STF HC 83947 / AM - AMAZONAS HABEAS CORPUS
E M E N T A: "HABEAS CORPUS" - CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO
NACIONAL - RESPONSABILIDADE PENAL DOS CONTROLADORES E
ADMINISTRADORES DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS - LEI Nº 7.492/86
(ART. 25) - DENÚNCIA QUE NÃO ATRIBUI COMPORTAMENTO ESPECÍFICO AO
DIRETOR DE CÂMBIO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE O VINCULE, COM
APOIO EM DADOS PROBATÓRIOS MÍNIMOS, AO EVENTO DELITUOSO - INÉPCIA
DA DENÚNCIA - PEDIDO DEFERIDO.
PROCESSO PENAL ACUSATÓRIO -
OBRIGAÇÃO DE O MINISTÉRIO PÚBLICO FORMULAR DENÚNCIA JURIDICAMENTE
APTA.
O sistema jurídico vigente no Brasil - tendo presente a
natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado,
em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático -
impõe, ao Ministério Público, a obrigação de expor, de maneira
precisa, objetiva e individualizada, a participação das pessoas
acusadas da suposta prática da infração penal, a fim de que o
Poder Judiciário, ao resolver a controvérsia penal, possa, em
obséquio aos postulados essenciais do direito penal da culpa e do
princípio constitucional do "due process of law", ter em
consideração, sem transgredir esses vetores condicionantes da
atividade de persecução estatal, a conduta individual do réu, a
ser analisada, em sua expressão concreta, em face dos elementos
abstratos contidos no preceito primário de incriminação. O
ordenamento positivo brasileiro repudia as acusações genéricas e
repele as sentenças indeterminadas.
A PESSOA SOB
INVESTIGAÇÃO PENAL TEM O DIREITO DE NÃO SER ACUSADA COM BASE EM
DENÚNCIA INEPTA.
A denúncia - enquanto instrumento formalmente
consubstanciador da acusação penal - constitui peça processual de
indiscutível relevo jurídico. Ela, antes de mais nada, ao
delimitar o âmbito temático da imputação penal, define a própria
"res in judicio deducta".
A peça acusatória, por isso mesmo,
deve conter a exposição do fato delituoso, em toda a sua essência
e com todas as suas circunstâncias. Essa narração, ainda que
sucinta, impõe-se ao acusador como exigência derivada do
postulado constitucional que assegura, ao réu, o exercício, em
plenitude, do direito de defesa. Denúncia que não descreve,
adequadamente, o fato criminoso e que também deixa de estabelecer
a necessária vinculação da conduta individual de cada agente ao
evento delituoso qualifica-se como denúncia inepta.
Precedentes.
PERSECUÇÃO PENAL DOS DELITOS CONTRA O SISTEMA
FINANCEIRO - PEÇA ACUSATÓRIA QUE NÃO DESCREVE, QUANTO AO
ADMINISTRADOR DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, QUALQUER CONDUTA
ESPECÍFICA QUE O VINCULE AO EVENTO DELITUOSO - INÉPCIA DA
DENÚNCIA.
- A mera invocação da condição de diretor em
instituição financeira, sem a correspondente e objetiva descrição
de determinado comportamento típico que o vincule ao resultado
criminoso, não constitui fator suficiente apto a legitimar a
formulação da acusação estatal ou a autorizar a prolação de
decreto judicial condenatório.
A circunstância objetiva de
alguém meramente exercer cargo de direção em instituição
financeira não se revela suficiente, só por si, para autorizar
qualquer presunção de culpa (inexistente em nosso sistema
jurídico-penal) e, menos ainda, para justificar, como efeito
derivado dessa particular qualificação formal, a correspondente
persecução criminal em juízo.
AS ACUSAÇÕES PENAIS NÃO SE
PRESUMEM PROVADAS: O ÔNUS DA PROVA INCUMBE, EXCLUSIVAMENTE, A
QUEM ACUSA.
- Os princípios constitucionais que regem o
processo penal põem em evidência o nexo de indiscutível
vinculação que existe entre a obrigação estatal de oferecer
acusação formalmente precisa e juridicamente apta, de um lado, e
o direito individual à ampla defesa, de que dispõe o acusado, de
outro. É que, para o acusado exercer, em plenitude, a garantia do
contraditório, torna-se indispensável que o órgão da acusação
descreva, de modo preciso, os elementos estruturais ("essentialia
delicti") que compõem o tipo penal, sob pena de se devolver,
ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide) de
provar que é inocente.
É sempre importante reiterar - na linha
do magistério jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal
consagrou na matéria - que nenhuma acusação penal se presume
provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe,
ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de forma
inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a
culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema
de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do
processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu,
com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a
obrigação de o acusado provar a sua própria inocência
(Decreto-lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5). Precedentes.
