STF HC 73338 / RJ - RIO DE JANEIRO HABEAS CORPUS
E M E N T A: HABEAS CORPUS - PROVA CRIMINAL - MENORIDADE -
RECONHECIMENTO - CORRUPÇÃO DE MENORES (LEI Nº 2.252/54) -
INEXISTÊNCIA DE PROVA ESPECÍFICA - IMPOSSIBILIDADE DE CONFIGURAÇÃO
TÍPICA DA CONDUTA IMPUTADA AO RÉU - CONDENAÇÃO POR OUTROS ILÍCITOS
PENAIS - EXACERBAÇÃO DA PENA - DECISÃO PLENAMENTE MOTIVADA -
LEGITIMIDADE DO TRATAMENTO PENAL MAIS RIGOROSO - PEDIDO DEFERIDO EM
PARTE.
MENORIDADE - COMPROVAÇÃO - CERTIDÃO DE NASCIMENTO -
AUSÊNCIA - DESCARACTERIZAÇÃO TÍPICA DO CRIME DE CORRUPÇÃO DE
MENORES.
- O reconhecimento da menoridade, para efeitos penais,
supõe demonstração mediante prova documental específica e idônea
(certidão de nascimento). A idade - qualificando-se como situação
inerente ao estado civil das pessoas - expõe-se, para efeito de sua
comprovação, em juízo penal, às restrições probatórias estabelecidas
na lei civil (CPP, art. 155).
- Se o Ministério Público oferece denúncia contra qualquer
réu por crime de corrupção de menores, cumpre-lhe demonstrar, de
modo consistente - e além de qualquer dúvida razoável -, a
ocorrência do fato constitutivo do pedido, comprovando
documentalmente, mediante certidão de nascimento, a condição etária
(menor de dezoito (18) anos) da vítima do delito tipificado no
art. 1º da Lei nº 2.252/54.
O PROCESSO PENAL COMO INSTRUMENTO DE SALVAGUARDA DAS
LIBERDADES INDIVIDUAIS.
- A submissão de uma pessoa à jurisdição penal do Estado
coloca em evidência a relação de polaridade conflitante que se
estabelece entre a pretensão punitiva do Poder Público e o resguardo
à intangibilidade do jus libertatis titularizado pelo réu.
A persecução penal rege-se, enquanto atividade estatal
juridicamente vinculada, por padrões normativos, que, consagrados
pela Constituição e pelas leis, traduzem limitações significativas
ao poder do Estado. Por isso mesmo, o processo penal só pode ser
concebido - e assim deve ser visto - como instrumento de salvaguarda
da liberdade do réu.
O processo penal condenatório não é um instrumento de
arbítrio do Estado. Ele representa, antes, um poderoso meio de
contenção e de delimitação dos poderes de que dispõem os órgãos
incumbidos da persecução penal. Ao delinear um círculo de proteção
em torno da pessoa do réu - que jamais se presume culpado, até que
sobrevenha irrecorrível sentença condenatória -, o processo penal
revela-se instrumento que inibe a opressão judicial e que,
condicionado por parâmetros ético-jurídicos, impõe ao órgão acusador
o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em que faculta ao acusado,
que jamais necessita demonstrar a sua inocência, o direito de
defender-se e de questionar, criticamente, sob a égide do
contraditório, todos os elementos probatórios produzidos pelo
Ministério Público.
A própria exigência de processo judicial representa
poderoso fator de inibição do arbítrio estatal e de restrição ao
poder de coerção do Estado. A cláusula nulla poena sine judicio
exprime, no plano do processo penal condenatório, a fórmula de
salvaguarda da liberdade individual.
O PODER DE ACUSAR SUPÕE O DEVER ESTATAL DE PROVAR
LICITAMENTE A IMPUTAÇÃO PENAL.
- A exigência de comprovação plena dos elementos que dão
suporte à acusação penal recai por inteiro, e com exclusividade,
sobre o Ministério Público. Essa imposição do ônus processual
concernente à demonstração da ocorrência do ilícito penal reflete,
na realidade, e dentro de nosso sistema positivo, uma expressiva
garantia jurídica que tutela e protege o próprio estado de liberdade
que se reconhece às pessoas em geral.
Somente a prova penal produzida em juízo pelo órgão da
acusação penal, sob a égide da garantia constitucional do
contraditório, pode revestir-se de eficácia jurídica bastante para
legitimar a prolação de um decreto condenatório.
