegurador das liberdades públicas fundamentais. EXTRADIÇÃO - DUPLA TIPICIDADE E DUPLA PUNIBILIDADE. - O postulado da dupla tipicidade - por constituir requisito essencial ao atendimento do pedido de extradição - impõe que o ilícito penal atribuído ao extraditando seja juridicamente qualificado como crime tanto no Brasil quanto no Estado requerente. Delitos imputados ao súdito estrangeiro - burla qualificada/fraude - que encontram plena correspondência típica no art. 171 (estelionato) do Código Penal Brasileiro. O que realmente importa, na aferição do postulado da dupla tipicidade, é a presença dos elementos estruturantes do tipo penal ("essentialia delicti"), tais como definidos nos preceitos primários de incriminação constantes da legislação brasileira e vigentes no ordenamento positivo do Estado requerente, independentemente da designação formal por eles atribuída aos fatos delituosos. - Não se concederá a extradição, quando se achar extinta, em decorrência de qualquer causa legal, a punibilidade do extraditando, notadamente se se verificar a consumação da prescrição penal, seja nos termos da lei brasileira, seja segundo o ordenamento positivo do Estado requerente. A satisfação da exigência concernente à dupla punibilidade constitui requisito essencial ao deferimento do pedido extradicional. Observância, na espécie, do postulado da dupla punibilidade. LOCAL DE CONSUMAÇÃO DAS SUPOSTAS PRÁTICAS DELITUOSAS ATRIBUÍDAS AO SÚDITO ESTRANGEIRO EM QUESTÃO - CONDUTA E RESULTADO OCORRIDOS EM TERRITÓRIO ALEMÃO - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DA REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA PARA JULGAMENTO DO FEITO - PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE. - Os atos de execução e realização do tipo penal pertinente à "burla" (estelionato), como a conduta fraudulenta consistente na utilização de meios e artifícios destinados a induzir em erro as vítimas, tiveram lugar na República Federal da Alemanha. - Os danos de ordem financeira causados às vítimas ocorreram em território germânico, regendo-se, em conseqüência, a aplicação da legislação penal pertinente (que é a alemã), pelo princípio da territorialidade. EXISTÊNCIA DE FAMÍLIA BRASILEIRA (UNIÃO ESTÁVEL), NOTADAMENTE DE FILHO COM NACIONALIDADE BRASILEIRA ORIGINÁRIA - SITUAÇÃO QUE NÃO IMPEDE A EXTRADIÇÃO - COMPATIBILIDADE DA SÚMULA 421/STF COM A VIGENTE CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - PEDIDO DE EXTRADIÇÃO DEFERIDO. - A existência de relações familiares, a comprovação de vínculo conjugal ou a convivência "more uxorio" do extraditando com pessoa de nacionalidade brasileira constituem fatos destituídos de relevância jurídica para efeitos extradicionais, não impedindo, em conseqüência, a efetivação da extradição do súdito estrangeiro. Precedentes. - Não impede a extradição o fato de o súdito estrangeiro ser casado ou viver em união estável com pessoa de nacionalidade brasileira, ainda que com esta possua filho brasileiro. - A Súmula 421/STF revela-se compatível com a vigente Constituição da República, pois, em tema de cooperação internacional na repressão a atos de criminalidade comum, a existência de vínculos conjugais e/ou familiares com pessoas de nacionalidade brasileira não se qualifica como causa obstativa da extradição. Precedentes.
Decisão
Adiado o julgamento por indicação do Ministro-Relator. Ausente, licenciado, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie. Plenário, 14.02.2008. Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do relator, deferiu o pedido de extradição. Ausentes, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie (Presidente), os Senhores Ministros Joaquim Barbosa (licenciado) e Menezes Direito e, neste julgamento, o Senhor Ministro Marco Aurélio. Falou pelo extraditando o Dr. Jaques de Camargo Penteado. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente). Plenário, 27.03.2008.

Data do Julgamento : 27/03/2008
Data da Publicação : DJe-107 DIVULG 12-06-2008 PUBLIC 13-06-2008 EMENT VOL-02323-01 PP-00028 RTJ VOL-00204-03 PP-00954
Órgão Julgador : Tribunal Pleno
Relator(a) : Min. CELSO DE MELLO
Parte(s) : REQTE.(S): GOVERNO DA ALEMANHA EXTDO.(A/S): MIKE BÜTTNER ADV.(A/S): JACQUES DE CAMARGO PENTEADO E OUTRO(A/S)
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