STF HC 80719 / SP - SÃO PAULO HABEAS CORPUS
HABEAS CORPUS - CRIME HEDIONDO - ALEGADA
OCORRÊNCIA DE CLAMOR PÚBLICO - TEMOR DE FUGA DO RÉU - DECRETAÇÃO DE
PRISÃO PREVENTIVA - RAZÕES DE NECESSIDADE INOCORRENTES -
INADMISSIBILIDADE DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE - PEDIDO
DEFERIDO.
A PRISÃO PREVENTIVA CONSTITUI MEDIDA CAUTELAR DE NATUREZA
EXCEPCIONAL.
- A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de
caráter excepcional, somente devendo ser decretada em situações de
absoluta necessidade.
A prisão preventiva, para legitimar-se em face de nosso
sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos pressupostos a que
se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e
indício suficiente de autoria) - que se evidenciem, com fundamento
em base empírica idônea, razões justificadoras da
imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação
da liberdade do indiciado ou do réu.
A PRISÃO PREVENTIVA - ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR
- NÃO TEM POR OBJETIVO INFLIGIR PUNIÇÃO ANTECIPADA AO INDICIADO OU
AO RÉU.
- A prisão preventiva não pode - e não deve - ser
utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição
antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no
sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas,
prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem
processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia.
A prisão preventiva - que não deve ser confundida com a
prisão penal - não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua
decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é
inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no
processo penal.
O CLAMOR PÚBLICO, AINDA QUE SE TRATE DE CRIME HEDIONDO, NÃO
CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE.
- O estado de comoção social e de eventual indignação
popular, motivado pela repercussão da prática da infração penal, não
pode justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do
suposto autor do comportamento delituoso, sob pena de completa e
grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade.
O clamor público - precisamente por não constituir causa
legal de justificação da prisão processual (CPP, art. 312) - não se
qualifica como fator de legitimação da privação cautelar da
liberdade do indiciado ou do réu, não sendo lícito pretender-se,
nessa matéria, por incabível, a aplicação analógica do que se contém
no art. 323, V, do CPP, que concerne, exclusivamente, ao tema da
fiança criminal. Precedentes.
- A acusação penal por crime hediondo não justifica, só por
si, a privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu.
A PRESERVAÇÃO DA CREDIBILIDADE DAS INSTITUIÇÕES E DA ORDEM
PÚBLICA NÃO CONSUBSTANCIA, SÓ POR SI, CIRCUNSTÂNCIA AUTORIZADORA DA
PRISÃO CAUTELAR.
- Não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de
justificação do ato excepcional de privação cautelar da liberdade
individual, a alegação de que o réu, por dispor de privilegiada
condição econômico-financeira, deveria ser mantido na prisão, em
nome da credibilidade das instituições e da preservação da ordem
pública.
ABANDONO DO DISTRITO DA CULPA PARA EVITAR SITUAÇÃO DE
FLAGRÂNCIA - DESCABIMENTO DA PRISÃO PREVENTIVA.
- Não cabe prisão preventiva pelo só fato de o agente -
movido pelo impulso natural da liberdade - ausentar-se do distrito
da culpa, em ordem a evitar, com esse gesto, a caracterização da
situação de flagrância.
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA NECESSIDADE CONCRETA DE
DECRETAR-SE A PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE.
- Sem que se caracterize situação de real necessidade, não
se legitima a privação cautelar da liberdade individual do indiciado
ou do réu. Ausentes razões de necessidade, revela-se incabível, ante
a sua excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da prisão
preventiva.
DISCURSOS DE CARÁTER AUTORITÁRIO NÃO PODEM JAMAIS SUBJUGAR
O PRINCÍPIO DA LIBERDADE.
- A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui
extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser
ofendida por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais, que,
fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário, culminam
por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias
fundamentais proclamados pela Constituição da República, a ideologia
da lei e da ordem.
Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de
crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória
irrecorrível, não se revela possível - por efeito de insuperável
vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII) - presumir-lhe a
culpabilidade.
Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a
natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem
que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória
transitada em julgado.
O princípio constitucional da não-culpabilidade, em nosso
sistema jurídico, consagra uma regra de tratamento que impede o
Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao
indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido
condenados definitivamente por sentença do Poder Judiciário.
Ementa
HABEAS CORPUS - CRIME HEDIONDO - ALEGADA
OCORRÊNCIA DE CLAMOR PÚBLICO - TEMOR DE FUGA DO RÉU - DECRETAÇÃO DE
PRISÃO PREVENTIVA - RAZÕES DE NECESSIDADE INOCORRENTES -
INADMISSIBILIDADE DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE - PEDIDO
DEFERIDO.