Os subsídios ministrados pelas investigações policiais, que
são sempre unilaterais e inquisitivas - embora suficientes ao
oferecimento da denúncia pelo Ministério Público -, não bastam,
enquanto isoladamente considerados, para justificar a prolação, pelo
Poder Judiciário, de um ato de condenação penal. É nula a condenação
penal decretada com apoio em prova não produzida em juízo e com
inobservância da garantia constitucional do contraditório.
Precedentes.
- Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete ao
réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao Ministério Público
comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Já não
mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que,
em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado
Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os
regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria
inocência (Decreto-Lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5).
Não se justifica, sem base probatória idônea, a formulação
possível de qualquer juízo condenatório, que deve sempre
assentar-se - para que se qualifique como ato revestido de validade
ético-jurídica - em elementos de certeza, os quais, ao dissiparem
ambigüidades, ao esclarecerem situações equívocas e ao desfazerem
dados eivados de obscuridade, revelam-se capazes de informar, com
objetividade, o órgão judiciário competente, afastando, desse modo,
dúvidas razoáveis, sérias e fundadas que poderiam conduzir qualquer
magistrado ou Tribunal a pronunciar o non liquet.
VALIDADE DA EXACERBAÇÃO PENAL, QUANDO ADEQUADAMENTE
MOTIVADA PELO PODER JUDICIÁRIO.
- Não se revela possível a redução da pena imposta, quando
a exacerbação penal, além de adequadamente motivada, apóia-se em
fundamentação provida de conteúdo lógico-jurídico e em dados
concretos justificadores da majoração efetivada.
Refoge ao âmbito estreito do habeas corpus o exame dos
critérios de índole pessoal, que, subjacentes à formulação do juízo
de valor atribuído pelo ordenamento legal ao magistrado
sentenciante, permitiram-lhe, sem qualquer ilegalidade ou abuso de
poder, exacerbar o quantum penal imposto ao réu condenado.
Precedentes.
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Ementa
E M E N T A: HABEAS CORPUS - PROVA CRIMINAL - MENORIDADE -
RECONHECIMENTO - CORRUPÇÃO DE MENORES (LEI Nº 2.252/54) -
INEXISTÊNCIA DE PROVA ESPECÍFICA - IMPOSSIBILIDADE DE CONFIGURAÇÃO
TÍPICA DA CONDUTA IMPUTADA AO RÉU - CONDENAÇÃO POR OUTROS ILÍCITOS
PENAIS - EXACERBAÇÃO DA PENA - DECISÃO PLENAMENTE MOTIVADA -
LEGITIMIDADE DO TRATAMENTO PENAL MAIS RIGOROSO - PEDIDO DEFERIDO EM
PARTE.
MENORIDADE - COMPROVAÇÃO - CERTIDÃO DE NASCIMENTO -
AUSÊNCIA - DESCARACTERIZAÇÃO TÍPICA DO CRIME DE CORRUPÇÃO DE
MENORES.
- O reconhecimento da menoridade, para efeitos penais,
supõe demonstração mediante prova documental específica e idônea
(certidão de nascimento). A idade - qualificando-se como situação
inerente ao estado civil das pessoas - expõe-se, para efeito de sua
comprovação, em juízo penal, às restrições probatórias estabelecidas
na lei civil (CPP, art. 155).
- Se o Ministério Público oferece denúncia contra qualquer
réu por crime de corrupção de menores, cumpre-lhe demonstrar, de
modo consistente - e além de qualquer dúvida razoável -, a
ocorrência do fato constitutivo do pedido, comprovando
documentalmente, mediante certidão de nascimento, a condição etária
(menor de dezoito (18) anos) da vítima do delito tipificado no
art. 1º da Lei nº 2.252/54.
O PROCESSO PENAL COMO INSTRUMENTO DE SALVAGUARDA DAS
LIBERDADES INDIVIDUAIS.
- A submissão de uma pessoa à jurisdição penal do Estado
coloca em evidência a relação de polaridade conflitante que se
estabelece entre a pretensão punitiva do Poder Público e o resguardo
à intangibilidade do jus libertatis titularizado pelo réu.
A persecução penal rege-se, enquanto atividade estatal
juridicamente vinculada, por padrões normativos, que, consagrados
pela Constituição e pelas leis, traduzem limitações significativas
ao poder do Estado. Por isso mesmo, o processo penal só pode ser
concebido - e assim deve ser visto - como instrumento de salvaguarda
da liberdade do réu.
