STF HC 84436 / SP - SÃO PAULO HABEAS CORPUS
E M E N T A: "HABEAS CORPUS" - DELITO SOCIETÁRIO - CRIME CONTRA A
ORDEM TRIBUTÁRIA - LEI Nº 8.137/90 - RESPONSABILIDADE PENAL DOS
SÓCIOS QUOTISTAS - DENÚNCIA QUE NÃO ATRIBUI, AOS SÓCIOS,
COMPORTAMENTO ESPECÍFICO QUE OS VINCULE, COM APOIO EM DADOS
PROBATÓRIOS MÍNIMOS, AO EVENTO DELITUOSO - INÉPCIA DA DENÚNCIA
QUANTO A AMBOS OS SÓCIOS - QUOTISTA MINORITÁRIO (1% DAS QUOTAS
SOCIAIS) - INEXISTÊNCIA DE PODER GERENCIAL E DECISÓRIO -
IMPOSSIBILIDADE DE INCRIMINAÇÃO DO QUOTISTA MINORITÁRIO SEM QUE
LHE SEJA ATRIBUÍDA CONDUTA ESPECÍFICA - PEDIDO
DEFERIDO.
PROCESSO PENAL ACUSATÓRIO - OBRIGAÇÃO DE O
MINISTÉRIO PÚBLICO FORMULAR DENÚNCIA JURIDICAMENTE APTA.
O
sistema jurídico vigente no Brasil - tendo presente a natureza
dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua
estrutura formal, de caráter essencialmente democrático - impõe,
ao Ministério Público, a obrigação de expor, de maneira precisa,
objetiva e individualizada, a participação das pessoas acusadas
da suposta prática da infração penal, a fim de que o Poder
Judiciário, ao resolver a controvérsia penal, possa, em obséquio
aos postulados essenciais do direito penal da culpa e do
princípio constitucional do "due process of law", ter em
consideração, sem transgredir esses vetores condicionantes da
atividade de persecução estatal, a conduta individual do réu, a
ser analisada, em sua expressão concreta, em face dos elementos
abstratos contidos no preceito primário de incriminação. O
ordenamento positivo brasileiro repudia as acusações genéricas e
repele as sentenças indeterminadas.
A PESSOA SOB
INVESTIGAÇÃO PENAL TEM O DIREITO DE NÃO SER ACUSADA COM BASE EM
DENÚNCIA INEPTA.
A denúncia - enquanto instrumento formalmente
consubstanciador da acusação penal - constitui peça processual de
indiscutível relevo jurídico. Ela, antes de mais nada, ao
delimitar o âmbito temático da imputação penal, define a própria
"res in judicio deducta".
A peça acusatória, por isso mesmo,
deve conter a exposição do fato delituoso, em toda a sua essência
e com todas as suas circunstâncias. Essa narração, ainda que
sucinta, impõe-se ao acusador como exigência derivada do
postulado constitucional que assegura, ao réu, o exercício, em
plenitude, do direito de defesa. Denúncia que não descreve,
adequadamente, o fato criminoso e que também deixa de estabelecer
a necessária vinculação da conduta individual de cada agente ao
evento delituoso qualifica-se como denúncia inepta.
Precedentes.
PERSECUÇÃO PENAL DOS DELITOS SOCIETÁRIOS - PEÇA
ACUSATÓRIA QUE NÃO DESCREVE, QUANTO A CADA SÓCIO, QUALQUER
CONDUTA ESPECÍFICA QUE O VINCULE AO EVENTO DELITUOSO - INÉPCIA DA
DENÚNCIA.
- A mera invocação da condição de sócio quotista,
sem a correspondente e objetiva descrição de determinado
comportamento típico que o vincule ao resultado criminoso, não
constitui fator suficiente apto a legitimar a formulação da
acusação estatal ou a autorizar a prolação de decreto judicial
condenatório.
A circunstância objetiva de alguém meramente ser
sócio de uma empresa não se revela suficiente, só por si, para
autorizar qualquer presunção de culpa (inexistente em nosso
sistema jurídico-penal) e, menos ainda, para justificar, como
efeito derivado dessa particular qualificação formal, a
correspondente persecução criminal em juízo.
SÓCIO QUOTISTA
MINORITÁRIO QUE NÃO EXERCE FUNÇÕES GERENCIAIS - NECESSIDADE DE
DESCRIÇÃO DE DETERMINADO COMPORTAMENTO TÍPICO QUE VINCULE O SÓCIO
AO RESULTADO CRIMINOSO.
- O simples ingresso formal de alguém
em determinada sociedade simples ou empresária - que nesta não
exerça função gerencial nem tenha participação efetiva na
regência das atividades sociais - não basta, só por si,
especialmente quando ostentar a condição de quotista minoritário,
para fundamentar qualquer juízo de culpabilidade penal.
A mera
invocação da condição de quotista, sem a correspondente e
objetiva descrição de determinado comportamento típico que
vincule o sócio ao resultado criminoso, não constitui, nos
delitos societários, fator suficiente apto a legitimar a
formulação da acusação estatal ou a autorizar a prolação de
decreto judicial condenatório.
