STF HC 88025 / ES - ESPÍRITO SANTO HABEAS CORPUS
E M E N T A: "HABEAS CORPUS" - ADITAMENTO DA DENÚNCIA - ALEGADO
CERCEAMENTO DE DEFESA - PRETENDIDA OBSERVÂNCIA DO ART. 384,
PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPP - INAPLICABILIDADE - ADITAMENTO QUE SE
LIMITA A FORMALIZAR NOVA CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FATOS QUE
FORAM DESCRITOS, COM CLAREZA, NA DENÚNCIA - HIPÓTESE DE SIMPLES
"EMENDATIO LIBELLI" - POSSIBILIDADE - APLICABILIDADE DO ART. 383
DO CPP - PRISÃO PROCESSUAL - EXCESSO DE PRAZO EM SUA DURAÇÃO -
PACIENTES PRESOS, CAUTELARMENTE, HÁ MAIS DE 4 (QUATRO) ANOS -
INADMISSIBILIDADE - DESRESPEITO AO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (CF, ART. 1º, III) - TRANSGRESSÃO À
GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (CF, ART. 5º, LIV) - OFENSA AO
DIREITO DO RÉU A JULGAMENTO SEM DILAÇÕES INDEVIDAS (CF, ART. 5º,
LXXVIII) - "HABEAS CORPUS" DEFERIDO.
DENÚNCIA QUE DESCREVE,
DE MODO PRECISO, OS "ESSENTIALIA DELICTI" - IRRELEVÂNCIA DA
CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA - ADITAMENTO QUE SE LIMITA A CORRIGIR A
CAPITULAÇÃO LEGAL DOS DELITOS - "EMENDATIO LIBELLI".
- Se o
magistrado reconhecer a possibilidade de atribuir, ao fato
delituoso, quando da prolação da sentença, qualificação jurídica
diversa daquela que constou da peça acusatória, essa conduta
judicial não ofenderá o direito de defesa do acusado, desde que a
nova capitulação encontre apoio em circunstância elementar que se
contenha, de modo explícito ou implícito, na denúncia ou na
queixa. É que, em tal contexto, essa atuação processual do
magistrado, plenamente legitimada pelo que dispõe o art. 383 do
CPP, configurará mera hipótese de "emendatio libelli". Doutrina.
Precedentes.
- Aditamento que se limitou, no caso, a meramente
formalizar nova classificação jurídica dos fatos que já se
achavam descritos, com clareza, em seus elementos essenciais, na
própria peça acusatória. Inaplicabilidade, à espécie, do art. 384
do CPP.
"MUTATIO LIBELLI" - NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO
ART. 384 DO CPP - SITUAÇÃO INOCORRENTE NA ESPÉCIE.
- O réu não
pode ser condenado por fatos cuja descrição não se contenha,
explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa, impondo-se,
por tal razão, ao Estado, em respeito à garantia da plenitude de
defesa, a necessária observância do princípio da correlação entre
imputação e sentença ("quod non est in libello, non est in
mundo").
Cabe, ao juiz - quando constatar a existência, nos
autos, de prova evidenciadora de circunstância elementar, não
contida, explícita ou implicitamente, na peça acusatória -,
adotar, sob pena de nulidade (RT 740/513 - RT 745/650 - RT
762/567), as providências a que se refere o art. 384 do CPP, que
dispõe sobre a "mutatio libelli", ensejando, então, ao acusado,
por efeito da garantia constitucional de defesa, o exercício das
prerrogativas que essa norma legal lhe confere, seja na hipótese
de "mutatio libelli" sem aditamento (CPP, art. 384, "caput"),
seja no caso de "mutatio libelli" com aditamento (CPP, art. 384,
parágrafo único). Hipóteses inocorrentes na espécie, por se achar
configurada mera situação de "emendatio libelli" (CPP, art.
383).
O EXCESSO DE PRAZO, NA DURAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR,
MESMO TRATANDO-SE DE DELITO HEDIONDO (OU A ESTE EQUIPARADO),
IMPÕE, EM OBSÉQUIO AOS PRINCÍPIOS CONSAGRADOS NA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA, A IMEDIATA CONCESSÃO DE LIBERDADE AO INDICIADO OU AO
RÉU.
