STF HC 82788 / RJ - RIO DE JANEIRO HABEAS CORPUS
E M E N T A: FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA - APREENSÃO DE LIVROS
CONTÁBEIS E DOCUMENTOS FISCAIS REALIZADA, EM ESCRITÓRIO DE
CONTABILIDADE, POR AGENTES FAZENDÁRIOS E POLICIAIS FEDERAIS, SEM
MANDADO JUDICIAL - INADMISSIBILIDADE - ESPAÇO PRIVADO, NÃO ABERTO AO
PÚBLICO, SUJEITO À PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE
DOMICILIAR (CF, ART. 5º, XI) - SUBSUNÇÃO AO CONCEITO NORMATIVO DE
"CASA" - NECESSIDADE DE ORDEM JUDICIAL - ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E
FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA - DEVER DE OBSERVÂNCIA, POR PARTE DE SEUS
ÓRGÃOS E AGENTES, DOS LIMITES JURÍDICOS IMPOSTOS PELA CONSTITUIÇÃO E
PELAS LEIS DA REPÚBLICA - IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO, PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO, DE PROVA OBTIDA EM TRANSGRESSÃO À GARANTIA DA
INVIOLABILIDADE DOMICILIAR - PROVA ILÍCITA - INIDONEIDADE JURÍDICA -
"HABEAS CORPUS" DEFERIDO.
ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA -
FISCALIZAÇÃO - PODERES - NECESSÁRIO RESPEITO AOS DIREITOS E
GARANTIAS INDIVIDUAIS DOS CONTRIBUINTES E DE TERCEIROS.
- Não são
absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes
da administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação,
inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à
observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem,
constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral. Na
realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias
individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode
caracterizar ilícito constitucional.
- A administração
tributária, por isso mesmo, embora podendo muito, não pode tudo. É
que, ao Estado, é somente lícito atuar, "respeitados os direitos
individuais e nos termos da lei" (CF, art. 145, § 1º), consideradas,
sobretudo, e para esse específico efeito, as limitações jurídicas
decorrentes do próprio sistema instituído pela Lei Fundamental, cuja
eficácia - que prepondera sobre todos os órgãos e agentes
fazendários - restringe-lhes o alcance do poder de que se acham
investidos, especialmente quando exercido em face do contribuinte e
dos cidadãos da República, que são titulares de garantias
impregnadas de estatura constitucional e que, por tal razão, não
podem ser transgredidas por aqueles que exercem a autoridade em nome
do Estado.
A GARANTIA DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR COMO
LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL AO PODER DO ESTADO EM TEMA DE FISCALIZAÇÃO
TRIBUTÁRIA - CONCEITO DE "CASA" PARA EFEITO DE PROTEÇÃO
CONSTITUCIONAL - AMPLITUDE DESSA NOÇÃO CONCEITUAL, QUE TAMBÉM
COMPREENDE OS ESPAÇOS PRIVADOS NÃO ABERTOS AO PÚBLICO, ONDE ALGUÉM
EXERCE ATIVIDADE PROFISSIONAL: NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE
MANDADO JUDICIAL (CF, ART. 5º, XI).
- Para os fins da proteção
jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da Constituição da
República, o conceito normativo de "casa" revela-se abrangente e,
por estender-se a qualquer compartimento privado não aberto ao
público, onde alguém exerce profissão ou atividade (CP, art. 150, §
4º, III), compreende, observada essa específica limitação espacial
(área interna não acessível ao público), os escritórios
profissionais, inclusive os de contabilidade, "embora sem conexão
com a casa de moradia propriamente dita" (NELSON HUNGRIA). Doutrina.
Precedentes.
- Sem que ocorra qualquer das situações
excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art.
5º, XI), nenhum agente público, ainda que vinculado à administração
tributária do Estado, poderá, contra a vontade de quem de direito
("invito domino"), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial,
em espaço privado não aberto ao público, onde alguém exerce sua
atividade profissional, sob pena de a prova resultante da diligência
de busca e apreensão assim executada reputar-se inadmissível,
porque impregnada de ilicitude material. Doutrina. Precedentes
específicos, em tema de fiscalização tributária, a propósito de
escritórios de contabilidade (STF).