Ementa
E M E N T A: "HABEAS CORPUS" - DELITO SOCIETÁRIO - CRIME CONTRA A
ORDEM TRIBUTÁRIA - LEI Nº 8.137/90 - RESPONSABILIDADE PENAL DOS
SÓCIOS QUOTISTAS - DENÚNCIA QUE NÃO ATRIBUI, AOS SÓCIOS,
COMPORTAMENTO ESPECÍFICO QUE OS VINCULE, COM APOIO EM DADOS
PROBATÓRIOS MÍNIMOS, AO EVENTO DELITUOSO - INÉPCIA DA DENÚNCIA
QUANTO A AMBOS OS SÓCIOS - QUOTISTA MINORITÁRIO (1% DAS QUOTAS
SOCIAIS) - INEXISTÊNCIA DE PODER GERENCIAL E DECISÓRIO -
IMPOSSIBILIDADE DE INCRIMINAÇÃO DO QUOTISTA MINORITÁRIO SEM QUE
LHE SEJA ATRIBUÍDA CONDUTA ESPECÍFICA - PEDIDO
DEFERIDO.
PROCESSO PENAL ACUSATÓRIO - OBRIGAÇÃO DE O
MINISTÉRIO PÚBLICO FORMULAR DENÚNCIA JURIDICAMENTE APTA.
O
sistema jurídico vigente no Brasil - tendo presente a natureza
dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua
estrutura formal, de caráter essencialmente democrático - impõe,
ao Ministério Público, a obrigação de expor, de maneira precisa,
objetiva e individualizada, a participação das pessoas acusadas
da suposta prática da infração penal, a fim de que o Poder
Judiciário, ao resolver a controvérsia penal, possa, em obséquio
aos postulados essenciais do direito penal da culpa e do
princípio constitucional do "due process of law", ter em
consideração, sem transgredir esses vetores condicionantes da
atividade de persecução estatal, a conduta individual do réu, a
ser analisada, em sua expressão concreta, em face dos elementos
abstratos contidos no preceito primário de incriminação. O
ordenamento positivo brasileiro repudia as acusações genéricas e
repele as sentenças indeterminadas.
A PESSOA SOB
INVESTIGAÇÃO PENAL TEM O DIREITO DE NÃO SER ACUSADA COM BASE EM
DENÚNCIA INEPTA.
A denúncia - enquanto instrumento formalmente
consubstanciador da acusação penal - constitui peça processual de
indiscutível relevo jurídico. Ela, antes de mais nada, ao
delimitar o âmbito temático da imputação penal, define a própria
"res in judicio deducta".
A peça acusatória, por isso mesmo,
deve conter a exposição do fato delituoso, em toda a sua essência
e com todas as suas circunstâncias. Essa narração, ainda que
sucinta, impõe-se ao acusador como exigência derivada do
postulado constitucional que assegura, ao réu, o exercício, em
plenitude, do direito de defesa. Denúncia que não descreve,
adequadamente, o fato criminoso e que também deixa de estabelecer
a necessária vinculação da conduta individual de cada agente ao
evento delituoso qualifica-se como denúncia inepta.
Precedentes.
PERSECUÇÃO PENAL DOS DELITOS SOCIETÁRIOS - PEÇA
ACUSATÓRIA QUE NÃO DESCREVE, QUANTO A CADA SÓCIO, QUALQUER
CONDUTA ESPECÍFICA QUE O VINCULE AO EVENTO DELITUOSO - INÉPCIA DA
DENÚNCIA.
- A mera invocação da condição de sócio quotista,
sem a correspondente e objetiva descrição de determinado
comportamento típico que o vincule ao resultado criminoso, não
constitui fator suficiente apto a legitimar a formulação da
acusação estatal ou a autorizar a prolação de decreto judicial
condenatório.
A circunstância objetiva de alguém meramente ser
sócio de uma empresa não se revela suficiente, só por si, para
autorizar qualquer presunção de culpa (inexistente em nosso
sistema jurídico-penal) e, menos ainda, para justificar, como
efeito derivado dessa particular qualificação formal, a
correspondente persecução criminal em juízo.
SÓCIO QUOTISTA
MINORITÁRIO QUE NÃO EXERCE FUNÇÕES GERENCIAIS - NECESSIDADE DE
DESCRIÇÃO DE DETERMINADO COMPORTAMENTO TÍPICO QUE VINCULE O SÓCIO
AO RESULTADO CRIMINOSO.
- O simples ingresso formal de alguém
em determinada sociedade simples ou empresária - que nesta não
exerça função gerencial nem tenha participação efetiva na
regência das atividades sociais - não basta, só por si,
especialmente quando ostentar a condição de quotista minoritário,
para fundamentar qualquer juízo de culpabilidade penal.
A mera
invocação da condição de quotista, sem a correspondente e
objetiva descrição de determinado comportamento típico que
vincule o sócio ao resultado criminoso, não constitui, nos
delitos societários, fator suficiente apto a legitimar a
formulação da acusação estatal ou a autorizar a prolação de
decreto judicial condenatório.Decisão
A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido de habeas corpus, nos
termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste
julgamento, os Senhores Ministros Gilmar Mendes e Cezar Peluso. 2ª
Turma, 05.09.2006.
Data do Julgamento
:
05/09/2006
Data da Publicação
:
DJe-055 DIVULG 27-03-2008 PUBLIC 28-03-2008 EMENT VOL-02312-04 PP-00631
Órgão Julgador
:
Segunda Turma
Relator(a)
:
Min. CELSO DE MELLO
Parte(s)
:
PACTE.(S): ARTHUR MAURÍCIO DE LEMOS
PACTE.(S): CLÁUDIO ARTHUR MOUTINHO MAURÍCIO
IMPTE.(S): RUI GERALDO CAMARGO VIANA E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Mostrar discussão