- Nada justifica a permanência de uma pessoa na prisão,
sem culpa formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo
de sua segregação cautelar (RTJ 137/287 - RTJ 157/633 - RTJ
180/262-264 - RTJ 187/933-934 - RTJ 195/212-213), considerada a
excepcionalidade de que se reveste, em nosso sistema jurídico, a
prisão meramente processual do indiciado ou do réu, mesmo que se
trate de crime hediondo ou de delito a este equiparado.
- O
excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho
judiciário - não derivando, portanto, de qualquer fato
procrastinatório causalmente atribuível ao réu - traduz situação
anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de
tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão,
frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o
direito à resolução do litígio sem dilações indevidas (CF, art.
5º, LXXVIII) e com todas as garantias reconhecidas pelo
ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio
da coerção estatal representado pela privação cautelar da
liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em
lei.
- A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão
cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da
dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a
centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) -
significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que
conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em
nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos
em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática
consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo (RTJ
195/212-213). Constituição Federal (Art. 5º, incisos LIV e
LXXVIII). EC nº 45/2004. Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (Art. 7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência.
- A
prisão cautelar - qualquer que seja a modalidade que ostente no
ordenamento positivo brasileiro (prisão em flagrante, prisão
temporária, prisão preventiva, prisão decorrente de sentença de
pronúncia ou prisão motivada por condenação penal recorrível) -
não pode transmudar-se, mediante subversão dos fins que a
autorizam, em meio de inconstitucional antecipação executória da
própria sanção penal, pois tal instrumento de tutela cautelar
penal somente se legitima, se se comprovar, com apoio em base
empírica idônea, a real necessidade da adoção, pelo Estado, dessa
extraordinária medida de constrição do "status libertatis" do
indiciado ou do réu. Precedentes.
Ementa
E M E N T A: "HABEAS CORPUS" - ADITAMENTO DA DENÚNCIA - ALEGADO
CERCEAMENTO DE DEFESA - PRETENDIDA OBSERVÂNCIA DO ART. 384,
PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPP - INAPLICABILIDADE - ADITAMENTO QUE SE
LIMITA A FORMALIZAR NOVA CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FATOS QUE
FORAM DESCRITOS, COM CLAREZA, NA DENÚNCIA - HIPÓTESE DE SIMPLES
"EMENDATIO LIBELLI" - POSSIBILIDADE - APLICABILIDADE DO ART. 383
DO CPP - PRISÃO PROCESSUAL - EXCESSO DE PRAZO EM SUA DURAÇÃO -
PACIENTES PRESOS, CAUTELARMENTE, HÁ MAIS DE 4 (QUATRO) ANOS -
INADMISSIBILIDADE - DESRESPEITO AO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (CF, ART. 1º, III) - TRANSGRESSÃO À
GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (CF, ART. 5º, LIV) - OFENSA AO
DIREITO DO RÉU A JULGAMENTO SEM DILAÇÕES INDEVIDAS (CF, ART. 5º,
LXXVIII) - "HABEAS CORPUS" DEFERIDO.
DENÚNCIA QUE DESCREVE,
DE MODO PRECISO, OS "ESSENTIALIA DELICTI" - IRRELEVÂNCIA DA
CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA - ADITAMENTO QUE SE LIMITA A CORRIGIR A
CAPITULAÇÃO LEGAL DOS DELITOS - "EMENDATIO LIBELLI".
- Se o
magistrado reconhecer a possibilidade de atribuir, ao fato
delituoso, quando da prolação da sentença, qualificação jurídica
diversa daquela que constou da peça acusatória, essa conduta
judicial não ofenderá o direito de defesa do acusado, desde que a
nova capitulação encontre apoio em circunstância elementar que se
contenha, de modo explícito ou implícito, na denúncia ou na
queixa. É que, em tal contexto, essa atuação processual do
magistrado, plenamente legitimada pelo que dispõe o art. 383 do
CPP, configurará mera hipótese de "emendatio libelli". Doutrina.
Precedentes.
- Aditamento que se limitou, no caso, a meramente
formalizar nova classificação jurídica dos fatos que já se
achavam descritos, com clareza, em seus elementos essenciais, na
própria peça acusatória. Inaplicabilidade, à espécie, do art. 384
do CPP.