Ementa
E M E N T A: "HABEAS CORPUS" - CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO
NACIONAL - RESPONSABILIDADE PENAL DOS CONTROLADORES E
ADMINISTRADORES DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS - LEI Nº 7.492/86
(ART. 25) - DENÚNCIA QUE NÃO ATRIBUI COMPORTAMENTO ESPECÍFICO AO
DIRETOR DE CÂMBIO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE O VINCULE, COM
APOIO EM DADOS PROBATÓRIOS MÍNIMOS, AO EVENTO DELITUOSO - INÉPCIA
DA DENÚNCIA - PEDIDO DEFERIDO.
PROCESSO PENAL ACUSATÓRIO -
OBRIGAÇÃO DE O MINISTÉRIO PÚBLICO FORMULAR DENÚNCIA JURIDICAMENTE
APTA.
O sistema jurídico vigente no Brasil - tendo presente a
natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado,
em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático -
impõe, ao Ministério Público, a obrigação de expor, de maneira
precisa, objetiva e individualizada, a participação das pessoas
acusadas da suposta prática da infração penal, a fim de que o
Poder Judiciário, ao resolver a controvérsia penal, possa, em
obséquio aos postulados essenciais do direito penal da culpa e do
princípio constitucional do "due process of law", ter em
consideração, sem transgredir esses vetores condicionantes da
atividade de persecução estatal, a conduta individual do réu, a
ser analisada, em sua expressão concreta, em face dos elementos
abstratos contidos no preceito primário de incriminação. O
ordenamento positivo brasileiro repudia as acusações genéricas e
repele as sentenças indeterminadas.
A PESSOA SOB
INVESTIGAÇÃO PENAL TEM O DIREITO DE NÃO SER ACUSADA COM BASE EM
DENÚNCIA INEPTA.
A denúncia - enquanto instrumento formalmente
consubstanciador da acusação penal - constitui peça processual de
indiscutível relevo jurídico. Ela, antes de mais nada, ao
delimitar o âmbito temático da imputação penal, define a própria
"res in judicio deducta".
A peça acusatória, por isso mesmo,
deve conter a exposição do fato delituoso, em toda a sua essência
e com todas as suas circunstâncias. Essa narração, ainda que
sucinta, impõe-se ao acusador como exigência derivada do
postulado constitucional que assegura, ao réu, o exercício, em
plenitude, do direito de defesa. Denúncia que não descreve,
adequadamente, o fato criminoso e que também deixa de estabelecer
a necessária vinculação da conduta individual de cada agente ao
evento delituoso qualifica-se como denúncia inepta.
Precedentes.
PERSECUÇÃO PENAL DOS DELITOS CONTRA O SISTEMA
FINANCEIRO - PEÇA ACUSATÓRIA QUE NÃO DESCREVE, QUANTO AO
ADMINISTRADOR DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, QUALQUER CONDUTA
ESPECÍFICA QUE O VINCULE AO EVENTO DELITUOSO - INÉPCIA DA
DENÚNCIA.
- A mera invocação da condição de diretor em
instituição financeira, sem a correspondente e objetiva descrição
de determinado comportamento típico que o vincule ao resultado
criminoso, não constitui fator suficiente apto a legitimar a
formulação da acusação estatal ou a autorizar a prolação de
decreto judicial condenatório.
A circunstância objetiva de
alguém meramente exercer cargo de direção em instituição
financeira não se revela suficiente, só por si, para autorizar
qualquer presunção de culpa (inexistente em nosso sistema
jurídico-penal) e, menos ainda, para justificar, como efeito
derivado dessa particular qualificação formal, a correspondente
persecução criminal em juízo.
AS ACUSAÇÕES PENAIS NÃO SE
PRESUMEM PROVADAS: O ÔNUS DA PROVA INCUMBE, EXCLUSIVAMENTE, A
QUEM ACUSA.
- Os princípios constitucionais que regem o
processo penal põem em evidência o nexo de indiscutível
vinculação que existe entre a obrigação estatal de oferecer
acusação formalmente precisa e juridicamente apta, de um lado, e
o direito individual à ampla defesa, de que dispõe o acusado, de
outro. É que, para o acusado exercer, em plenitude, a garantia do
contraditório, torna-se indispensável que o órgão da acusação
descreva, de modo preciso, os elementos estruturais ("essentialia
delicti") que compõem o tipo penal, sob pena de se devolver,
ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide) de
provar que é inocente.
É sempre importante reiterar - na linha
do magistério jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal
consagrou na matéria - que nenhuma acusação penal se presume
provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe,
ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de forma
inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a
culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema
de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do
processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu,
com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a
obrigação de o acusado provar a sua própria inocência
(Decreto-lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5). Precedentes.Decisão
A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido de habeas
corpus, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente,
neste julgamento, os Senhores Ministros Eros Grau e Cezar
Peluso. 2ª Turma, 07.08.2007.
Data do Julgamento
:
07/08/2007
Data da Publicação
:
DJe-018 DIVULG 31-01-2008 PUBLIC 01-02-2008 EMENT VOL-02305-02 PP-00327
Órgão Julgador
:
Segunda Turma
Relator(a)
:
Min. CELSO DE MELLO
Parte(s)
:
PACTE.(S): ANTHONY PAIN
IMPTE.(S): MARCELO KINTZEL GRACIANO E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Mostrar discussão