STF HC 70389 / SP - SÃO PAULO HABEAS CORPUS
E M E N T A: TORTURA CONTRA CRIANÇA OU ADOLESCENTE -
EXISTÊNCIA JURÍDICA DESSE CRIME NO DIREITO PENAL POSITIVO BRASILEIRO
- NECESSIDADE DE SUA REPRESSÃO - CONVENÇÕES INTERNACIONAIS
SUBSCRITAS PELO BRASIL - PREVISÃO TÍPICA CONSTANTE DO ESTATUTO DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEI Nº 8.069/90, ART. 233) - CONFIRMAÇÃO
DA CONSTITUCIONALIDADE DESSA NORMA DE TIPIFICAÇÃO PENAL - DELITO
IMPUTADO A POLICIAIS MILITARES - INFRAÇÃO PENAL QUE NÃO SE QUALIFICA
COMO CRIME MILITAR - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM DO ESTADO-MEMBRO -
PEDIDO DEFERIDO EM PARTE.
PREVISÃO LEGAL DO CRIME DE TORTURA CONTRA CRIANÇA OU
ADOLESCENTE - OBSERVÂNCIA DO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA TIPICIDADE.
- O crime de tortura, desde que praticado contra criança ou
adolescente, constitui entidade delituosa autônoma cuja previsão
típica encontra fundamento jurídico no art. 233 da Lei nº 8.069/90.
Trata-se de preceito normativo que encerra tipo penal aberto
suscetível de integração pelo magistrado, eis que o delito de
tortura - por comportar formas múltiplas de execução - caracteriza-
se pela inflição de tormentos e suplícios que exasperam, na dimensão
física, moral ou psíquica em que se projetam os seus efeitos, o
sofrimento da vítima por atos de desnecessária, abusiva e
inaceitável crueldade.
- A norma inscrita no art. 233 da Lei nº 8.069/90,
ao definir o crime de tortura contra a criança e o adolescente,
ajusta-se, com extrema fidelidade, ao princípio constitucional da
tipicidade dos delitos (CF, art. 5º, XXXIX).
A TORTURA COMO PRÁTICA INACEITÁVEL DE OFENSA À DIGNIDADE DA
PESSOA.
A simples referência normativa à tortura, constante da
descrição típica consubstanciada no art. 233 do Estatuto da Criança
e do Adolescente, exterioriza um universo conceitual impregnado de
noções com que o senso comum e o sentimento de decência das pessoas
identificam as condutas aviltantes que traduzem, na concreção de sua
prática, o gesto ominoso de ofensa à dignidade da pessoa humana.
A tortura constitui a negação arbitrária dos direitos
humanos, pois reflete - enquanto prática ilegítima, imoral e abusiva
- um inaceitável ensaio de atuação estatal tendente a asfixiar e,
até mesmo, a suprimir a dignidade, a autonomia e a liberdade com que
o indivíduo foi dotado, de maneira indisponível, pelo ordenamento
positivo.
NECESSIDADE DE REPRESSÃO À TORTURA - CONVENÇÕES
INTERNACIONAIS.
- O Brasil, ao tipificar o crime de tortura contra crianças
ou adolescentes, revelou-se fiel aos compromissos que assumiu na
ordem internacional, especialmente àqueles decorrentes da Convenção
de Nova York sobre os Direitos da Criança (1990), da Convenção
contra a Tortura adotada pela Assembléia Geral da ONU (1984), da
Convenção Interamericana contra a Tortura concluída em Cartagena
(1985) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São
José da Costa Rica), formulada no âmbito da OEA (1969). Mais do que
isso, o legislador brasileiro, ao conferir expressão típica a essa
modalidade de infração delituosa, deu aplicação efetiva ao texto da
Constituição Federal que impõe ao Poder Público a obrigação de
proteger os menores contra toda a forma de violência, crueldade e
opressão (art. 227, caput, in fine).
TORTURA CONTRA MENOR PRATICADA POR POLICIAL MILITAR -
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM DO ESTADO-MEMBRO.
- O policial militar que, a pretexto de exercer atividade
de repressão criminal em nome do Estado, inflige, mediante
desempenho funcional abusivo, danos físicos a menor eventualmente
sujeito ao seu poder de coerção, valendo-se desse meio executivo
para intimidá-lo e coagi-lo à confissão de determinado delito,
pratica, inequivocamente, o crime de tortura, tal como tipificado
pelo art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente, expondo-se,
em função desse comportamento arbitrário, a todas as conseqüências
jurídicas que decorrem da Lei nº 8.072/90 (art. 2º), editada com
fundamento no art. 5º, XLIII, da Constituição.