O processo penal condenatório não é um instrumento de
arbítrio do Estado. Ele representa, antes, um poderoso meio de
contenção e de delimitação dos poderes de que dispõem os órgãos
incumbidos da persecução penal. Ao delinear um círculo de proteção
em torno da pessoa do réu - que jamais se presume culpado, até que
sobrevenha irrecorrível sentença condenatória -, o processo penal
revela-se instrumento que inibe a opressão judicial e que,
condicionado por parâmetros ético-jurídicos, impõe ao órgão acusador
o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em que faculta ao acusado,
que jamais necessita demonstrar a sua inocência, o direito de
defender-se e de questionar, criticamente, sob a égide do
contraditório, todos os elementos probatórios produzidos pelo
Ministério Público.
A própria exigência de processo judicial representa
poderoso fator de inibição do arbítrio estatal e de restrição ao
poder de coerção do Estado. A cláusula nulla poena sine judicio
exprime, no plano do processo penal condenatório, a fórmula de
salvaguarda da liberdade individual.
O PODER DE ACUSAR SUPÕE O DEVER ESTATAL DE PROVAR
LICITAMENTE A IMPUTAÇÃO PENAL.
- A exigência de comprovação plena dos elementos que dão
suporte à acusação penal recai por inteiro, e com exclusividade,
sobre o Ministério Público. Essa imposição do ônus processual
concernente à demonstração da ocorrência do ilícito penal reflete,
na realidade, e dentro de nosso sistema positivo, uma expressiva
garantia jurídica que tutela e protege o próprio estado de liberdade
que se reconhece às pessoas em geral.
Somente a prova penal produzida em juízo pelo órgão da
acusação penal, sob a égide da garantia constitucional do
contraditório, pode revestir-se de eficácia jurídica bastante para
legitimar a prolação de um decreto condenatório.
Os subsídios ministrados pelas investigações policiais, que
são sempre unilaterais e inquisitivas - embora suficientes ao
oferecimento da denúncia pelo Ministério Público -, não bastam,
enquanto isoladamente considerados, para justificar a prolação, pelo
Poder Judiciário, de um ato de condenação penal. É nula a condenação
penal decretada com apoio em prova não produzida em juízo e com
inobservância da garantia constitucional do contraditório.
Precedentes.
- Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete ao
réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao Ministério Público
comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Já não
mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que,
em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado
Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os
regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria
inocência (Decreto-Lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5).
Não se justifica, sem base probatória idônea, a formulação
possível de qualquer juízo condenatório, que deve sempre
assentar-se - para que se qualifique como ato revestido de validade
ético-jurídica - em elementos de certeza, os quais, ao dissiparem
ambigüidades, ao esclarecerem situações equívocas e ao desfazerem
dados eivados de obscuridade, revelam-se capazes de informar, com
objetividade, o órgão judiciário competente, afastando, desse modo,
dúvidas razoáveis, sérias e fundadas que poderiam conduzir qualquer
magistrado ou Tribunal a pronunciar o non liquet.
VALIDADE DA EXACERBAÇÃO PENAL, QUANDO ADEQUADAMENTE
MOTIVADA PELO PODER JUDICIÁRIO.
- Não se revela possível a redução da pena imposta, quando
a exacerbação penal, além de adequadamente motivada, apóia-se em
fundamentação provida de conteúdo lógico-jurídico e em dados
concretos justificadores da majoração efetivada.
Refoge ao âmbito estreito do habeas corpus o exame dos
critérios de índole pessoal, que, subjacentes à formulação do juízo
de valor atribuído pelo ordenamento legal ao magistrado
sentenciante, permitiram-lhe, sem qualquer ilegalidade ou abuso de
poder, exacerbar o quantum penal imposto ao réu condenado.
Precedentes.
3Decisão
A Turma deferiu, em parte, o pedido de habeas corpus, nos termos do
voto do Relator. Unânime. Falou pelo paciente o Dr. Eduardo de Vilhena
Toledo. 1a. Turma, 13.08.96.
Data do Julgamento
:
13/08/1996
Data da Publicação
:
DJ 19-12-1996 PP-51766 EMENT VOL-01855-02 PP-00270
Órgão Julgador
:
Primeira Turma
Relator(a)
:
Min. CELSO DE MELLO
Parte(s)
:
PACTE. : JOSE CARLOS MARTINS FILHO
IMPTE. : EDUARDO DE VILHENA TOLEDO E OUTRO
COATOR : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
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