- O atributo da
auto-executoriedade dos atos administrativos, que traduz expressão
concretizadora do "privilège du preálable", não prevalece sobre a
garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar, ainda que se
cuide de atividade exercida pelo Poder Público em sede de
fiscalização tributária. Doutrina. Precedentes.
ILICITUDE DA
PROVA - INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO (OU PERANTE
QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER) - INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA
RESULTANTE DE TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS
DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS.
- A ação persecutória do
Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se
instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em
elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à
garantia constitucional do "due process of law", que tem, no dogma
da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais
expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de
direito positivo. A "Exclusionary Rule" consagrada pela
jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos da América como
limitação ao poder do Estado de produzir prova em sede processual
penal.
- A Constituição da República, em norma revestida de
conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível
com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases
democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder
Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem
constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos
probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até
mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no
ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade
probatória, a fórmula autoritária do "male captum, bene retentum".
Doutrina. Precedentes.
- A circunstância de a administração
estatal achar-se investida de poderes excepcionais que lhe permitem
exercer a fiscalização em sede tributária não a exonera do dever de
observar, para efeito do legítimo desempenho de tais prerrogativas,
os limites impostos pela Constituição e pelas leis da República, sob
pena de os órgãos governamentais incidirem em frontal desrespeito
às garantias constitucionalmente asseguradas aos cidadãos em geral e
aos contribuintes em particular.
- Os procedimentos dos agentes
da administração tributária que contrariem os postulados consagrados
pela Constituição da República revelam-se inaceitáveis e não podem
ser corroborados pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de
inadmissível subversão dos postulados constitucionais que definem,
de modo estrito, os limites - inultrapassáveis - que restringem os
poderes do Estado em suas relações com os contribuintes e com
terceiros.
Ementa
E M E N T A: FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA - APREENSÃO DE LIVROS
CONTÁBEIS E DOCUMENTOS FISCAIS REALIZADA, EM ESCRITÓRIO DE
CONTABILIDADE, POR AGENTES FAZENDÁRIOS E POLICIAIS FEDERAIS, SEM
MANDADO JUDICIAL - INADMISSIBILIDADE - ESPAÇO PRIVADO, NÃO ABERTO AO
PÚBLICO, SUJEITO À PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE
DOMICILIAR (CF, ART. 5º, XI) - SUBSUNÇÃO AO CONCEITO NORMATIVO DE
"CASA" - NECESSIDADE DE ORDEM JUDICIAL - ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E
FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA - DEVER DE OBSERVÂNCIA, POR PARTE DE SEUS
ÓRGÃOS E AGENTES, DOS LIMITES JURÍDICOS IMPOSTOS PELA CONSTITUIÇÃO E
PELAS LEIS DA REPÚBLICA - IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO, PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO, DE PROVA OBTIDA EM TRANSGRESSÃO À GARANTIA DA
INVIOLABILIDADE DOMICILIAR - PROVA ILÍCITA - INIDONEIDADE JURÍDICA -
"HABEAS CORPUS" DEFERIDO.
ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA -
FISCALIZAÇÃO - PODERES - NECESSÁRIO RESPEITO AOS DIREITOS E
GARANTIAS INDIVIDUAIS DOS CONTRIBUINTES E DE TERCEIROS.
- Não são
absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes
da administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação,
inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à
observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem,
constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral. Na
realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias
individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode
caracterizar ilícito constitucional.
- A administração
tributária, por isso mesmo, embora podendo muito, não pode tudo. É
que, ao Estado, é somente lícito atuar, "respeitados os direitos
individuais e nos termos da lei" (CF, art. 145, § 1º), consideradas,
sobretudo, e para esse específico efeito, as limitações jurídicas
decorrentes do próprio sistema instituído pela Lei Fundamental, cuja
eficácia - que prepondera sobre todos os órgãos e agentes
fazendários - restringe-lhes o alcance do poder de que se acham
investidos, especialmente quando exercido em face do contribuinte e
dos cidadãos da República, que são titulares de garantias
impregnadas de estatura constitucional e que, por tal razão, não
podem ser transgredidas por aqueles que exercem a autoridade em nome
do Estado.