- O crime de tortura contra criança ou adolescente, cuja
prática absorve o delito de lesões corporais leves, submete-se à
competência da Justiça comum do Estado-membro, eis que esse ilícito
penal, por não guardar correspondência típica com qualquer dos
comportamentos previstos pelo Código Penal Militar, refoge à esfera
de atribuições da Justiça Militar estadual.
Ementa
E M E N T A: TORTURA CONTRA CRIANÇA OU ADOLESCENTE -
EXISTÊNCIA JURÍDICA DESSE CRIME NO DIREITO PENAL POSITIVO BRASILEIRO
- NECESSIDADE DE SUA REPRESSÃO - CONVENÇÕES INTERNACIONAIS
SUBSCRITAS PELO BRASIL - PREVISÃO TÍPICA CONSTANTE DO ESTATUTO DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEI Nº 8.069/90, ART. 233) - CONFIRMAÇÃO
DA CONSTITUCIONALIDADE DESSA NORMA DE TIPIFICAÇÃO PENAL - DELITO
IMPUTADO A POLICIAIS MILITARES - INFRAÇÃO PENAL QUE NÃO SE QUALIFICA
COMO CRIME MILITAR - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM DO ESTADO-MEMBRO -
PEDIDO DEFERIDO EM PARTE.
PREVISÃO LEGAL DO CRIME DE TORTURA CONTRA CRIANÇA OU
ADOLESCENTE - OBSERVÂNCIA DO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA TIPICIDADE.
- O crime de tortura, desde que praticado contra criança ou
adolescente, constitui entidade delituosa autônoma cuja previsão
típica encontra fundamento jurídico no art. 233 da Lei nº 8.069/90.
Trata-se de preceito normativo que encerra tipo penal aberto
suscetível de integração pelo magistrado, eis que o delito de
tortura - por comportar formas múltiplas de execução - caracteriza-
se pela inflição de tormentos e suplícios que exasperam, na dimensão
física, moral ou psíquica em que se projetam os seus efeitos, o
sofrimento da vítima por atos de desnecessária, abusiva e
inaceitável crueldade.
- A norma inscrita no art. 233 da Lei nº 8.069/90,
ao definir o crime de tortura contra a criança e o adolescente,
ajusta-se, com extrema fidelidade, ao princípio constitucional da
tipicidade dos delitos (CF, art. 5º, XXXIX).
A TORTURA COMO PRÁTICA INACEITÁVEL DE OFENSA À DIGNIDADE DA
PESSOA.
A simples referência normativa à tortura, constante da
descrição típica consubstanciada no art. 233 do Estatuto da Criança
e do Adolescente, exterioriza um universo conceitual impregnado de
noções com que o senso comum e o sentimento de decência das pessoas
identificam as condutas aviltantes que traduzem, na concreção de sua
prática, o gesto ominoso de ofensa à dignidade da pessoa humana.
A tortura constitui a negação arbitrária dos direitos
humanos, pois reflete - enquanto prática ilegítima, imoral e abusiva
- um inaceitável ensaio de atuação estatal tendente a asfixiar e,
até mesmo, a suprimir a dignidade, a autonomia e a liberdade com que
o indivíduo foi dotado, de maneira indisponível, pelo ordenamento
positivo.
NECESSIDADE DE REPRESSÃO À TORTURA - CONVENÇÕES
INTERNACIONAIS.
- O Brasil, ao tipificar o crime de tortura contra crianças
ou adolescentes, revelou-se fiel aos compromissos que assumiu na
ordem internacional, especialmente àqueles decorrentes da Convenção
de Nova York sobre os Direitos da Criança (1990), da Convenção
contra a Tortura adotada pela Assembléia Geral da ONU (1984), da
Convenção Interamericana contra a Tortura concluída em Cartagena
(1985) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São
José da Costa Rica), formulada no âmbito da OEA (1969). Mais do que
isso, o legislador brasileiro, ao conferir expressão típica a essa
modalidade de infração delituosa, deu aplicação efetiva ao texto da
Constituição Federal que impõe ao Poder Público a obrigação de
proteger os menores contra toda a forma de violência, crueldade e
opressão (art. 227, caput, in fine).