A PRISÃO PREVENTIVA CONSTITUI MEDIDA CAUTELAR DE NATUREZA
EXCEPCIONAL.
- A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de
caráter excepcional, somente devendo ser decretada em situações de
absoluta necessidade.
A prisão preventiva, para legitimar-se em face de nosso
sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos pressupostos a que
se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e
indício suficiente de autoria) - que se evidenciem, com fundamento
em base empírica idônea, razões justificadoras da
imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação
da liberdade do indiciado ou do réu.
A PRISÃO PREVENTIVA - ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR
- NÃO TEM POR OBJETIVO INFLIGIR PUNIÇÃO ANTECIPADA AO INDICIADO OU
AO RÉU.
- A prisão preventiva não pode - e não deve - ser
utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição
antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no
sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas,
prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem
processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia.
A prisão preventiva - que não deve ser confundida com a
prisão penal - não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua
decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é
inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no
processo penal.
O CLAMOR PÚBLICO, AINDA QUE SE TRATE DE CRIME HEDIONDO, NÃO
CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE.
- O estado de comoção social e de eventual indignação
popular, motivado pela repercussão da prática da infração penal, não
pode justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do
suposto autor do comportamento delituoso, sob pena de completa e
grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade.
O clamor público - precisamente por não constituir causa
legal de justificação da prisão processual (CPP, art. 312) - não se
qualifica como fator de legitimação da privação cautelar da
liberdade do indiciado ou do réu, não sendo lícito pretender-se,
nessa matéria, por incabível, a aplicação analógica do que se contém
no art. 323, V, do CPP, que concerne, exclusivamente, ao tema da
fiança criminal. Precedentes.
- A acusação penal por crime hediondo não justifica, só por
si, a privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu.
A PRESERVAÇÃO DA CREDIBILIDADE DAS INSTITUIÇÕES E DA ORDEM
PÚBLICA NÃO CONSUBSTANCIA, SÓ POR SI, CIRCUNSTÂNCIA AUTORIZADORA DA
PRISÃO CAUTELAR.
- Não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de
justificação do ato excepcional de privação cautelar da liberdade
individual, a alegação de que o réu, por dispor de privilegiada
condição econômico-financeira, deveria ser mantido na prisão, em
nome da credibilidade das instituições e da preservação da ordem
pública.
ABANDONO DO DISTRITO DA CULPA PARA EVITAR SITUAÇÃO DE
FLAGRÂNCIA - DESCABIMENTO DA PRISÃO PREVENTIVA.
- Não cabe prisão preventiva pelo só fato de o agente -
movido pelo impulso natural da liberdade - ausentar-se do distrito
da culpa, em ordem a evitar, com esse gesto, a caracterização da
situação de flagrância.
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA NECESSIDADE CONCRETA DE
DECRETAR-SE A PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE.
- Sem que se caracterize situação de real necessidade, não
se legitima a privação cautelar da liberdade individual do indiciado
ou do réu. Ausentes razões de necessidade, revela-se incabível, ante
a sua excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da prisão
preventiva.
DISCURSOS DE CARÁTER AUTORITÁRIO NÃO PODEM JAMAIS SUBJUGAR
O PRINCÍPIO DA LIBERDADE.
- A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui
extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser
ofendida por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais, que,
fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário, culminam
por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias
fundamentais proclamados pela Constituição da República, a ideologia
da lei e da ordem.
Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de
crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória
irrecorrível, não se revela possível - por efeito de insuperável
vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII) - presumir-lhe a
culpabilidade.
Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a
natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem
que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória
transitada em julgado.
O princípio constitucional da não-culpabilidade, em nosso
sistema jurídico, consagra uma regra de tratamento que impede o
Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao
indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido
condenados definitivamente por sentença do Poder Judiciário.Decisão
Por unanimidade, a Turma deferiu o habeas corpus, para invalidar o decreto de prisão preventiva, confirmando a liminar anteriormente concedida. Falou, pelo paciente, o Dr. Antonio Cláudio Mariz de Oliveira. 2ª Turma, 26.06.2001.
Data do Julgamento
:
26/06/2001
Data da Publicação
:
DJ 28-09-2001 PP-00037 EMENT VOL-02045-01 PP-00143
Órgão Julgador
:
Segunda Turma
Relator(a)
:
Min. CELSO DE MELLO
Parte(s)
:
PACTE. : ANTÔNIO MARCOS PIMENTA NEVES
IMPTES. : ANTÔNIO CLÁUDIO MARIZ DE OLIVEIRA E OUTROS
COATOR : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Mostrar discussão