A GARANTIA DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR COMO
LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL AO PODER DO ESTADO EM TEMA DE FISCALIZAÇÃO
TRIBUTÁRIA - CONCEITO DE "CASA" PARA EFEITO DE PROTEÇÃO
CONSTITUCIONAL - AMPLITUDE DESSA NOÇÃO CONCEITUAL, QUE TAMBÉM
COMPREENDE OS ESPAÇOS PRIVADOS NÃO ABERTOS AO PÚBLICO, ONDE ALGUÉM
EXERCE ATIVIDADE PROFISSIONAL: NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE
MANDADO JUDICIAL (CF, ART. 5º, XI).
- Para os fins da proteção
jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da Constituição da
República, o conceito normativo de "casa" revela-se abrangente e,
por estender-se a qualquer compartimento privado não aberto ao
público, onde alguém exerce profissão ou atividade (CP, art. 150, §
4º, III), compreende, observada essa específica limitação espacial
(área interna não acessível ao público), os escritórios
profissionais, inclusive os de contabilidade, "embora sem conexão
com a casa de moradia propriamente dita" (NELSON HUNGRIA). Doutrina.
Precedentes.
- Sem que ocorra qualquer das situações
excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art.
5º, XI), nenhum agente público, ainda que vinculado à administração
tributária do Estado, poderá, contra a vontade de quem de direito
("invito domino"), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial,
em espaço privado não aberto ao público, onde alguém exerce sua
atividade profissional, sob pena de a prova resultante da diligência
de busca e apreensão assim executada reputar-se inadmissível,
porque impregnada de ilicitude material. Doutrina. Precedentes
específicos, em tema de fiscalização tributária, a propósito de
escritórios de contabilidade (STF).
- O atributo da
auto-executoriedade dos atos administrativos, que traduz expressão
concretizadora do "privilège du preálable", não prevalece sobre a
garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar, ainda que se
cuide de atividade exercida pelo Poder Público em sede de
fiscalização tributária. Doutrina. Precedentes.
ILICITUDE DA
PROVA - INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO (OU PERANTE
QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER) - INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA
RESULTANTE DE TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS
DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS.
- A ação persecutória do
Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se
instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em
elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à
garantia constitucional do "due process of law", que tem, no dogma
da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais
expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de
direito positivo. A "Exclusionary Rule" consagrada pela
jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos da América como
limitação ao poder do Estado de produzir prova em sede processual
penal.
- A Constituição da República, em norma revestida de
conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível
com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases
democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder
Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem
constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos
probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até
mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no
ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade
probatória, a fórmula autoritária do "male captum, bene retentum".
Doutrina. Precedentes.
- A circunstância de a administração
estatal achar-se investida de poderes excepcionais que lhe permitem
exercer a fiscalização em sede tributária não a exonera do dever de
observar, para efeito do legítimo desempenho de tais prerrogativas,
os limites impostos pela Constituição e pelas leis da República, sob
pena de os órgãos governamentais incidirem em frontal desrespeito
às garantias constitucionalmente asseguradas aos cidadãos em geral e
aos contribuintes em particular.
- Os procedimentos dos agentes
da administração tributária que contrariem os postulados consagrados
pela Constituição da República revelam-se inaceitáveis e não podem
ser corroborados pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de
inadmissível subversão dos postulados constitucionais que definem,
de modo estrito, os limites - inultrapassáveis - que restringem os
poderes do Estado em suas relações com os contribuintes e com
terceiros.Decisão
A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido de habeas corpus, nos
termos do voto do Relator. Impedido o Senhor Ministro Joaquim Barbosa.
2ª Turma, 12.04.2005.
Data do Julgamento
:
12/04/2005
Data da Publicação
:
DJ 02-06-2006 PP-00043 EMENT VOL-02235-01 PP-00179 RTJ VOL-00201-01 PP-00170
Órgão Julgador
:
Segunda Turma
Relator(a)
:
Min. CELSO DE MELLO
Parte(s)
:
PACTE.(S) : LUIZ FELIPE DA CONCEIÇÃO RODRIGUES
IMPTE.(S) : GUSTAVO EID BIANCHI PRATES
COATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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