TORTURA CONTRA MENOR PRATICADA POR POLICIAL MILITAR -
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM DO ESTADO-MEMBRO.
- O policial militar que, a pretexto de exercer atividade
de repressão criminal em nome do Estado, inflige, mediante
desempenho funcional abusivo, danos físicos a menor eventualmente
sujeito ao seu poder de coerção, valendo-se desse meio executivo
para intimidá-lo e coagi-lo à confissão de determinado delito,
pratica, inequivocamente, o crime de tortura, tal como tipificado
pelo art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente, expondo-se,
em função desse comportamento arbitrário, a todas as conseqüências
jurídicas que decorrem da Lei nº 8.072/90 (art. 2º), editada com
fundamento no art. 5º, XLIII, da Constituição.
- O crime de tortura contra criança ou adolescente, cuja
prática absorve o delito de lesões corporais leves, submete-se à
competência da Justiça comum do Estado-membro, eis que esse ilícito
penal, por não guardar correspondência típica com qualquer dos
comportamentos previstos pelo Código Penal Militar, refoge à esfera
de atribuições da Justiça Militar estadual.Decisão
Após os votos dos Ministros Sydney Sanches, Relator e Ilmar Galvão deferindo o pedido de habeas corpus, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Ministro Celso de Mello. Falou pelo Ministério Público Federal o Dr. Miguel Frauzino
Pereira. 1ª. Turma, 03.12.93.
Decisão: Apresentado o feito em mesa não foi ele julgado pelo adiantado da hora. 1ª. Turma, 17.05.94.
Decisão: Por proposta do Ministro Celso de Mello foi o presente habeas corpus remetido a julgamento do Tribunal Pleno, desconstituindo, assim, o início do julgamento realizado nesta Turma. Unânime. 1ª. Turma, 31.05.94.
Decisão: Adiado o julgamento pelo pedido de vista do Ministro Marco Aurélio, depois do voto do Relator deferindo, em parte, o pedido de habeas corpus, para trancar a ação penal em curso perante à 4a. Vara Criminal de São José dos Campos - SP, ou seja,
quanto à imputação da prática de ato previsto no art. 233 da Lei n. 8.069, de 13.7.90, devendo o processo por crime previsto no art. 209 do Código Penal Militar prosseguir perante à Justiça Militar, declarando, ainda, a inconstitucionalidade do art. 233
da citada lei (n. 8.069/90), e dos votos dos Ministros Celso de Mello e Francisco Rezek, também deferindo, em parte, o pedido de habeas corpus para cassar a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça e prosseguir o julgamento quanto ao art. 233
do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), na Justiça Comum estadual. Não votou o Ministro Ilmar Galvão, por estar ausente ocasionalmente. Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. Plenário, 01.06.94.
Decisão: Apresentado o feito em mesa, o julgamento foi adiado em virtude do adiantado da hora. Plenário, 22.06.94.
Decisão: Por maioria de votos, o Tribunal deferiu, em parte, o pedido de habeas corpus, para cassar a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça; prosseguir-se no julgamento quanto ao art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.
8.069/90), na Justiça Comum estadual; e declarar a constitucionalidade do referido dispositivo (art. 233 da Lei n. 8.069/90). Vencidos os Ministros Relator (Ministro Sydney Sanches), Marco Aurélio, Ilmar Galvão, Moreira Alves e o Presidente (Ministro
Octavio Gallotti), que também deferiam, em parte, o pedido de habeas corpus, para trancar a ação penal em curso perante à 4ª Vara Criminal de São José dos Campos - SP, ou seja, quanto à imputação da prática de ato previsto no art. 233 da Lei n.
8.069/90, devendo o processo por crime previsto no art. 209 do Código Penal Militar prosseguir perante à Justiça Militar, e declaravam, ainda, a inconstitucionalidade do art. 233 da citada lei (n. 8.069/90). Relator para o acórdão o Ministro Celso de
Mello. Plenário, 23.06.94.
Data do Julgamento
:
Relator(a) p/ Acórdão: Min. CELSO DE MELLO
Data da Publicação
:
DJ 10-08-2001 PP-00003 EMENT VOL-02038-02 PP-00186
Órgão Julgador
:
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Relator(a)
:
Min. SYDNEY SANCHES
Parte(s)
:
PACTES. : HERBERT FERNANDO DE CARVALHO E OUTRO
IMPTE. : TANIA LIS TIZZONI NOGUEIRA
COATOR : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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