"MUTATIO LIBELLI" - NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO
ART. 384 DO CPP - SITUAÇÃO INOCORRENTE NA ESPÉCIE.
- O réu não
pode ser condenado por fatos cuja descrição não se contenha,
explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa, impondo-se,
por tal razão, ao Estado, em respeito à garantia da plenitude de
defesa, a necessária observância do princípio da correlação entre
imputação e sentença ("quod non est in libello, non est in
mundo").
Cabe, ao juiz - quando constatar a existência, nos
autos, de prova evidenciadora de circunstância elementar, não
contida, explícita ou implicitamente, na peça acusatória -,
adotar, sob pena de nulidade (RT 740/513 - RT 745/650 - RT
762/567), as providências a que se refere o art. 384 do CPP, que
dispõe sobre a "mutatio libelli", ensejando, então, ao acusado,
por efeito da garantia constitucional de defesa, o exercício das
prerrogativas que essa norma legal lhe confere, seja na hipótese
de "mutatio libelli" sem aditamento (CPP, art. 384, "caput"),
seja no caso de "mutatio libelli" com aditamento (CPP, art. 384,
parágrafo único). Hipóteses inocorrentes na espécie, por se achar
configurada mera situação de "emendatio libelli" (CPP, art.
383).
O EXCESSO DE PRAZO, NA DURAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR,
MESMO TRATANDO-SE DE DELITO HEDIONDO (OU A ESTE EQUIPARADO),
IMPÕE, EM OBSÉQUIO AOS PRINCÍPIOS CONSAGRADOS NA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA, A IMEDIATA CONCESSÃO DE LIBERDADE AO INDICIADO OU AO
RÉU.
- Nada justifica a permanência de uma pessoa na prisão,
sem culpa formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo
de sua segregação cautelar (RTJ 137/287 - RTJ 157/633 - RTJ
180/262-264 - RTJ 187/933-934 - RTJ 195/212-213), considerada a
excepcionalidade de que se reveste, em nosso sistema jurídico, a
prisão meramente processual do indiciado ou do réu, mesmo que se
trate de crime hediondo ou de delito a este equiparado.
- O
excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho
judiciário - não derivando, portanto, de qualquer fato
procrastinatório causalmente atribuível ao réu - traduz situação
anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de
tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão,
frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o
direito à resolução do litígio sem dilações indevidas (CF, art.
5º, LXXVIII) e com todas as garantias reconhecidas pelo
ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio
da coerção estatal representado pela privação cautelar da
liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em
lei.
- A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão
cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da
dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a
centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) -
significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que
conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em
nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos
em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática
consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo (RTJ
195/212-213). Constituição Federal (Art. 5º, incisos LIV e
LXXVIII). EC nº 45/2004. Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (Art. 7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência.
- A
prisão cautelar - qualquer que seja a modalidade que ostente no
ordenamento positivo brasileiro (prisão em flagrante, prisão
temporária, prisão preventiva, prisão decorrente de sentença de
pronúncia ou prisão motivada por condenação penal recorrível) -
não pode transmudar-se, mediante subversão dos fins que a
autorizam, em meio de inconstitucional antecipação executória da
própria sanção penal, pois tal instrumento de tutela cautelar
penal somente se legitima, se se comprovar, com apoio em base
empírica idônea, a real necessidade da adoção, pelo Estado, dessa
extraordinária medida de constrição do "status libertatis" do
indiciado ou do réu. Precedentes.Decisão
A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido
de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. 2a. Turma,
13.06.2006.
Data do Julgamento
:
13/06/2006
Data da Publicação
:
DJ 16-02-2007 PP-00086 EMENT VOL-02264-02 PP-00289 RTJ VOL-00201-01 PP-00286
Órgão Julgador
:
Segunda Turma
Relator(a)
:
Min. CELSO DE MELLO
Parte(s)
:
PACTE.(S) : ADRIANO LEIROSA DA CONCEIÇÃO
PACTE.(S) : MARCELO JOSÉ TONOLI
PACTE.(S) : PEDRO RAFAEL TONOLI
IMPTE.(S) : JOÃO BATISTA NOVAES
COATOR(A/S)(ES) : RELATOR DO HC Nº 32107 E DO RESP Nº 625266 DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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